quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

UM ANO DE SAUDADES...

Há exatamente um ano apagava-se a luz de um ser iluminado que viveu entre nós. Ficamos órfãos de pai. E o mundo perdeu mais uma pessoa de bem. Alguém que só soube pregar a paz, a bondade, a alegria, a honestidade. Alguém cativante, que colecionava amizades e detinha o respeito e a admiração de tantos quantos o conheceram. Nós fomos privilegiados por termos tido a chance de viver no seu tempo e constituirmos sua família. Se eu puder, no final da minha vida, chegar à conclusão de que tive 10% de sua fé, de sua bondade, de seu desprendimento, de sua capacidade de fazer os outros felizes... morrerei tranquilo!
Feliz Natal, pai! Aqui na terra, nossos natais estão um pouco mais tristes sem você, mas nos conforta a certeza de que você está aí, ao lado de Jesus, comemorando o seu aniversário!

domingo, 13 de dezembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXVII
O AP DA MARÍLIA: INESQUECÍVEL
Faço uma pausa na narrativa da evolução clínica do pai para um imprescindível e justo registro.

Um dos episódios mais marcantes e confortadores de nossa odisséia aconteceria a partir de Fevereiro de 2006. No início do mês, com o pai já no HCPA e nossa rotina mantida, a mãe recebeu uma visita no albergue. A tia Rosa viajou a Porto Alegre, onde moram os primos Marília e Luiz Fernando e aproveitou para visitar o pai no hospital, indo depois até o albergue. E fez um (para nós) inusitado convite. A Marília estaria entrando em férias naqueles dias e deveria viajar, ficando fora possivelmente até o final do mês. E nos foi oferecida a possibilidade de ficarmos “hospedados” em seu apartamento, acompanhando o tratamento do pai. O apartamento da Marília fica a poucas quadras do Hospital de Clínicas e isso facilitaria enormemente o acompanhamento da evolução dele. Por mais que o alojamento do albergue fosse bom, a verdade é que a distância fazia com que ficássemos reféns dos horários das lotações, já que está situado no bairro Partenon, realmente distante do centro. E isso cansava muito, além de limitar os horários de tal forma que muitas vezes acabávamos almoçando no centro e retornando apenas à noite. Além disso, a rotina de conviver diariamente com pessoas estranhas, de quase não se ter privacidade, de ter que compartilhar espaços e objetos com pessoas que nunca havíamos visto antes não deixava de ser estressante. A mãe, mesmo sem admitir, já mostrava certo esgotamento. Sei que se fosse necessário teria ficado um ano no albergue sem se queixar, mas era visível que a situação começava a cansar. Então, pode-se deduzir o alívio com que tal convite foi recebido. Uma bênção. No início a mãe relutou, ligou pra nós para ouvir nossa opinião... Queiramos ou não, a gente fica um tanto constrangido quando passa a ser hóspede de alguém, mesmo que seja um familiar. Fica-se com a sensação de estar atrapalhando a vida das pessoas, de ser um “estorvo”, não se fica confortável, na verdade. No entanto, sempre tivemos uma relação muito próxima com os tios e primos de Nova Prata. Um carinho recíproco sempre se desenhou em todos os encontros familiares, nas cartas trocadas, nos telefonemas, nas férias que passávamos por lá. Crescemos com a sensação de que lá estavam de fato nossas origens e duas vezes por ano, nas férias escolares, costumávamos visitar a vó, os tios, os primos, e lá tomávamos contato com coisas que não víamos nos confins de Paim Filho – certas modernidades que não chegavam tão cedo naqueles sertões – e convivíamos algum tempo com aquela gente que, de fato, parecia ser nossa própria família. E é. Embora separados pela distância, mantemo-nos sempre muito próximos. Conheço famílias (inclusive a da minha mulher) que quase não se relacionam senão com irmãos e cunhados. Primos são considerados parentes distantes. Não é nosso caso. A Neu fica admirada quando conversamos e eu digo que considero meus primos quase como irmãos e que sinto saudades de minhas tias e tios de Nova Prata quando fico muito tempo sem vê-los. E isso pesou na decisão de aceitarmos a oferta da Marília e da tia Rosa. Raciocinamos que se fosse o contrário, com certeza faríamos o mesmo, justamente por essa proximidade que nutrimos. Então, aconselhamos a mãe a aceitar, sim, o convite. Um dia daríamos um jeito de agradecer e compensar a eles esse imenso favor que estariam nos fazendo. Mas naquele momento éramos uma família carente de ajuda. Estávamos mortalmente feridos em nosso âmago. A flecha de um inimigo mortal havia atingido nosso patriarca e nos sentíamos, naquele momento, totalmente indefesos e dependentes. O meio não nos era hostil, mas nos era estranho. A capital sempre fora um lugar distante, onde íamos apenas em caso de estrita necessidade (a cada morte de papa) para resolver algum problema, participar de algum evento bancário ou realizar alguma consulta médica mais importante. Então, nem a Marília, nem a tia Rosa saberiam da dimensão daquele gesto. Os dias que se seguiram nos deixaram mais energizados para enfrentar aquela situação adversa. O cansaço deu lugar a um ânimo renovado, que passou, com certeza, para o pai. E dentro de nossa infelicidade pela doença grave que enfrentávamos na família, fomos um pouco mais felizes. Obrigado Marília. Vocês moram no nosso coração!

sábado, 12 de dezembro de 2009

TENHO ANDADO excessivamente emotivo ultimamente...
Eu já esperava por isso, quando chegasse esta época do ano!
Mas não com tal intensidade...
Saudades...

sábado, 5 de dezembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXVI
COMEÇA A ROTINA NO HCPA
Voltei a Porto Alegre no Domingo à noite. Dali para diante,isso se repetiria. Fins de Semana em São José e durante a semana em Porto Alegre. Quem conhece as linhas da Unesul e os trajetos que ligam a região Norte do Estado à capital sabem muito bem do sofrimento que são aquelas viagens. Embarca-se as 11 horas da noite para chegar por volta das 6 horas da manhã, enfrentando um “pinga-pinga” noturno inacreditável, além de mal conservados trechos de estrada de chão batido, seja por Ibiraiaras, seja por André da Rocha, dependendo da linha que se pega. Uma aventura a cada viagem. Nem precisa falar do estado em que se chega em Porto Alegre. As poltronas dos “semi-leito” da Unesul não ficam devendo em nada aos propalados apertos dos aviões da Gol. Ah: e sem barrinha de cereal... Mas nada disso figurava em meus pensamentos à época. Hoje, passados mais de 3 anos, fica fácil falar disso e relembrar. Mas naqueles angustiantes momentos, jamais passou pela minha cabeça ou de qualquer dos meus irmãos que aquelas viagens horríveis pudessem ser um empecilho para acompanharmos o drama do nosso pai. Ao contrário, até agradecíamos a Deus por haver essa facilidade de deslocamento.
* * *
Tão logo o horário de visitas foi liberado, lá estava eu aguardando na sala de espera. Naquela Segunda-Feira eu sabia que encontraria o pai já mais acordado, mais falante. Havia me comunicado por telefone com a Mili, que passar ao final de semana na capital e havia recebido algumas notícias que me animaram um pouco mais. Ele vinha evoluindo dentro da normalidade, embora os exames não mostrassem reação do fígado . Já estávamos no sétimo dia após a cirurgia. Se as estatísticas do Dr. Sílvio estivessem corretas, restavam menos de 30% de chances de sobrevida para ele. Mas a informação de que havia registro de alguns pacientes com idêntico problema que reagiram positivamente após o 10º dia nos deixava confiantes e esperançosos.
Entrei.
A CTI tinha 4 leitos, todos ocupados. O pai estava no primeiro. Era monitorado por diversos aparelhos, que produziam aqueles sons característicos de uma CTI. No visor, 110 batimentos por minuto. Respiração normal. Ele estava dormindo, aparentemente. Me aproximei e chamei por ele. Uma, duas vezes. Os olhos se abriram lentamente e ele me olhou. Sorriu ao me reconhecer. Me emocionei na hora e tive que engolir a seco para conter um choro que naquele momento seria altamente inconveniente.
- E então, véio??? Como você está? – perguntei com a voz um pouco embargada.
- Bem! (ele jamais disse que não estava bem) – só um pouco sonolento...
- Alguma dor?
- Nada. Não sinto nada. Só sono.
A letargia era característica do quadro de insuficiência hepática. Sem um bom funcionamento, o fígado produz pouca energia, dando preferência à recomposição dos tecidos lesados e à manutenção geral do organismo. Mesmo assim ele conversava bem.
E foi aí que sai-se com uma estranha conversa...
- Ontem à noite deu um “ba-fa-fá” aqui...
- É mesmo, pai? O que houve?
- Olha, eu até nem sei direito, mas acho que envolve uma enfermeira. Entrou um cara aqui, armado, procurando por ela...depois veio um cara da polícia...
(o pai falava baixinho, como não querendo ser escutado, e gesticulava pra que eu dissimulasse como se não estivesse prestando atenção ao que dizia)...
- Aí veio alguém – continuou- e levou o cara preso...Mas acho que isso não fica assim... vai da problema...
Ouvi atentamente o relato dele, mas como me interessava mais o seu estado de saúde, não dei muita bola para o que dizia. De qualquer forma, pensei, trata-se de um problema interno do Hospital e é ele quem vai ter que resolver. Se alguma enfermeira estiver envolvida em algum crime ou coisa parecida, o HCPA saberá tomar as medidas cabíveis.
Mudamos de assunto.
Contei-lhe algumas notícias de Paim Filho, dos seus amigos, da família. Falei da farmácia, dos negócios, do quanto seus amigos ansiavam pela sua recuperação. Ele mostrou-se satisfeito e logo chamou pela mãe, que aguardava na sala de espera.
Aliás, vale aqui uma palavra sobre a mãe. Ela não desgrudou dele. Tentamos durante muito tempo “tirá-la” um pouco de Porto Alegre, para que descansasse, mas nada fazia com que ela se separasse do pai. Não aceitava quando tentávamos conscientizá-la da gravidade do problema dele. Não aceitava quando tentávamos prepará-la para um possível desfecho ruim do caso do pai. Nada. Na sua cabeça estava fixa a idéia de que o pai iria se recuperar, que retomariam a vida normal e que tudo não passaria de um pesadelo, que seria apagado pela roda do tempo. Manteve-se firme, habitando o albergue, durante 30 dias ininterruptos. A única exceção foi um domingo em que a Mili conseguiu levá-la para Bento, mas teve que trazer ela de volta em seguida. De fato, uma mulher obstinada, que em momento algum desacreditou da recuperação do marido e que ficaria ao seu lado até os últimos momentos, acreditando ainda em sua recuperação.

sábado, 14 de novembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXV

PRIMEIRO DIA NO HCPA...


De qualquer forma, estávamos todos mais tranqüilos com a transferência do pai para o Hospital de Clínicas, já que isso estancava aquela “sangria financeira” que começava a ocorrer no Moinhos de Vento. Quase R$ 30.000,00 em 5 dias. Não sei o que teria sido de nós se eu não houvesse obtido sucesso naquela verdadeira odisséia do dia anterior. Sabe-se lá onde poderia bater essa cifra. Seria impagável, com certeza. Nos momentos de maior desespero eu ficava imaginando a gente vendendo a casa, a farmácia do pai, a minha casa... Mas a obstinação valeu a pena. Agora poderíamos acompanhar melhor a esperada recuperação dele, com esse único foco, sem aquela tensão nervosa que nos acompanhava antes.
Como pagar a despesa no outro hospital seria mais um desafio. Foi preciso juntar todas as economias que eu tinha e que estavam reservadas para a faculdade da Cris, mais todo o adiantamento de minhas férias que começariam no início de Fevereiro e ainda obter um empréstimo com a minha cunhada Neli, de mais de R$ 12.000,00. E ainda havia o pagamento dos médicos, que eu nem sabia quanto iriam cobrar. Daria um jeito. Naquela manhã de Sábado o que eu mais queria era ir até o Hospital de Clínicas, subir até o 13° andar e encontrar o pai mais acordado, pra poder bater um papo com ele. E assim foi. Chegamos todos ao HC e aguardamos pacientemente a autorização para visitarmos a CTI, revezando-nos de acordo com as normas do hospital.
Quando chegou minha vez, estava ansioso. Lembro que entrei apressado naquela ala e de cara já pude observar que o pai estava acordado, embora um pouco sonolento. Ainda não foi possível conversar muito com ele. Perguntei como estava, se sentia dor, se lembrava de algo da cirurgia. Ao mesmo tempo, corria o olho pelos aparelhos, tentando entender um pouco de seu estado, das perspectivas de recuperação. A monitoração cardíaca apontava uma freqüência de mais de 115 batidas por minuto, mas já menos do que nos dias anteriores, em que passava de 130. Dos dois lados da cama, havia recipientes com líquidos que saiam de cateteres enfiados em seu corpo. Uma sonda atravessava seu nariz e descia até o estômago, por onde era alimentado com preparados especiais. Era um paciente de UTI, tentando se recuperar. Fiquei alguns minutos e saí, não sem antes dar-lhe um beijo na testa, para deixar que a mãe e meus irmãos também pudessem visitá-lo. Ele parecia tranqüilo, não se queixava de nada. Notava-se que ainda estava um pouco confuso e não lembrava de quase nada do que acontecera a partir da cirurgia.
À noite, viajei de volta para São José do Ouro. Havia ficado a semana toda fora. A Neu e as meninas ansiavam por notícias e queriam que eu voltasse pra ficar o final de semana com elas. Na segunda-feira começavam as minhas férias e já estava decidido: naquele ano ninguém viajaria. Primeiro, porque não haveria dinheiro para viajar e, segundo, porque eu dedicaria minhas férias ao pai, ficando em Porto Alegre. A família concordou de pronto. Todos entendiam muito bem aquele momento.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXIV


NUM HOSPITAL PÚBLICO, FINALMENTE



O Dr. Sílvio chegou por volta das 19 horas. Estávamos no hospital o Digo e eu. O pai continuava na mesma. Sonolento, semi-consciente, seus exames mostrando um fígado inerte, sem muita perspectiva de recuperação. Conversamos com o médico enquanto ele providenciava o laudo e as enfermeiras preparavam o pai para o transporte pela ambulância. Já era o 5º dia depois da cirurgia. Se aquela fria estatística que o Dr. Sílvio insistia em considerar estivesse de fato correta, as chances de recuperação do pai caíam drasticamente para menos de 50%. Para mim e para o Digo, já restavam poucas esperanças. Era visível que aquele corpo havia sido demasiadamente agredido, primeiro pela ingestão continuada de bebida alcoólica acima do aceitável ao longo de décadas e agora pela supressão de 60% de um órgão vital antes já comprometido por uma cirrose, ainda que incipiente, mas sempre uma cirrose. Nas palavras do médico, notava-se um ar de decepção, estampada no laudo de transferência, que ainda guardo comigo. Mas falava com cautela. E pude captar entre suas explicações um respingo de esperança, que até me animou um pouco: havia casos documentados de pacientes nessas condições que se recuperaram a partir do décimo dia da cirurgia. Quem sabe?
* * *
Por volta das 20 horas tudo estava pronto. Assinamos alguns documentos, combinamos com o hospital que no dia seguinte viríamos para acertar a dívida e nos dirigimos ao leito do pai para acompanhar a transferência dele. Foi colocado em uma maca e sobre uma cama especial que o conduziria até a ambulância. No Hospital de Clínicas um leito o esperava, na UTI do 13º andar. Entrementes, a cena que vimos foi estarrecedora. Havia no ar uma sensação ruim, diferente, nem sei explicar direito. Quando o pai saiu finalmente da cabine em que se encontrava, estava de olhos abertos, fitando o teto. Havia um emaranhado de tubos, fios, cateteres e aparelhos de monitoração sobre ele.Do canto de sua boca descia um filete de sangue vivo. Era, com certeza, fruto da movimentação da sonda que atravessava seu nariz, mas nos causou uma impressão de que ele caminhava realmente para o fim. Embora ainda bastante sonolento, olhou para mim e para o Digo como se não entendesse o que acontecia. Mas nos reconheceu, com certeza. E enquanto os enfermeiros o conduziam até a ambulância, mantive uma mão sobre sua testa, enquanto o Digo segurava a sua mão. Difícil descrever o que sentíamos. Era mesmo uma sensação tétrica. Não parecia real. Era como se de repente tivéssemos atravessado alguma porta para outra dimensão. Acompanhávamos toda a movimentação sem entender muito bem qual seria o próximo passo, obedecendo a todas as instruções que ouvíamos da equipe que nos acompanhava. Era tudo feito de forma automática, sem raciocinar. Eu lembro que não sentia fome, nem sede, nada. Eu só tinha o pensamento fixo de ver o pai acomodado no outro hospital. Depois, que acontecesse o que fosse para acontecer. Deus saberia o que era melhor naquele momento.
E foi assim que chegamos ao Clínicas.
Fomos recebidos por um tal Dr. Paulo Ricardo, que me chamou a uma sala para preencher outra leva de documentos. Assinei um termo de responsabilidade, enquanto pai era conduzido ao seu leito na UTI.
Subi, então, ao décimo terceiro andar, junto com o médico, que me conduziu até a UTI.
O pai estava lá, os últimos preparativos para a continuidade do tratamento.
Havia um médico perto dele, que me chamou para o lado. “Más notícias”, pensei comigo. Mas não, ao contrário. Eis o que ouvi: “ Bem, o seu pai fez uma cirurgia de grande extensão, retirou parte significativa de um órgão vital. Vem apresentando uma insuficiência hepática, mas que ainda não é tão grave, é controlável. Vamos medicá-lo e aguardar. Esse tipo de cirurgia é assim mesmo. É preciso dar tempo ao organismo para se readaptar a essa nova condição. Embora precariamente, o fígado dele ainda funciona e deve se regenerar aos poucos. Não sabemos quanto, mas vai se regenerar, devolvendo-lhe gradativamente a função hepática. Teremos que ter paciência, muita calma. Vamos alcançar a ele tudo o que dispomos para a sua recuperação...”
Foram palavras alentadoras, finalmente. Suspirei e voltei-me para o leito, enquanto o Doutor se despedia. Naquele instante minhas expectativas haviam mudado. O pai estava com os olhos bem abertos e me olhava. Me aproximei e perguntei como ele estava. “Com sono”, respondeu. “Descanse, então, pai. Eu e o Digo vamos pra casa agora, já são mais de 10 horas da noite. Amanhã de manhã vamos estar aqui e queremos que você já esteja em condições de a gente bater um papo, ok?”. “Ta bom”, ele respondeu. “Deixa eu descansar. Dá um beijo na mãe”.
Estava mais consciente. Acho que a movimentação toda, o transporte, o deixaram mais acordado.
Havia muito que conversar. Eu precisava lembrá-lo que ainda no hospital Moinhos de Vento, em uma das visitas, o vi murmurando alguma coisa e aproximei meu ouvido de sua boca. E foi emocionante o que ouvi: “...se eu tiver essa chance, não quero outra...” Como se conversasse com Deus, de olhos fechados, com uma voz muito fraca.
Que ele pudesse conversar. Era o que eu desejava para aquele sábado que estava por vir.
Deixamos o hospital depois das 22 horas. Tivemos que tomar um táxi até o albergue. E só então senti um pouco de fome, quando a adrenalina finalmente baixou. Repassamos todo acontecido para a mãe, enquanto tomávamos um café com pão e mortadela na mesa coletiva. Estávamos sozinhos. Os demais “hóspedes” já dormiam. A mãe ouviu atentamente tudo o que contamos e se mostrou um tanto mais aliviada quando soube que tudo havia dado certo e que o médico do Clínicas nos havia deixado um pouco mais otimistas.
Era tarde e precisávamos dormir.
Extremamente cansados, mal sabíamos que aquele Sábado que se avizinhava seria o primeiro de tantos mais que passaríamos em Porto Alegre dali para frente esperando a recuperação do pai.

domingo, 18 de outubro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXIII

UM OBJETIVO, UMA VITÓRIA!

Sexta-Feira, 27 de Janeiro de 2006.
Sem dormir a noite toda, o normal seria que eu me encontrasse mal humorado, cansado, letárgico até.
No entanto, às 6 horas da manhã a minha adrenalina já estava alta e não consegui sequer tomar uma xícara do café cuidadosamente preparado pela mãe, que também havia acordado muito cedo. Tanto ela quanto meus irmãos agora estavam cientes de que aquele dia seria decisivo para o destina não só do pai como da família, de certa forma. Era o dia em que eu tentaria, de todas as formas, transferir o meu pai de um hospital particular, que gerava uma despesa que crescia em progressão geométrica para um hospital público, com atendimento pelo SUS- no caso, o Hospital de Clínicas. O ceticismo da secretária do Moinhos de Vento, que achara quase impossível que eu conseguisse a proeza de obter a transferência já naquela Sexta-Feira não me abateu. Parecia que eu estava tomado por alguma força diferente, nem sei explicar. Eu conversava com a mãe e com os irmãos, mas meu pensamento estava fixo, obsessivamente focado na tarefa que me aguardava naquele que ficaria para mim marcado como “o mais longo dos dias”.
Primeiro, tratei de partir com a primeira van da manhã, que sairia por volta das 7 horas. Sabia que o horário de visitas começava bem mais tarde, mas não era aquele o meu propósito. Eu precisava chegar cedo e me munir de informações na secretaria do hospital para depois iniciar minha série de contatos com amigos, políticos e colegas de Banco, visando concretizar o meu objetivo. Além de contar com a ajuda do Dr.Sílvio, claro. Sem o aval dele, sequer poderíamos iniciar as tratativas para tal.
E foi por ele que comecei, logo cedo. Sabia que os médicos costumam acordar muito cedo. E mal bateu o sinal das 7:30 quando fiz o primeiro contato. Dado o sinal verde para iniciar a odisséia, parti para aquilo a que eu havia me preparado: convencer um sem-número de amigos e conhecidos da necessidade de transferir o doente a qualquer custo naquele dia, naquela Sexta-Feira, porque caso contrário passaríamos mais um final de semana de angústia, acompanhando uma recuperação duvidosa do pai e uma conta de hospital que rumava para o impagável. Às 9 horas da manhã eu já tinha, então, ligado para a Fundação Banrisul, para deputados de diversos partidos, para amigos, para colegas de Banco. Quando abriu o horário de visitas, a mãe e os meus irmãos já estavam no hospital. Fui com eles até a sala de espera da UTI e fiz uma visita ao leito do pai, onde pude constatar que a situação era exatamente igual. O boletim divulgado logo em seguida repetia o mesmo que se vira desde a cirurgia: “inspira cuidados”. Ou seja: nenhuma reação, nenhuma tendência, nada. Ele simplesmente não reagia. Confesso que naquele momento nem isso me abalava. A minha determinação era transferi-lo dali, parar com a “sangria financeira” e só depois pensar no que fazer. Era isso que me dominava. Acho que agi como uma criança autista, que por sua condição concentra-se em algo de tal forma que aquilo passa a ser seu mundo, deixando até de atender aos estímulos externos. Era assim que eu me sentia. E segui adiante.
O problema residia novamente em obter uma vaga, um leito, no Hospital de Clínicas. E só havia um jeito: recorrer à central de leitos, coordenada pelo governo estadual. E de que forma, se provavelmente a demanda era muito superior aos leitos disponíveis no HC? Infelizmente, da única maneira possível nesse país injusto: com pressão, muita pressão. Passei então a contar com a ajuda de dois amigos influentes dentro da assembléia legislativa, aos quais serei eternamente grato, mas cujos nomes me permito omitir por razões óbvias. Esses amigos passaram o dia em contato comigo, intercalando ligações e acompanhando um processo interno que ajudaram a abrir junto à central de leitos. Por volta das 10 horas da manhã sentei-me num banco de pedra no pátio frontal do Hospital Moinhos de Vento e passei a usar continuamente o meu celular, a ponto de senti-lo esquentar junto ao ouvido. Em intervalos que não duravam mais do que 5 minutos, recebia ligações de todos os lados. Era um bombardeio de pedidos de informação, familiares ligando, amigos ansiosos por notícias, colegas de Banco preocupados comigo e com o pai...´
As notícias não pareciam boas. Estava difícil conseguir o tal leito. O empenho dos meus dois contatos da assembléia parecia não ser suficiente. Estávamos mexendo com uma estrutura toda preparada para funcionar de acordo com as necessidades apontadas pelos médicos e hospitais credenciados. Era preciso colocar o Dr.Sílvio em contato com autoridades para explicar o quadro de gravidade do caso do pai e convencê-los de que a nossa família não tinha as mínimas condições financeiras para mantê-lo num hospital da categoria do Moinhos de Vento. E mais, convencê-los do porquê de termos recorrido a um hospital particular se de fato não tínhamos tais condições. Convenhamos, explicar que o tínhamos feito na expectativa de gastar “apenas r$ 17.000,00” não era tarefa fácil. E minha missão, naquele momento, era fazer um “meio-de-campo” entre todas as partes envolvidas.
Eram quase 15 horas e as coisas não andavam. Me dei conta de que não havia tomado café-da-manhã, nem havia almoçado. Não tinha sentido fome nem sede até então. A adrenalina era tanta que meu corpo sequer se dava conta das necessidades básicas. De fato, eu não parava. A eu continuava com os contatos, sem me dar conta que as outras pessoas precisavam ter almoçado. Acho que liguei para vários celulares no horário do meio-dia, sem me dar conta de estar sendo inoportuno. Vejam o estado mental em que eu me encontrava em razão da obsessão em resolver aquele problema naquele dia.
Às 5 da tarde o Digo chegou ao hospital, sozinho. E passou a acompanhar o drama.
Então, eis que após um dia inteiro de negociações, recebi um telefonema da assembléia legislativa: haviam conseguido o leito. Dá pra imaginar como me senti? Me contive para não começar a chorar do lado do meu irmão. Era mais uma vitória entre tantos desafios que haviam surgido nesse doloroso drama que vivíamos. Agora, era só avisar o Dr. Sílvio para que viesse até o hospital para preparar o laudo e providenciar a transferência.
Tive ainda uma dificuldade adicional, pois demorei a localizar o Dr. Sílvio. Cheguei a ficar nervoso por alguns momentos, porque seu celular teimava em não atender e eu começava a imaginar “só faltava essa: sofrer tanto para obter um leito no HC e agora não localizar o médico para providenciar o laudo”... Mas deu tudo certo. De repente o celular dele atendeu e ele prontamente correu para o hospital. Faltava um último detalhe: a ambulância. Teria que contratar uma. Particular, claro. Fui até a Secretaria do Hospital e pedi que me indicassem alguns serviços, ao mesmo tempo em que comuniquei que havíamos obtido um leito em outro hospital e que o pai seria transferido. Podiam providenciar os papéis de transferência. Quiseram falar com o Dr. Sílvio para confirmar. Passei-lhes o celular dele e conversaram. Naquelas alturas eu já me sentia tão seguro que contratei os serviços de uma ambulância. Cobraram os olhos da cara para transportar o pai para poucas quadras dali. Mas valeu a pena. Ah, como valeu! Quando veio a conta do celular, no mês seguinte, ficou estampado o que fora aquele dia para mim. Tenho a conta guardada em meio a outros tantos papéis remanescentes da internação pai. E se alguém duvidar e posso mostrar: 06 páginas de ligações, mais de R$ 600,00 gastos num único dia. A bateria do aparelho, que não tinha mais de 30 dias, teve que ser recarregada à noite.
Hoje, uma das imagens mais marcantes que tenho daquela Sexta-Feira é daquele banco de pedra onde fiquei sentado por quase 12 horas, com o pensamento fixo num objetivo. Alcançado, enfim. As outras imagens daquele dia, mais tristes, eu narro adiante...

domingo, 11 de outubro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI

PARTE XXII

SURPRESA DESAGRADÁVEL (MAIS UMA VEZ)

Nos dois dias seguintes, a rotina se manteve. Acordávamos por volta das 7 horas, a mãe preparava um café naquelas mesas coletivas e depois aguardávamos o momento em que a van fretada pelo albergue nos levaria até o hospital. O pai não reagia. Ao contrário, a função hepática dele estava cada vez pior. Os exames diários apontavam uma diminuição gradual da atividade do fígado. O Dr. Sílvio visitava o pai todos os dias e suas informações eram terrivelmente desanimadoras. A cada dia que passava, as chances de que o fígado dele reagisse ficavam mais distantes. Os amigos me ligavam a todo momento, assim como os parentes. Todo mundo ansiava por notícias, mas o que podíamos dizer é que ele estava na fase de recuperação e que o prognóstico era complicado. Existe um exame que é considerado básico para avaliar a condição do fígado. É o TP (tempo de protrombina). Esse exame tem o seguinte parâmetro: em uma pessoa com fígado normal uma amostra de sangue deve coagular 100% no período de 12 segundos. No caso do pai, coagulava 29%. Grosso modo, significava que o fígado dele estava com menos de 30% de atividade. E a cada dia que passava suas chances seriam menores. O Dr. Sílvio trabalhava com dados estatísticos. E sua experiência na área indicava que se não houvesse algum sinal de reação até o décimo dia após a cirurgia, o fígado caminharia para a deterioração, levando à morte do paciente, inevitavelmente. Passamos a trabalhar com essa hipótese, mesmo que a esperança nos mantivesse otimistas. Para a mãe não adiantava falar nada disso. Ela não admitia a menor possibilidade de que o pai não se recuperasse. Para ela era simples questão de tempo para o pai levantar daquela cama e retomar sua melhor forma. Até hoje não sabemos se ela tinha realmente essa expectativa ou se fazia de conta que não sabia da real gravidade do caso para não “nos desanimar”. Ou mesmo se sua condição de esposa e companheira de mais de 40 anos proporcionava-lhe uma espécie de sexto sentido onde o horizonte se mostrasse diferente daquele traçado pelos médicos.
Como eu disse, as pessoas ansiavam por notícias. Eu recebia ligações a cada 5 ou 10 minutos. Eram colegas de Banco, familiares, amigos de Paim Filho. Em Paim, aliás, continuava aquele estado de comoção geral. Os amigos faziam orações e até missas foram rezadas em prol da saúde do pai. Ele era muito querido na cidade. Nunca conheci ninguém que tivesse qualquer sentimento negativo em relação a ele. Era uma figura adorada por todos, sem dúvida.
E assim foi até a quinta-feira.
Esse dia foi fatídico.
Foi o dia em que decidi descer até a tesouraria do hospital para acompanhar a despesa que fora gerada até então com a internação do pai. O orçamento do Dr. Sílvio era de r$ 17.000,00, incluindo "um dia de UTI e mais 5 dias de quarto", (isso numa condição normal), além dos trabalhos da equipe de cirurgia. Para nós, uma pequena fortuna. Só que havia um problema: o caso dele não se enquadrava como "condição normal", em função da cirrose descoberta na cirurgia: haviam se passado 4 dias e o pai continuava na UTI. Fiquei imaginando quanto a mais já teria dado em despesas. Imaginei que já houvéssemos chegado a uns r$ 15.000,00 e que fatalmente passaríamos daquele orçamento inicial. E eu estava certo. Quando recebi o resumo emitido pela tesoureira do hospital, senti um calor envolvendo meu corpo e comecei a suar frio. Não desmaiei, mas acho que cheguei perto: aqueles quatro dias na UTI já havia gerado uma dívida com o Moinhos de Vento da ordem de r$ 29.000,00. Isso mesmo: praticamente o dobro do previsto, em metade do tempo esperado. Meu Deus! Por um momento o chão pareceu fugir de meus pés. Um filme passou pela minha cabeça. Não tínhamos esse dinheiro. Nunca fomos uma família de posses, não tínhamos acumulado patrimônio para bancar uma despesa desse porte. Já havia sido difícil fechar o acordo com o Dr. Sílvio pela metade disso. E agora nos apresentavam uma conta desse tamanho...e o pai ainda lá...Meu Deus! Fiz rapidamente as contas e foi fácil concluir que cada dia no hospital estava custando cerca de r$ 7.500,00. De onde tiraríamos dinheiro para pagar essa dívida? E ainda por cima não havia previsão para que o pai tivesse alta – longe isso. E se ele tivesse que ficar ainda por vários dias nessa condição? Fiquei olhando fixamente para a secretária, que percebeu meu estado de aflição.
- Moça, nós não temos esse dinheiro... – falei já com a voz meio trêmula.
- Bem, você me pediu uma posição das despesas até o momento. É isso que está aí. Vocês não tem plano de saúde, Unimed, por exemplo?
- Temos, mas é uma UNIMED regional. Não temos como pagar. Temos que providenciar a transferência dele para o SUS. Urgente.
- Só que o Hospital Moinhos de Vento não atende pelo SUS...
Claro que não. Senão teríamos vindo aqui desde o início, pensei. E agora, o que fazer? E se o pai ficasse mais 10 dias no hospital? Em vez de 29.000,00 seria mais de 100.000,00. Nem vendendo tudo o que o pai tinha conseguiríamos uma fortuna dessas. Sim, cem mil reais, para nós, era uma fortuna. O que fazer? O que fazer?
Só havia uma saída, ligar pro Dr. Sílvio e tentar a remoção dele para outro hospital.
- Mas isso é muito difícil – interveio a secretária. – Achar uma vaga pelo SUS no Hospital de Clínicas, na Santa Casa... é coisa que não se consegue da noite pro dia...
Eu sabia disso. Mas não havia saída. Tinha que ser feito, de qualquer maneira.
Não sei se meus irmãos e minha mãe tiveram naquele momento a exata noção do que estava acontecendo. Todos os nossos pensamentos estavam voltados para o pai, para sua situação complicada, para as perspectivas nada animadoras, pela esperança diária de que iniciasse alguma recuperação. Todos nós deveríamos estar focados somente nisso.
Só que eu não. Eu, naquele momento, não tinha sequer o direito de “curtir” esse drama e me focar somente nele. Tinha um agravante: agora eu iniciaria uma corrida contra o tempo para evitar o colapso definitivo da família. Naquele momento era muito séria a possibilidade de perdermos não apenas o nosso pai, mas, além disso, de perdermos o que nos restava de nossa já precária condição financeira. Juro que visualizei no horizonte a nossa família toda na miséria, sem exagero. E me vi vendendo o carro, vendendo a casa e a farmácia do pai, vendendo a nossa casinha de 80m2 (em sociedade com o Nando), tudo... E era algo real, não era nenhum devaneio de alguém apavorado. Se não tirasse o pai daquele hospital no dia seguinte, quando a despesa já ultrapassaria os r$ 35.000,00, esse exercício trágico de futurologia estaria começando a se concretizar. Amanhã era Sexta-Feira. No Sábado, tudo fecha, inclusive as casas legislativas, os governos – que é com quem eu pensava em contar. E então, tudo ficaria para Segunda-Feira. E em quanto estaria a despesa até lá?
Confesso que jamais em toda a minha vida eu havia passado por tamanha descarga de adrenalina, por tamanho stress. De um lado, vendo meu pai daquele jeito, caminhando vagarosamente para a morte e de outro vendo acontecer uma inevitável despesa, que se destinava a mantê-lo vivo, mas que nos levaria a uma situação de miserabilidade...
Nada mais eu enxerguei na minha frente a partir de então.
Voltamos ao albergue. Naquela noite eu não dormi. Foram pequenos cochilos entremeados por longos períodos de olhos esbugalhados mirando o teto do albergue e um cérebro que não descansava um minuto sequer, imaginando possíveis saídas para aquele terrível impasse. Eu contei os minutos para ver o primeiro raio de sol. Aquela sexta-feira ficaria marcada dentro de todo esse episódio. Posso me esquecer de tudo no futuro, mas jamais esquecerei aquela Sexta-Feira que estava por iniciar. Veremos por que.

sábado, 3 de outubro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXI

O DIA SEGUINTE

A notícia foi repassada a amigos e familiares tal qual recebida do Dr. Sílvio. Enfatizei as chances de 80% de sobrevivência dele, sem descuidar que todo mundo também ficasse informado dos riscos que corria.
De certa forma, acho que todo mundo recebeu a notícia com otimismo. Lembro de ter ligado ao Dr. Jorge, que participara da cirurgia e que já estava embarcando na viagem de volta, e ter ouvido dele uma breve explicação sobre a cirurgia, acompanhada de uma mensagem otimista sobre o caso. Contei isso a todos que me questionaram a partir de então sobre o estado de saúde do pai.
Viajei naquela noite mesmo para a capital.
Cheguei às 5 da manhã, tomei um táxi e rumei para o albergue, onde encontraria a mãe, o Nando e o Digo. Não lembro se a Mili foi no mesmo dia, mas lembro de termos nos encontrado todos no Hospital Moinhos de Vento. Eu estava muito ansioso para vê-lo e nem consegui tomar o café que a mãe preparou cedinho numa daquelas mesas coletivas. Desta vez eu só voltaria quanto as coisas estivessem bem. Não estava em férias, mas havia ligado para meus superiores e obtido apoio e a licença para acompanhar o pai em Porto Alegre.
* * *
Paciente na UTI só pode receber visitas em alguns momentos do dia e por isso já sabíamos que deveríamos chegar ao hospital e esperar até que as visitas fossem liberadas. Era permitido a entrada de uma pessoa por vez. Chegamos cedo, com a Van fretada pelo albergue e ficamos todos na sala de espera. Eu não conhecia o hospital Moinhos de Vento. Me impressionou a qualidade das instalações, o asseio do ambiente, o acabamento da construção, a organização dos atendentes. Um hospital de primeiro mundo, pensei. E meu pai estava ali. Sendo atendido por uma estrutura dessa magnitude. Por um momento senti uma enorme segurança. Ora, se meu pai necessitava de uma cirurgia complexa, de alto risco, e estávamos num dos melhores hospitais do país, atendidos por médicos de alta categoria, as coisas tendiam a dar certo. E passei a acreditar firmemente que meu pai sairia daquela situação e ainda conviveria conosco durante muitos anos.
Por volta das 9 horas da manhã saía o boletim médico.
Eu e ao Nando descemos até a portaria e aguardamos até que fosse publicado o primeiro boletim do dia. Lemos naquele papel: “ Egídio Bernardo Arsego: inspira cuidados” . Normal. Já esperávamos que depois de uma cirurgia tão complexa, seu quadro fosse esse. Retornamos ao terceiro andar e peregrinamos pelos corredores até retornar à sala de espera da UTI. Enquanto aguardávamos, junto com dezenas de outras pessoas estranhas, ouvíamos aqueles sons característicos e assustadores de eletrocardiogramas, campainhas de aviso, aparelhos de monitoração cardíaca e pulmonar – coisas de UTI mesmo. E nosso pai estava lá dentro, numa daquelas camas, sem 60% do seu fígado, esperando que seu organismo reagisse. Era angustiante. Via-se claramente esse sentimento de angústia também na fisionomia das outras famílias que ali aguardavam o momento de poderem visitar seus familiares.
Quando finalmente foi permitido acessar a sala da UTI, instintivamente passei à frente de todos. Quando percebi, já tinha entrado, deixando para depois a visita da mãe, do Nando, do Digo, da Mili... Mas não havia outro jeito. Era muita apreensão. Eu precisava vê-lo. Eu tinha que me convencer de que ele estava vivo, de que tudo dera certo, de que todo aquele esforço dispendido havia valido, afinal.
Atravessei o corredor, observando como num relâmpago todos os pacientes que enfileiravam-se embrenhados entre dezenas de aparelhos de monitoração, fios, tubos de oxigênio, cateteres... O pai estava no último leito daquela ala. Dormia profundamente, com a boca entreaberta, uma sonda pelo nariz e dezenas de pequenos plugs grudados no peito. Tinha um catéter na artéria do pescoço, por onde entrava alguma espécie de soro e um dreno que descia de seu abdome até um coletor acoplado ao leito, por onde descia um líquido amarelado – certamente líquido que se formava após a cirurgia. Não era muito agradável de se ver aquela cena, mas confesso que esperava até algo pior, como vê-lo entubado ou cheio de esparadrapos pelo rosto. No entanto, seu rosto estava livre, seus aspecto até normal, bem corado.
Perguntei a uma enfermeira se podia acordá-lo. Ela respondeu que sim, mas que deveria falar bem alto, porque ele estava num estado de torpor, ficando difícil manter-se acordado.
Cheguei bem perto e chamei por ele.
- Pai...pai!...
Como não respondesse, coloquei minha boca mais próxima de seu ouvido e chamei novamente, com maior volume, ao mesmo tempo em que bati de leve com a mão em seu rosto.
Então ele abriu os olhos, com grande dificuldade, e olhou pra mim.
- Olá, véio! – pronunciei, com os olhos marejados e tomado pela emoção de percebê-lo vivo e em recuperação.
- Marco!
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ouvir meu nome. Nem sei explicar direito por quê. Acho que naquele momento eu apenas tive a confirmação de tudo o que eu esperava nesse episódio. Foi naquele instante, ao ver que estava ali, vivo, falando comigo, me reconhecendo, que eu tive a confirmação de que toda a iniciativa que eu tivera de tomar a frente, de buscar o tratamento, de dedicar os últimos 60 dias somente a ele, à busca da sua recuperação, foi ali que eu tive de fato a certeza de que tudo havia dado certo, independente dos desfecho, que eu confiava que seria bom.
Não consegui mais falar muita coisa.
- Você está bem, pai?
- Bem, filho, bem. – foi o que ouvi dele, com voz fraca e ar sonolento.
Seus olhos voltaram a se fechar e caiu em sono profundo novamente, em questão de segundos. Percebi que ele precisava descansar. Estava enfraquecido e sob efeito de forte medicação. Não adiantaria estender a visita, nem tentar conversar com ele naquele momento. Ele precisava de repouso. E havia mais gente que desejava vê-lo no dia seguinte ao da cirurgia. Dei-lhe um beijo na testa e me afastei do leito, indo em direção à saída. Um sentimento de alívio e outro de comoção me acompanhavam. Mas eu estava feliz naquele momento. E confiante, muito confiante.

sábado, 19 de setembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

parte XX


A CIRURGIA...E A SURPRESA DESAGRADÁVEL
Desnecessário discorrer sobre a tensão que antecedeu aquela Segunda-Feira. Nem lembro o que fizemos no dia 22 de Janeiro de 2006. Acho que almoçamos em São José do Ouro, com o celular funcionando direto, em contato com o Nando.
Na Segunda, de manhã, tive que ir trabalhar normalmente.
Imagine um gerente de Banco tendo que atender a seus clientes, dar andamento a pendências de crédito, responder às naturais cobranças pelo atingimento das metas e tendo seu cérebro martelado a todo momento pela angústia de esperar por notícias da cirurgia em andamento num hospital em Porto Alegre. Foram momentos complicados, tensos, extremamente estressantes.
Liguei várias vezes durante aquela manhã, mas as notícias que o Nando me passava eram simplesmente de que o pai estava em cirurgia e não havia previsão para o término dos procedimentos. Inicialmente havia uma expectativa de que a cirurgia durasse cerca de 8 horas, pela sua complexidade. O fígado é um órgão difícil de ser “trabalhado”. Passa por ele todo o sangue do organismo, num incessante trabalho de filtragem, que permite o funcionamento de todos os demais órgãos. Natural, portanto, que todas as precauções sejam tomadas no que tange à perda de sangue. E são evidentes os riscos de uma hemorragia incontrolável, fatal. Era uma cirurgia de risco, sem sombra de dúvida. Mas o Dr. Sílvio havia nos tranqüilizado. Era no hospital Moinhos de Vento que estava o único aparelho do Estado especial para cirurgias hepáticas, que permitia um controle muito preciso da inevitável perda de sangue.
As horas não passavam. Eu ligava a cada meia-hora para o Nando ansiando por novidades que não vinham. A Neu me ligava, ligavam as filhas, ligavam amigos, parentes, colegas de Banco. Aquele foi, definitivamente, um dia incomum na minha vida.
Às 17:30 horas, já em casa, recebi um telefonema do Nando.
- O pai saiu da cirurgia. Foi tudo bem. Só que o médico mencionou algum outro problema, que não sei explicar. Ligue pro Dr. Sílvio!
Que problema poderia ser? Bem, o que importava no momento é que o pai estava vivo e correra tudo bem na cirurgia. Uma sensação de alívio me levou a um suspiro profundo, enquanto a Neu, do meu lado, me abraçava com os olhos marejados. Ela tinha consciência do que representaria para mim o sucesso nessa cirurgia. Havia acompanhado todo o meu sofrimento nos dias que antecederam ao evento e sabia muito bem o porquê de eu ter perdido mais de 10 quilos nos últimos 60 dias. Ela tinha muito presente que eu me sentia responsável pela vida do pai naqueles momentos. E sabia, com certeza, o que representava para mim saber que tudo dera certo, que o pai poderia iniciar uma recuperação e, quem sabe, retomar sua rotina em poucos dias, livre de uma doença maligna.
Mas não seria assim.
Infelizmente, o destino nos reservava outra surpresa desagradável, que a princípio não compreendemos muito bem, mas que mais tarde revelaria toda sua importância no desfecho da vida do nosso pai.
Refeito da emoção, liguei para o Dr. Sílvio.
- E então, Dr Sílvio, sucesso na cirurgia?
- Felizmente sim, Marco. – respondeu - Tudo transcorreu melhor do que o esperado. A perda de sangue foi mínima e ele já se recupera na CTI. Porém...
(havia um porém)
-... tivemos uma surpresa ao iniciarmos a incisão no fígado dele...- continuou.
- Como assim, Dr. Sílvio? – questionei aflito.
- Olha, às vezes não há como detectar algumas situações. Nenhum exame prévio demonstrou isso, nem mesmo as tomografias realizadas...mas o teu pai apresentava o que chamamos de “cirrose micronodular”.
- Certo, mas o que isso significa, Dr. Sílvio?
- Significa, Marco, que teu pai apresentou um fígado cirrótico, não normal. Por pouco não desistimos da cirurgia, porque há algumas implicações nessa situação nova.
A esta altura minhas pernas já começavam a tremer, como da vez em que o Dr. Paulo Cavazzola confirmara a malignidade do tumor no fígado do pai.
O Dr. Sílvio continuou:
- Ocorre o seguinte: mesmo sendo uma cirrose incipiente, inicial, é bem provável que venha a atrapalhar a regeneração do fígado dele, que pode ficar bem abaixo do esperado.Agora é torcer para uma evolução boa nesse sentido, para que ele não venha a desenvolver uma insuficiência hepática. As chances de sobrevida, eu diria, diminuem uns 20% neste caso. Antes dessa situação, ele tinha 100% de chances de sobreviver e excelentes chances de não vir a desenvolver novos nódulos, ao menos num curto espaço de tempo. Seria uma cirurgia quase curativa. Agora, ficará uma incógnita.
- Mas, Dr Sílvio, - interrompi – ainda assim o Sr. nos dá uma probabilidade de 80%...
- Claro, Marco, o fígado é um órgão fantástico, com um poder de recuperação muito grande. No entanto, depende do nível de “agressão” ao tecido hepático. Tudo vai depender de o fígado dele reagir e iniciar uma regeneração...
- Há risco de não regenerar, Dr?
- Há. Infelizmente, há. A cirrose pode impedir a regeneração. Nesse caso, ele não sobreviveria, pois ficou com apenas 40% do órgão. Insuficiente para mantê-lo vivo. Mas não vamos nos precipitar. Ele foi levado para a CTI, está evoluindo normalmente. Os próximos dias serão decisivos. Quanto mais cedo notarmos uma reação da função hepática, maiores as chances de que ele se recupere bem. Eu diria o seguinte: de agora em diante, cada dia que passar sem que o fígado reaja positivamente, as chances de sobrevida dele diminuirão (estatisticamente) cerca de 10%...
Entendi. O pai corria risco. Essa era a realidade. A cirrose “escondida” pelos exames prévios poderia vir a ser a causa de uma possível não sobrevivência dele. A exposição da realidade “nua e crua” por parte do Dr. Sílvio tinha o claro objetivo de nos preparar para um inesperado desfecho, já que ele observara toda a esperança da família na recuperação do pai. Como médico, acreditava na recuperação dele, mas tinha obrigação de passar a algum familiar a realidade da situação. Obviamente, eu fora o escolhido, já que havia conduzido todo o processo até então. Novamente era eu o “paredão”- aquele que deveria receber e absorver todo o impacto da desagradável realidade, para depois, com serenidade, repassar aos familiares e amigos.
Minha missão estava longe de terminar.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XIX

RUMO AO HOSPITAL MOINHOS DE VENTO...

No Sábado, como previsto, fomos todos à Santa Casa. Conversamos com o pai, que àquela altura já não esboçava a menor reação quanto ao que havíamos decidido. Era o cansaço físico e o sofrimento psicológico que falavam mais alto. Ele sabia de todos os nossos esforços em vão tentando fazer com que a cirurgia fosse realizada. Sabia de todos os contatos com deputados, secretários, políticos, médicos. Sabia da legião de amigos e colegas de Banco que me ligavam diariamente indignados com a situação. Sabia também que seus amigos já compartilhavam de sua angústia pela demora no início do tratamento. E, principalmente, sabia que sua doença era grave e avançava, mesmo que lentamente, como informavam os médicos. Era impossível esperar mais tempo.
Lembro que quando procuramos o chefe do setor e informamos da decisão de pedir a alta do pai sob nossa responsabilidade, ouvimos dele que estávamos “botando os pés pelas mãos”, insinuando que fazíamos a coisa errada. Discordamos dele. Talvez a “coisa errada” tivesse sido a de confiar que seríamos beneficiados pelo SUS. Ignorar tudo o que se fala a respeito da saúde no Brasil, achando que os problemas só acontecem “com os outros”. Achar que conosco seria diferente. Essa foi a “coisa errada” que fizemos: tentar beneficiar-se de um direito que deveria ser sagrado para todos os contribuintes que recolhem fortunas em impostos durante uma vida inteira e depois penam para conseguir um leito no hospital no primeiro problema grave de saúde que enfrentam. Sim, erramos feio ao incentivar o pai a pagar quase um salário mínimo por mês para um plano de saúde regional da UNIMED durante mais de dez anos e achar que quando nossos pais precisassem dele seriam prontamente beneficiados. Mas agora não. Agora era a mais acertada de todas as decisões. Por mais que nos tentassem explicar a razão de tanta demora, por mais que tentassem expor a situação da Santa Casa e suas normas internas de funcionamento, soava incompreensível deixar um paciente grave deitado em um leito por mais de 20 dias à espera de uma cirurgia, passando quase que diariamente pelos preparativos, recebendo inclusive a medicação necessária, sem que a mesma se concretizasse. Agora, já entendíamos ser uma questão de respeito com os próprios sentimentos do pai e da família. Era mesmo decisão tomada. Assim, assinamos todos os documentos, autorizações, declarações e “o escambau” que nos apresentaram e, sob nossa responsabilidade, tiramos o pai daquele hospital. As enfermeiras finalmente arrancaram-lhe o cateter que mantinham a 20 dias grudado em seu pescoço, além da agulha encravada em seu antebraço e despediram-se dele, desejando-nos melhor sorte na nova investida que faríamos, no Moinhos de Vento. O mesmo fizeram os responsáveis por aquela ala quando nos despedimos. Creio que até eles entenderam o que fazíamos. Quando me despedi do chefe do setor, pedi desculpas educadamente e ouvi dele um “não tem do que se desculpar, amigo, pois talvez eu estivesse tomando a mesma atitude se fosse meu pai...” E fiquei feliz ao ouvir isso, porque outra vez tive certeza de que a decisão era correta.
Apesar de tudo, nenhuma mágoa da Santa Casa.
Enquanto pai esteve lá, foi tratado da melhor maneira possível. Sempre brincalhão, o pai agradava as enfermeiras, e elas gostavam dele como paciente. Nunca reclamava, aceitava serenamente todos os procedimentos, submetia-se resignado a tudo o que fosse necessário. A verdade é que fomos muito bem tratados por todos e nada restou a reclamar senão da demora na realização da cirurgia. E mesmo assim temos consciência de que apenas estávamos sendo mais uma vítima de um sistema de saúde pública ineficiente no país em que mais se arrecada impostos no planeta. Não era culpa da Santa Casa, nem de seu corpo clínico. De qualquer modo, a experiência serviu para que víssemos mais de perto o que acontece com a saúde dos que, sem recursos, apelam para a saúde pública. Sem dúvida, saímos de lá mais conscientes disso.
E saímos contentes do hospital. O pai exibia um discreto sorriso e passava-nos a sensação de estar aliviado, mesmo com tudo o que estava acontecendo com ele. Visivelmente não estava confortável na Santa Casa. Não pelo atendimento, repito, mas pela demora.
Nos dirigimos até o albergue. A mãe preparou um almoço simples. Nem lembro o que comemos. Mas depois de quase um mês voltamos a almoçar todos juntos. E conversamos, e rimos, e fizemos piada de algumas situações vivenciadas até então. Por um momento pareceu que não estávamos ali por motivo de doença, mas sim para um almoço em família. Num albergue em Porto Alegre. Mas ainda um almoço em família.
Tenho fotos do pai naquele dia, no meu celular. De repente ele pareceu voltar ao normal. Alegre, conversou bastante, brincou, sorriu. Seu rosto ainda cheio e de aspecto jovial nem de longe lembrava aquele moribundo que ficara deitado num leito da Santa Casa durante mais de 20 dias. Que saudade daquele dia. Foi a última vez que o vi daquele jeito. Depois da cirurgia, veremos adiante, seu aspecto mudaria para sempre.
Viajamos todos de volta pra casa naquele sábado, com a sensação de dever cumprido. Só o Nando e a mãe ficariam em Porto Alegre. Eram eles que acompanhariam o pai no hospital. Quanto a nós, aguardaríamos o desfecho do procedimento cirúrgico e viajaríamos a Porto Alegre novamente no dia seguinte. Acompanharíamos tudo à distância, torcendo pelo sucesso do tratamento. O Nando acabaria sendo nosso interlocutor. E assim foi.

sábado, 5 de setembro de 2009

RETORNANDO...


CONFORME PREVISTO...

QUASE 10 DIAS ESPERANDO PELA INSTALAÇÃO DE INTERNET NA NOVA RESIDÊNCIA!

AGORA SOMOS TAPEJARENSES (AO MENOS POR ALGUM TEMPO, ATÉ UMA NOVA TRANSFERÊNCIA...)

MAS FINALMENTE ESTAMOS RETORNANDO.

AGUARDEM!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

COM A MALA NA GARUPA...

AMIGOS (leitores e seguidores):

O blog ficará sem atualizações por alguns dias, tendo em vista a minha mudança para Tapejara, no dia 28/08. A instalação de internet, já contratada, talvez leve alguns dias para se concretizar, me deixando sem acesso. Mas é só por uns dias. Depois a gente volta!
Abraço a todos!

domingo, 16 de agosto de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XVIII


DIFÍCIL DECISÃO!...

E assim os dias foram passando, com a enfadonha repetição de expectativa seguida de frustração. E isso foi deixando o pai cada vez mais desanimado. No albergue, fazíamos um revezamento para acompanhar a mãe nos finais de semana. Aquele de nós que estava em férias permanecia durante a semana e retornava para sua cidade no sábado, enquanto outro fazia o contrário. Às vezes, no Sábado, nos encontrávamos todos em Porto Alegre. Era quando as visitas deviam agradar mais ao pai, que via todos à sua volta e sentia mais profundamente o carinho da família. Lembro que um dia, próximo do horário de almoço dele, perguntamos a uma enfermeira se havia alguma restrição alimentar durante essa baixa no hospital. Como a resposta foi negativa, descemos e procuramos uma lanchonete próxima ao hospital, onde lhe compramos um pastel (que ele adorava) e bananas, outra de suas preferências. Imagine-se a satisfação do homem, que vinha ingerindo só “comida de hospital” há mais de 15 dias...
Na semana seguinte, o Dr. Sílvio retornou de São Paulo. E não mostrou-se surpreso pela não realização da cirurgia até então. Parecia conhecer os meandros do funcionamento interno da Santa Casa, pela sua experiência. Embora jamais tenha feito qualquer comentário a respeito(até por questões éticas), ficou evidente que já discordava do longo atraso e divergia dos critérios que aquela ala do hospital havia definido na escolha das prioridades. Assim, passamos a falar mais em detalhes de uma possível cirurgia fora do SUS (particular). Aguardaríamos ainda até o final daquela semana. Se não houvesse definição, pensaríamos seriamente no assunto.
O problema é que o pai não aceitava. Embora todo o seu sofrimento e desconforto naquele leito, argumentava sempre que não tínhamos condições financeiras para fazer a cirurgia se não fosse daquela maneira e que agüentaria firme o quanto fosse necessário. Mas o fato é que nós não agüentávamos mais vê-lo naquela situação. Ademais, mesmo que os médicos insistissem que o crescimento daquele tipo de tumor era lento, pairavam dúvidas quanto a isso. E preocupava saber que demorávamos tanto a iniciar o tratamento de uma doença tão grave. E as pessoas “de fora” não entendíam o motivo da demora. A população de Paim Filho e os familiares já acompanhavam com mais detalhes a situação e muitos questionavam a nossa estratégia de levar o pai para a Capital, achando que talvez houvessem outros caminhos mais fáceis, que havíamos errado na decisão, que talvez devêssemos ter recorrido à Secretaria de Saúde Municipal, enfim, toda sorte de comentários, que me deixavam ainda mais nervoso, porque eu sabia que as decisões todas tinham sido tomadas por mim, e sobre mim recaía, portanto, toda a responsabilidade. E eu sabia que se algo desse errado eu seria muito cobrado. Mas eu não sou de desistir. Quem me conhece sabe que quando assumo alguma responsabilidade não sossego até atingir o objetivo, nem que para isso tenha que mudar várias vezes de estratégia. E era o caso naquele momento.
Na terça-feira nem se cogitou sobre a realização da cirurgia, mas na sexta-feira a informação que chegou era de que finalmente sairia. Todos atentos, aguardamos com ansiedade que o Digo nos ligasse confirmando que o pai havia sido levado para a sala de cirurgia. Por volta de 9 horas da manhã, já no Banco, como não recebesse qualquer retorno, decidi ligar. E mais uma vez tudo se repetiu. O pai havia recebido toda a medicação, as enfermeiras o haviam preparado psicologicamente, os familiares foram informados dos detalhes...e logo em seguida o anúncio de que houvera outro adiamento.
Foi a gota d’água.
Pedi para passar o telefone para o pai.
- Pai! Como você está?
- Estou simplesmente arrasado, filho – respondeu com voz chorosa...
Foi aí que eu fui tomado de um sentimento de indignação tal, que não mais importava ouvir dele que não aceitava ou que não queria... Naquele momento eu decidi que, custasse o que custasse, a cirurgia seria feita em outro hospital, com a participação do Dr. Sílvio, particular.
- Agora chega, pai! – falei mais alto ao telefone – chega de sofrimento! Estou viajando ao meio-dia para Porto Alegre e vamos tirar você amanhã desse hospital. Chega de SUS! Vamos fazer essa cirurgia de qualquer jeito. O Dr. Sílvio já me passou um orçamento e vamos dar um jeito...eu tenho algumas economias e se for preciso consigo dinheiro emprestado com a minha cunhada...mas chega de passar por isso...
Eu esperava ouvir uma negativa, mas pela primeira vez ouvi algo diferente de parte dele:
- Façam o que vocês acharem melhor, filho. Eu não estou agüentando mais essa situação.
Aí deu pra ter uma noção do seu esgotamento físico e psicológico.
Liguei para o Nando, que agora ia tirar férias também, liguei para a Mili, e combinamos de nos encontrar no albergue no dia seguinte. Iríamos até a Santa Casa, assinaríamos o que fosse necessário, e tiraríamos o pai daquele leito.
Liguei então para o Dr. Sílvio e informei da nossa decisão. Pedi que verificasse junto ao seu hospital todos os detalhes e desse um retorno quando possível.
Cerca de uma hora depois ele me ligou:
- Marco, tudo certo. Cirurgia marcada para Segunda-Feira, dia 23, no Moinhos de Vento.
Iria me passar outros detalhes no dia seguinte, quando chegássemos à capital. Definitivo, apenas que o pai deixaria a Santa Casa naquele Sábado. De qualquer maneira. Decisão tomada!

sábado, 8 de agosto de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XVII


MUDANÇA DE ESTRATÉGIA???


Em Paim Filho começavam a circular toda sorte de boatos. O pai era uma figura muito popular, daquelas que se confundem com a própria cidade. Tinha uma vida extremamente simples e pacata, mas era participativo, especialmente no âmbito religioso. Desde cedo fora incentivado a atuar como coroinha da Igreja, aos 18 anos ingressara na Ordem Terceira Franciscana e ao longo da vida integrou toda espécie de movimento católico. Era cursilhista e membro do coral da Igreja. Desde algum tempo antes de sua doença, a mãe e ele eram “tios” do CLJ, um movimento religioso que busca aproximar os jovens da igreja. Mas não era só nesse campo que atuava. Foi presidente do Círculo de Pais e Mestres, integrou o Conselho Municipal de Desportos, foi membro da diretoria do Grêmio Esportivo Cruzeiro. Sua atuação de maior destaque, no entanto, foi no Rotary Club de Paim Filho, onde exerceu todos os cargos de diretoria, tendo também ocupado em duas ocasiões a Presidência. Não bastasse tudo isso, era dotado de um coração extremamente bondoso. No Natal e na Páscoa costumava distribuir pequenos presentes na vila pobre da cidade. Por causa disso, já acumulava mais de uma dezena de afilhados de batismo. Nas vésperas de Natal (ficamos sabendo depois de sua morte) ele ía ao açougue do Centofante, comprava alguns quilos de carne e mandava cortar em pequenas porções, que distribuía na vila do Timbó aos mais necessitados, para propiciar-lhes o prazer de “comer carne ao menos no Natal”. Na farmácia, onde atuou até alguns dias antes de morrer, cansou de vender “fiado” aos doentes mais carentes, que não tinham condições de pagar pelo remédio e não raro jamais pagavam pela mercadoria. Incansável, não reclamava de acordar em muitas madrugadas e dirigir-se até a residência de algum doente que necessitasse de uma injeção ou mesmo de algum outro medicamento, onde quer que fosse chamado.
E tudo isso é verdade, não se trata de um simples elogio a alguém que já não está mais aqui. Ele era assim mesmo. E por tudo isso era adorado pela comunidade. Natural, portanto, que a comoção tomasse conta da cidade.
Como havia saído de circulação assim, tão repentinamente, e para tão longe, as especulações sobre o seu estado de saúde acabariam sendo inevitáveis. Da gravidade do caso, no entanto, pouca gente sabia. As informações apareciam desencontradas, até porque não fazíamos muita questão de divulgar, justamente para que não começassem a pipocar as “fofoquinhas” características das pequenas cidades. Quando algum amigo ligava, eu buscava passar todas as informações. Naquele momento, no entanto, o que era possível dizer é que ele tinha um tumor no fígado e que passaria por uma cirurgia. Não se sabia o prognóstico a partir daí. O Dr Sílvio havia nos dado uma estatística meio desanimadora: as chances de ele estar vivo em 3 anos seriam de 30% após a cirurgia. Mas eram números estatísticos. Para se chegar a essa média, alguns pacientes com o mesmo problema com certeza teriam vivido menos de um mês e outros mais de 10 anos...Queríamos crer que nosso pai pudesse figurar nesse último grupo.
O problema é que demorava muito a acontecer o início do tratamento – a cirurgia. Tudo passaria por ela. E repetia-se a mesma situação anterior. Voltamos todos para casa. Esperaríamos agora ser avisados da data certa do procedimento. Apenas o Rodrigo ficou lá com a mãe. Voltamos ao trabalho. Ligávamos para Porto Alegre várias vezes ao dia. De agora em diante, com ou sem o Dr.Sílvio, o pai poderia ser levado ao setor cirúrgico da Santa Casa a qualquer momento. Lembro que numa certa manhã, por volta da 6 horas, fui despertado por um telefonema. Do outro lado da linha falava com voz apreensiva o Roberto, aquele paciente que estava na cama ao lado do pai. “Olha, véio, - disse ele – acabaram de levar o teu pai para a sala de cirurgia”... Poxa, essa sim me pegara de surpresa. Saltei rápido da cama, avisei o Nando e a Mili, liguei para o Digo... Preparamo-nos para pegar o primeiro ônibus disponível e voltar para Porto Alegre. Cerca de uma hora depois, no entanto, um novo telefonema jogava outro balde de água fria em nós. O paciente Bernardo acabava de retornar ao seu leito. A UTI fora ocupada por um acidentado de trânsito... Novamente fui ao telefone e liguei para todos, informando que outra vez cirurgia fora adiada...
E assim os dias foram passando. Por mais de uma dezena de vezes o pai foi preparado para o procedimento cirúrgico, recebendo tranqüilizantes e toda a medicação específica, para depois ser informado do adiamento... Era torturante para ele. E muito incômodo para nós, que permanecíamos apreensivos e preocupados. Eu já começava a cogitar outras alternativas. Ligava para amigos influentes na esperança de que alguém pudesse intervir, ligava para colegas do Banco, para companheiros do Rotary e do Lions. Amigos tentavam me ajudar (sempre tem alguém que conhece um diretor do Hospital ), mas, tudo em vão. Já começava a passar pela minha cabeça desistir da Santa Casa e tentar outro hospital. O Dr. Sílvio havia ficado de fazer um orçamento para uma intervenção particular, caso a gente decidisse por isso. O problema é que a família não tinha recursos. Embora as pessoas pudessem pensar o contrário, pelo fato de o pai ser sócio da farmácia, nunca tivemos posses. Oriundo de família muito pobre, o pai não tivera uma herança, nem lhe fora possível estudar para galgar algum degrau profissional mais elevado. Tudo o que conseguira até então fora ganhando um salário mínimo na farmácia até 1974 e depois com o pequeno aumento para três salários mínimos quando o Moacir Guimarães comprou a empresa do seu João Lacerda. Com 4 filhos para sustentar e com uma renda tão baixa, como acumular alguma reserva? Mesmo depois de ter conseguido, a duras penas (com dinheiro emprestado), tornar-se sócio da Farmácia Lacerda, a renda não era suficiente para permitir fazer uma “reserva”. Esse era o motivo que nos levara a tentar alguma coisa através do SUS. Da mesma forma, os quatro filhos tentavam se virar como podiam. Nenhum de nós tinha dinheiro suficiente para enfrentar um procedimento cirúrgico e um tratamento particular, normalmente muito caro, além de, logicamente,cada um ter sua própria família para sustentar e seus próprios problemas a resolver. O único que estava um pouco melhor era eu, na verdade, por contar com um salário um pouco mais alto. Mas eu também tinha meus próprios problemas, uma filha na faculdade e minha própria família para prover e o pouco que conseguira guardar mal daria para ajudar nos custos da universidade particular. O SUS parecia ser a saída mais lógica. Era imperioso que tentássemos esse caminho.
No entanto, a situação começava a ficar insustentável e eu já começava a fazer outros planos. Talvez acabasse sendo necessário mudar a estratégia. Eu esperaria o retorno do Dr. Sílvio de São Paulo e pediria que me passasse o orçamento...

sexta-feira, 31 de julho de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XVI


MAIS FRUSTRAÇÃO...

O tempo apagou alguns detalhes e não estou bem lembrado sobre quem permaneceu por primeiro no albergue com a mãe naqueles dias. O fato é que escalonamos as nossas férias, cada um em sua empresa, de modo que sempre pudesse ficar alguém com ela. Acho que o primeiro a ficar foi o Rodrigo. O fato é que não queríamos deixar ela sozinha em Porto Alegre. A gente se virava, tinha telefone celular, vigor para eventuais caminhadas mais longas. Mas e ela já não era assim tão jovem. Além disso, poderia ser necessário tomar alguma decisão ou outra durante o período da baixa no hospital e com certeza ela não o faria sozinha. Mas a verdade é que o que nos fez tomarmos a decisão de organizar as férias de todos desta maneira foi a percepção de que nossa estada na capital seria mais longa do que o programado. Inicialmente, imaginamos que a cirurgia iria ocorrer no dia marcado, que haveria alguns dias de recuperação e que no máximo em uns 15 dias o pai estaria de volta para continuar o tratamento, talvez, no hospital de Paim Filho ou mesmo em casa. O adiamento foi mesmo um balde de água gelada nesse planejamento. E o pior estava por vir.
Foi marcada uma nova data. Seria na quinta-feira seguinte.
Novamente nos mobilizamos e viajamos para Porto Alegre. Novamente reuniu-se a equipe, só que desta vez sem o Dr. Jorge, que não pode comparecer. Repetiu-se toda a preparação. Chegamos cedo ao hospital, reencontramos o pai, conversamos, falamos com os companheiros de quarto dele...mas tudo se repetiu. Outra vez a notícia de que não seria realizada a cirurgia por falta de UTI. Imagine-se a frustração de todos. Agora já eram mais de 10 dias de internação. 10 dias de albergue para a mãe. 10 dias de cama de hospital para um paciente psicologicamente abalado pela descoberta de uma gravíssima enfermidade. E ante à perspectiva de novo frustrada de uma cirurgia que lhe pudesse devolver a esperança de vida. Era um sentimento indescritível de decepção para todos. Nitidamente o pai sofria muito com isso, mas resignava-se, até por saber que não havia outra alternativa senão aguardar. Na cama ao lado, o paciente Roberto passava por situação semelhante. Ambos eram preparados para cirurgias que não aconteciam... por falta de UTI. Mas que negócio era esse de “falta de UTI”? Não conseguíamos entender como um hospital do porte da Santa Casa podia ter uma deficiência como essa. Éramos acostumados com os atendimentos no interior, onde sobram leitos e UTI’s. Demorávamos a compreender que a capital era onde desembocavam pacientes do Estado inteiro e até de fora dele. E mesmo que a Santa Casa, por ser um hospital de referência, padecia com a falta de vagas para atender a uma demanda cada vez maior. Abalados como estávamos, nossas cabeças começavam a se deixar levar por idéias mirabolantes e conjecturas irracionais, do tipo “ será que não estão passando outros pacientes na frente dele?” “Será que não está havendo ‘direcionamento’ de atendimento para pacientes com melhores condições financeiras?”
O fato é que a cirurgia não sairia de novo. E agora, quando sairia? Para piorar, o Dr. Sílvio nos dá a notícia de que teria que se ausentar por no mínimo uma semana, pois teria que ministrar aulas em uma faculdade de São Paulo. Pôxa, mas então agora a cirurgia, se (e quando) saísse, não contaria com ele, o especialista em cirurgias hepáticas?
- Olha, Marco – me disse ele – o cirurgião que atende esta ala é um profissional experiente e pode realizar tranquilamente a cirurgia. Aliás, é um ótimo cirurgião...
- Mas, Dr Sílvio, - interrompi – não se trata disso, mas sim de participar da cirurgia alguém que é especialista, como o senhor. Não ficaremos seguros sem a sua presença. O Dr. Jorge já não estará presente...
- Entendo, mas infelizmente meu compromisso é inadiável.
Acabei entendendo e passei a informação para a família. Agora surgia um outro dilema: torcer para que a cirurgia saísse logo ou torcer para que não saísse, dando tempo para que o Dr. Sílvio retornasse da viagem?
A segunda opção nos parecia a mais sensata, mas havia o outro lado, o emocional. O pai começava a mostrar impaciência, dizendo-se cansado. Imagine-se uma situação dessas. Ficar deitado num leito de hospital, entre pessoas estranhas, vários e vários dias, mirando a janela desde o leito, sendo medicado periodicamente, comendo só “comida de hospital” e revendo os familiares apenas por alguns momentos duas vezes por dia... Devia ser torturante. E só por causa disso também não nos queixávamos dos transtornos que os adiamentos da cirurgia causavam a todos. Era complicado e sofrido para todos nós também. As viagens eram estafantes naquele mormacento Janeiro de 2006. E não é preciso esforço para compreender que quem passava os dias num albergue, por mais funcional que ele fosse, não estava agraciado com nenhuma vida de rei. Sem falar nos problemas que enfrentávamos em nossas empresas para conseguir “dias de folga” e nos deslocarmos à capital para acompanhar uma cirurgia que não saía.
A vida da família havia mudado de repente.
Vivíamos dias muito atribulados e angustiantes.
O horizonte que enxergávamos não era reluzente...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XV



EXPECTATIVA FRUSTRADA





Por volta da 19 horas eu finalmente liguei para a mãe, que atendeu prontamente o celular. Estava esperando que alguém ligasse. Tudo certo. Já estava instalada no albergue e o pai já ocupava o leito na Santa Casa. Perguntei sobre as instalações do albergue, como funcionava tudo ali, se ela estava bem. Respondeu positivamente e pude sentir que estava realmente bem acomodada. Perguntei, então, sobre o pai. Disse que estava baixado, ocupando o leito que lhe haviam reservado e que estava bem. Já faziam os primeiros exames de sangue, visando prepará-lo para a cirurgia. Mas estava tranquilo e confiante. Agora todos estávamos. Havia passado aquela tensão da espera pelo leito que nunca ficava disponível e também nos tranquilizava um pouco o fato de a cirurgia estar mais próxima. Embora o prognóstico da doença dele não indicasse "urgência urgentíssima", ninguém ficaria tranquilo sabendo que um familiar padecia com um tumor no fígado. É claro que ansiávamos pela cirurgia e pelo tratamento posterior, que pudesse significar senão a cura definitiva ao menos uma longa sobrevida.

Enquanto eu aguardava que o Dr. Jorge ou o Dr. Sílvio me confirmassem quando seria realizada a cirurgia, vasculhei centenas de sites na internet, buscando informações sobre a doença. E cada texto que eu lia me deixava mais preocupado. Todos os prognósticos e estatísticas indicavam uma evolução muito ruim para pacientes como ele. A sobrevida média esperada para pacientes com tumor hepático localizado, sem metástase, era de 3 anos. Um tempo curtíssimo para quem sonhava em ver o pai envelhecer até 80 ou 90 anos com saúde. Na verdade, era desanimador tomar conhecimento disso. Então, buscando melhorar o astral, eu conversava com todos os médicos que conhecia. Liguei para dezenas de amigos, contando da situação e pedindo opiniões. Mas os médicos são muito cautelosos quando se trata de prognósticos. Evitam emitir opiniões que tragam desânimo, mas deixam também de emitir opiniões que causem expectativas exageradas. A maioria deles, no entanto, tentava ser o mais objetivo possível. E o que eu ouvia deles não era bom. A cura era possível, sim, mas o tamanho do tumor conspirava contra ela, pela grande possibilidade de retorno da lesão em alguns meses depois da cirurgia. Mas nem isso era capaz de me tirar a esperança. Mesmo sendo extremamente realista e pragmático, sempre deixo que o otimismo ocupe seu lugar em minha mente. Ouvi algumas histórias de pessoas que tiveram o mesmo problema e sobreviveram mais 10 ou 15 anos. Por que não poderia o pai ter essa sorte? E se ele sobrevivesse tempo suficiente para que um novo tratamento - células-tronco, por exemplo - passasse a ser usado com eficácia? Era preciso acreditar. E era essa idéia otimista que eu tentava passar para a família e para todos os amigos que ansiavam por notícias. O astral tinha que permanecer alto. Seria o melhor jeito de amenizar todo o sofrimento psicológico que experimentávamos naquele momento.

No dia seguinte obtive a confirmação de que a cirurgia seria realizada na Sexta-Feira daquela semana. O Dr. Jorge e o Dr. Sílvio participariam dela, juntamente com um médico paulista que viria especialmente para atuar com eles.

Ficamos eufóricos com a notícia. Liguei para meus irmãos e combinamos de estar lá para acompanhar. Não lembro se viajamos todos para Porto Alegre. Mas o fato é que liguei imediatamente para a Superintendência do Banco e informei que iria me ausentar para acompanhar a cirurgia do pai. A esta altura do campeonato, quase todos os colegas da Sureg Alto Uruguai sabiam do drama que eu estava vivendo. Muito mais os colegas do MBA que eu estava cursando desde a metade de 2005. Eu recebia ligações quase que diariamente pedindo informações sobre a saúde do Bernardo. Até de colegas com quem nem tinha tanta intimidade, mas que mostraram-se naquele momento extremamente solidários.

Viajei num daqueles ônibus da Unesul que fazem da viagem uma tortura, mas não temos muitas alternativas nesse canto do Estado. Cheguei na capital por volta das 5 horas da manhã. Tomei um taxi e fui direto ao albergue, onde encontrei a mãe já de pé. Abracei ela. Me convidou para tomar um café. Aí passei a entender um pouco do funcionamento daquele local. Havia um espaço amplo, onde ficavam cerca de 30 beliches. Ali ficavam alojados os homens. As sacolas e mochilas ficavam penduradas nas colunas das camas, no chão, ou debaixo das camas. O calor era intenso naqueles dias, mas havia ventiladores de teto. Num outro espaço menor, mais reservado, ficavam as mulheres. As duas áreas eram separadas por um salão onde havia várias mesas e uma ou duas geladeiras, uma pia, um fogão - tudo isso era compartilhado por todos os "hóspedes". Cada um preparava sua própria comida.

Por volta das 7:30 saía a primeira lotação levando doentes e familiares até os hospitais. Apressamo-nos para sair na primeira viagem. A cirurgia deveria sair a qualquer momento naquela manhã.
Lembro que chegamos à Santa Casa e a mãe nos conduziu até o andar onde ficava a ala em que o pai estava baixado. Como não era ainda hora de visita, não adiantou nada dizer ao segurança, na entrada da ala, que estávamos ali para acompanhar uma cirurgia. O negão parecia um armário. De verdade. No mínimo um metro de diâmetro. Mas até que foi educado e procurou se informar, nos garantindo que caso a cirurgia fosse acontecer, liberaria a nossa entrada. Tentávamos disfarçar a tensão fazendo piadas com o tamanho exagerado do porteiro, conversando, falando de notícias de Paim Filho para a mãe.
Finalmente, por volta das 9 horas, nossa entrada foi liberada e fomos direto à enfermaria onde estava o pai. Ele estava deitado de lado, virado para a porta. Naquele quarto havia mais 4 ou 5 leitos, todos ocupados. O pai nos recebeu com um largo sorriso. Acho que nos ver naquele momento deve ter sido extremamente agradável depois de toda a tensão que havia passado. Tinha um catéter enfiado no ombro, pronto para receber medicamento a qualquer momento. Já lhe haviam preparado para a cirurgia, mas até então, nada havia acontecido. Estranho, pois normalmente as cirurgias são realizadas justamente nas primeiras horas da manhã. Perguntamos se sabia de algo, mas repondeu que ninguém havia falado com ele, que apenas o haviam preparado, administrado medicamentos, alguns tranquilizantes, mas da cirurgia, nada.
De repente, olhamos para o corredor e vimos caminhando em nossa direção um grupo de médicos. Reconheci imediatamente o Dr. Jorge e o Dr. Sílvio, junto com um outro com cara de japonês. O Dr. Jorge balançava a cabeça negativamente, de modo que percebemos que algo não havia dado certo.
- Não vai sair a cirurgia hoje - disse o Dr. Jorge.
- Mas como? O que houve, Doutor? - perguntei aflito.
- Não há UTI disponível. No caso da cirurgia do teu pai, será preciso ter uma UTI disponível, pois haverá necessidade de cuidados especiais, pela perda de sangue, pela extensão da cirurgia. Sem UTI não dá...
E essa agora. Não estava nos planos. Não estava mesmo. Afinal, havíamos viajado por nada? Tudo bem que teríamos vindo da mesma forma para dar aquela força para o pai e para a mãe, mas poderíamos ter vindo no final de semana, sem perder um dia de trabalho.
- Mas, então, quando é que sai a cirurgia, Dr. Sílvio? - perguntamos com aflição.
- Sem previsão. Damos graças a Deus de ter conseguido o leito, mas agora precisamos garantir uma UTI. Normalmente as cirurgias são realizadas nas terças ou nas sextas-feiras. Talvez na próxima terça.
Entendemos. Se não havia outro jeito... Mas foi um balde de água fria. Uma expectativa frustrada. A continuação da ansiedade. O prolongamento do sofrimento físico e psicológico do pai, que agora teria que ficar confinado a uma cama de hospital, quem sabe por vários dias.
- Tudo bem,- resignou-se o Bernardo, que ainda brincou: - vou tirar umas férias e dormir bastante...
Apesar de tudo, foi bom vê-lo sorrindo. Conversamos muito. Procuramos lhe passar segurança. Aproveitamos todo o tempo disponível do horário de visita. Detalhe, havia menos de 3 dias que estava ali e já conhecia todos os companheiros de quarto - um rapaz com a perna fraturada, um senhor mais idoso com problemas renais...mas chamava a atenção o jovem da cama ao lado da dele. Um rapaz moreno, aparentando pouco mais de 30 anos, de nome Roberto. Tinha câncer de estômago e estava ali também para uma cirurgia. Notamos que eles conversavam bastante e isso devia ajudar a passar o tempo.
Terminou o horário de visita e nos chamaram. Nos despedimos com um beijo. Voltaríamos à tarde.
- Fique tranquilo, pai. Vai dar tudo certo! - passei a mão na sua cabeça meio suada.
- Eu estou tranquilo, filho. Deixei tudo nas mãos de Deus.
Descemos até o pátio da Santa Casa e fomos até o local onde estacionavam as ambulâncias que vem do interior diariamente. Não tardou e chegou o motorista da "nossa" lotação. Retornamos ao albergue. Estávamos frustrados. Realmente não havia passado pela nossa cabeça que depois de esperar tanto tempo por um leito dependeríamos ainda da disponibilidade de uma UTI. Em momento algum alguém nos havia mencionado essa possibilidade. Tenho quase certeza que nem os médicos esperavam por isso.

domingo, 5 de julho de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XIV

A viagem


Passada a emoção pela conquista do leito na Santa Casa, era urgente que se conseguisse o meio de transporte para chegar em Porto Alegre dentro do prazo. Seria preciso sair de Paim Filho no máximo ao meio-dia, pois para uma viagem tranquila são necessárias entre 5 e 6 horas, conforme o trânsito que se encontra pelo caminho. Então, era urgentíssimo que nos mobilizássemos. O pai e a mãe já estavam preparados há dias. Deveria ser rápido colocar os pertences na mala. Dias antes a mãe havia conversado com o tio Negro (Rodolfo, seu irmão), que havia intermediado a hospedagem dela no alojamento de um albergue mantido por um deputado, na capital. Sabíamos que havia algumas alternativas diferentes, mas a opção pelo albergue nos pareceu a melhor naquele momento, já que a hospedagem era gratuita e os gastos seriam somente com os mantimentos. Além disso, o próprio albergue mantinha um serviço de transporte, conduzindo os familiares até hospitais e clínicas em horários pre-determinados ou sempre que necessário. Ou seja, vinha bem a calhar para a nossa necessidade, além de nos dar uma certa sensação de autonomia. E aqui fica uma observação importante: jamais concordei com as pessoas e parte da imprensa que começaram a bater forte nos deputados que mantém albergues (e são vários, de vários partidos políticos), alegando fins eleitoreiros. Primeiro porque acho que apenas estão viabilizando algo que deveria ser proporcionado pelo Estado e não o é. Segundo, porque vi de perto todo o bem que esses albergues fazem a toda a população que os procura, principalmente aos mais carentes. E, terceiro, porque ficamos cerca de 1 mês no albergue e jamais alguém sequer tocou em assunto de política conosco. Não sou ingênuo prá imaginar que os deputados não tenham algum objetivo nesse sentido quando gastam boas somas em dinheiro para manter albergues em funcionamento, que tem um fluxo contínuo de pessoas, que são potenciais eleitores. Mas não vejo nada de errado nisso. Os que criticam deveriam fazer o mesmo. Haveria muito mais vagas disponíveis. Ponto.
Voltando ao dia da viagem.
Já passava das 10 horas da manhã e nada de conseguirmos o carro. Uma das ambulâncias de Paim estava em Passo Fundo. A outra estava com problemas. De modo que não havia condições de se aguardar por esse meio. Liguei para Cacique Doble, onde tenho muitos amigos, inclusive da administração municipal e pedi socorro, mesmo sabendo que éramos de outro município . Colocaram-se à disposição para ceder a ambulância, mas não naquele horário, já que também estava em Passo Fundo. Já muito aflito, peguei o carro e fui atrás do secretário da saúde de São José do Ouro, também meu amigo, e quase implorei para que me ajudasse. Mas, incrivelmente, a ambulância estava em...Passo Fundo. Aí a adrenalina subiu de novo. Começa a bater aquela sensação de impotência, de insegurança, de desespero, até. Será que depois de tanto tempo à espera de um leito, justo no dia em que se consegue não teríamos transporte disponível? Lembro de ter ligado pro pai e encontrado ele muito nervoso. Recebi até um xingão pelo telefone, coisa que era muito rara de parte dele. Estava com os nervos à flor da pele, era visível.
Então, não houve alternativa. Já eram quase 11 horas da manhã quando eu desisti de contar com "ajuda externa". Raciocinei que ele não estava num estado que necessitasse de uma ambulância para ser transportado, longe disso. Um carro simples bastava. E isso eu tinha. Liguei prá Neu e disse "Neu, não tem jeito, acho que vou emprestar o nosso carro mesmo prá eles irem a Porto Alegre, o que você acha?" Como sempre, ela concordou prontamente. "É o teu pai" - disse ela.- "faça o que achar que tem que ser feito, não precisa perguntar nada prá mim sobre isso..."
Liguei então prá farmácia e falei com eles. "Arrumem um motorista, que eu estou saindo agora daqui. Vocês vão no meu carro."
Ao meio-dia, eu estacionei em frente à farmácia. O motorista seria o seu Rocha, ex-cabo da Brigada Militar e nosso amigo, que conhecia bem o trajeto e os endereços em Porto Alegre.
Carregamos o porta-malas. Nos abraçamos, nos beijamos. Desejamos boa sorte ao pai e à mãe. Passava pouco do meio-dia. Chegariam a tempo, com certeza. Se não me engano, o Nando emprestou seu celular prá mãe, a fim de termos um canal de comunicação. E partiram. Fiquei olhando aquele carro dobrar a esquina. Acho que meus olhos acompanharam cada volta dos pneus, como se a cena se desenrolasse em câmera lenta. Não havia uma música ao fundo, mas se houvesse, com certeza tudo lembraria uma cena de novela ou de cinema. E na garganta da gente ficou um nó. Poucas vezes durante toda a minha vida eu havia me despedido dos meus pais de maneira semelhante. Dessa vez tudo pareceu diferente. Pairava mesmo no ar uma sensação estranha.
Assim que o carro sumiu de nossa vista, ainda conversamos um pouco na frente da farmácia. Acho que combinamos alguma coisa, nem lembro o que, com a Jussane. E em seguida entrei no fusquinha vermelho do pai e rumei para São José de novo. Me dei conta de que ainda não havia almoçado. Mas não tinha fome. Fui direto para o Banco, tentar retormar a rotina. Ao final da tarde, finalmente eu ligaria para a mãe, e saberia se dera tudo certo. Ao final da tarde.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XIII


O LEITO, FINALMENTE


Na semana que se seguiu, houve um grande movimento no Banco. Final de ano sempre é movimentado. Eu trabalhava com a mente dividida, parte de mim era absorvida pela rotina, enquanto outra não desligava do pai. Eu ligava prá farmácia de manhã, de tarde, de noite. Ligava pro Dr. Sílvio, pro Dr. Jorge - acho que incomodava meio mundo. Mas não havia muito o que fazer. Havia a certeza de que conseguiríamos o tal leito na Santa Casa, mas estávamos reféns do esforço que fazia o Dr. Sílvio em Porto Alegre. Foi mais uma semana muito tensa. No dia 1° de Janeiro de 2006, nos reunimos com a família da Neu. Fazíamos isso sempre. O Natal era da minha família, o primeiro de ano era da dela. Quase sempre conseguía-se reunir todos os filhos, genros, noras, netos, num agradável almoço familiar,sempre prazeirosamente comandado pelo meu sogro e pelo meu cunhado César. Naquele dia, o assunto foi o problema do pai. E ficou visível que o meu abatimento contagiou a todos. Nada faltou naquele almoço que pudesse deixá-lo menos agradável, mas percebía-se que havia uma consternação de todos com a notícia da gravidade da doença dele. Enquanto isso, em Paim, o Nando e eles procuravam confraternizar normalmente. Como se isso fosse possível. Como desejar um "feliz ano novo" para alguém que caminha inexoravelmente para uma situação em que até a sobrevida torna-se uma incógnita? Mas os "rituais" foram mantidos. Abraços, desejos de paz e prosperidade, tapinhas na nuca acompanhados de um "vai dar tudo certo". O apoio de familiares e amigos não tem preço nesses momentos difíceis. Cada vez mais eu aprenderia isso e me tornaria um cara solidário, como nunca eu havia sido na vida.
Desta vez não voltamos direto para São José do Ouro. Demos a volta por Paim Filho, onde ainda abraçamos a todos e tentamos passar algum otimismo. Conversamos com o Nando, com a mãe, com o pai. E tentamos demonstrar tranquilidade, pois a hora de viajar estava próxima, embora frustrada a expectativa de que obtivéssemos a vaga durante a semana anterior. E retornamos no final da tarde.
No dia 02 de Janeiro, com aquele intenso movimento no Banco, em razão do vencimento do IPVA, tive pouco tempo prá pensar em outra coisa. Não houve folga. Clientes em quantidade muito acima do normal, fila até fora do Banco. Mesmo assim liguei duas vezes pro pai durante o dia. E pedi que ficassem preparados, que falassem com a Secretaria da Saúde reservando uma ambulância ou um carro para a viagem até Porto Alegre. Algo me dizia que o leito agora estava muito próximo. E estava. No dia seguinte, dia 03 de Janeiro, eram cerca de 9 horas da manhã quando o telefone da Agência tocou. Era de Porto Alegre, prá mim. Engraçado, eu recebia telefonemas de Porto Alegre quase que diariamente, às vezes mais de um por dia, quase sempre da Direção Geral do Banco. Mas naquele momento eu já sabia que não era do Banrisul. Eu sabia que era da Santa Casa. Fui até o almoxarifado da agência, para falar num ambiente mais silencioso. Do outro lado da linha, alguém perguntou "Sr. Marco Antônio?"- "Sou eu", respondi ofegante. "Aqui é da Santa Casa" - continuou - "o Dr. Sílvio Balzan pediu que ligasse pro senhor prá informar que está disponível um leito ao Sr. Egídio Bernardo Arsego..." Um frio percorreu a minha espinha e me contive para continuar ouvindo ..."vocês devem ocupar esse leito até as 18 horas de hoje, tendo em vista que não podemos deixar um leito ocioso por muito tempo. Devem apresentar-se na portaria e..." (ele continou a passar instruções, que ouvi atentamente). E então, toda a angústia que se acumulava no peito há tantos dias, de repente explodiu. Entrei correndo no banheiro da agência e desandei a chorar copiosamente, convulsivamente. Ensopei a toalha de rosto, a ponto de ter que substituí-la depois. Não havia ali um ombro onde recostar minha cabeça. Mas finalmente veio o alívio de que eu necessitava para poder pensar melhor. Era como se toda aquela responsabilidade que eu havia chamado para mim agora se traduzisse em resultado. Até porque eu já começava a sofrer algumas contestações de amigos, que achavam ter sido um erro o caminho que eu escolhera, que talvez tivesse sido melhor ir a Passo Fundo, que talvez fulano ou sicrano pudessem ter conseguido um encaminhamento melhor para o caso do pai, que eu devia ter procurado o médico tal, a secretaria da saúde... enfim, tudo aquilo agora explodia, como num gol feito por um atacante que está há vários jogos sem marcar... Daí o choro incontido.
Apressei-me, então em avisar todo mundo. Os meus colegas comemoraram comigo. Vi alguns com os olhos marejados ao perceber que eu havia chorado muito e entender o que significava prá mim aquele momento. Era a minha primeira vitória no encaminhamento do processo que eu esperava que culminasse com a cura da doença do meu pai.
Liguei primeiro prá Neu, depois pro Nando, prá Mili, pro Digo...acho que todos eles perceberam como eu estava e vibraram comigo. Mas agora vinha mais um capítulo. Tínhamos que ser rápidos. Liguei pro pai e pedi pressa para encontrarmos um veículo que pudesse levá-los em tempo hábil até a capital. Não tínhamos muito tempo. Falei com a Jussane e pedi que auxiliasse, tentando conseguir um carro ou ambulância na secretaria municipal da saúde. Agora o tempo conspirava contra nós.

domingo, 21 de junho de 2009

GRÊMIO ESPORTIVO CRUZEIRO FAZ 80 ANOS


(NO DETALHE, RESGATEI A CARTEIRA DE SÓCIO DO MEU PAI, QUE JÁ ERA SÓCIO-REMIDO DO G.E.CRUZEIRO)





Jantar realizado na sede do Grêmio Esportivo Cruzeiro no último sábado, dia 20 de Junho, comemorou os 80 anos de fundação daquele Clube, um dos mais tradicionais da região da "grande Lagoa Vermelha". Com a presença da grande maioria dos sócios, o evento buscou resgatar um pouco da história da agremiação, fundada em 30 de Maio de 1929 com a finalidade de fomentar a prática do futebol, conforme artigo do estatudo de fundação, que foi lido aos presentes pelo mestre de cerimônia da noite. Na ocasião foram homenageados sócios que, assim como o Cruzeiro, ultrapassaram os 80 anos de vida, inclusive com algumas homenagens póstumas, num clima de muita emoção. Foram entregues certificados de honra ao mérito. Não menos emocionante foi a homenagem prestada à Sra. Maria Sefrin, viúva do ilustre presidente da década de 50, Sr. Fernando Arnaldo Sefrin Filho, já falecido. Após as homenagens, os sócios puderam se divertir num belíssimo jantar dançante, embalado pelo Trio Campeiro, formado por valores locais.