UM OBJETIVO, UMA VITÓRIA!
Sexta-Feira, 27 de Janeiro de 2006.
Sem dormir a noite toda, o normal seria que eu me encontrasse mal humorado, cansado, letárgico até.
No entanto, às 6 horas da manhã a minha adrenalina já estava alta e não consegui sequer tomar uma xícara do café cuidadosamente preparado pela mãe, que também havia acordado muito cedo. Tanto ela quanto meus irmãos agora estavam cientes de que aquele dia seria decisivo para o destina não só do pai como da família, de certa forma. Era o dia em que eu tentaria, de todas as formas, transferir o meu pai de um hospital particular, que gerava uma despesa que crescia em progressão geométrica para um hospital público, com atendimento pelo SUS- no caso, o Hospital de Clínicas. O ceticismo da secretária do Moinhos de Vento, que achara quase impossível que eu conseguisse a proeza de obter a transferência já naquela Sexta-Feira não me abateu. Parecia que eu estava tomado por alguma força diferente, nem sei explicar. Eu conversava com a mãe e com os irmãos, mas meu pensamento estava fixo, obsessivamente focado na tarefa que me aguardava naquele que ficaria para mim marcado como “o mais longo dos dias”.
Primeiro, tratei de partir com a primeira van da manhã, que sairia por volta das 7 horas. Sabia que o horário de visitas começava bem mais tarde, mas não era aquele o meu propósito. Eu precisava chegar cedo e me munir de informações na secretaria do hospital para depois iniciar minha série de contatos com amigos, políticos e colegas de Banco, visando concretizar o meu objetivo. Além de contar com a ajuda do Dr.Sílvio, claro. Sem o aval dele, sequer poderíamos iniciar as tratativas para tal.
E foi por ele que comecei, logo cedo. Sabia que os médicos costumam acordar muito cedo. E mal bateu o sinal das 7:30 quando fiz o primeiro contato. Dado o sinal verde para iniciar a odisséia, parti para aquilo a que eu havia me preparado: convencer um sem-número de amigos e conhecidos da necessidade de transferir o doente a qualquer custo naquele dia, naquela Sexta-Feira, porque caso contrário passaríamos mais um final de semana de angústia, acompanhando uma recuperação duvidosa do pai e uma conta de hospital que rumava para o impagável. Às 9 horas da manhã eu já tinha, então, ligado para a Fundação Banrisul, para deputados de diversos partidos, para amigos, para colegas de Banco. Quando abriu o horário de visitas, a mãe e os meus irmãos já estavam no hospital. Fui com eles até a sala de espera da UTI e fiz uma visita ao leito do pai, onde pude constatar que a situação era exatamente igual. O boletim divulgado logo em seguida repetia o mesmo que se vira desde a cirurgia: “inspira cuidados”. Ou seja: nenhuma reação, nenhuma tendência, nada. Ele simplesmente não reagia. Confesso que naquele momento nem isso me abalava. A minha determinação era transferi-lo dali, parar com a “sangria financeira” e só depois pensar no que fazer. Era isso que me dominava. Acho que agi como uma criança autista, que por sua condição concentra-se em algo de tal forma que aquilo passa a ser seu mundo, deixando até de atender aos estímulos externos. Era assim que eu me sentia. E segui adiante.
O problema residia novamente em obter uma vaga, um leito, no Hospital de Clínicas. E só havia um jeito: recorrer à central de leitos, coordenada pelo governo estadual. E de que forma, se provavelmente a demanda era muito superior aos leitos disponíveis no HC? Infelizmente, da única maneira possível nesse país injusto: com pressão, muita pressão. Passei então a contar com a ajuda de dois amigos influentes dentro da assembléia legislativa, aos quais serei eternamente grato, mas cujos nomes me permito omitir por razões óbvias. Esses amigos passaram o dia em contato comigo, intercalando ligações e acompanhando um processo interno que ajudaram a abrir junto à central de leitos. Por volta das 10 horas da manhã sentei-me num banco de pedra no pátio frontal do Hospital Moinhos de Vento e passei a usar continuamente o meu celular, a ponto de senti-lo esquentar junto ao ouvido. Em intervalos que não duravam mais do que 5 minutos, recebia ligações de todos os lados. Era um bombardeio de pedidos de informação, familiares ligando, amigos ansiosos por notícias, colegas de Banco preocupados comigo e com o pai...´
As notícias não pareciam boas. Estava difícil conseguir o tal leito. O empenho dos meus dois contatos da assembléia parecia não ser suficiente. Estávamos mexendo com uma estrutura toda preparada para funcionar de acordo com as necessidades apontadas pelos médicos e hospitais credenciados. Era preciso colocar o Dr.Sílvio em contato com autoridades para explicar o quadro de gravidade do caso do pai e convencê-los de que a nossa família não tinha as mínimas condições financeiras para mantê-lo num hospital da categoria do Moinhos de Vento. E mais, convencê-los do porquê de termos recorrido a um hospital particular se de fato não tínhamos tais condições. Convenhamos, explicar que o tínhamos feito na expectativa de gastar “apenas r$ 17.000,00” não era tarefa fácil. E minha missão, naquele momento, era fazer um “meio-de-campo” entre todas as partes envolvidas.
Eram quase 15 horas e as coisas não andavam. Me dei conta de que não havia tomado café-da-manhã, nem havia almoçado. Não tinha sentido fome nem sede até então. A adrenalina era tanta que meu corpo sequer se dava conta das necessidades básicas. De fato, eu não parava. A eu continuava com os contatos, sem me dar conta que as outras pessoas precisavam ter almoçado. Acho que liguei para vários celulares no horário do meio-dia, sem me dar conta de estar sendo inoportuno. Vejam o estado mental em que eu me encontrava em razão da obsessão em resolver aquele problema naquele dia.
Às 5 da tarde o Digo chegou ao hospital, sozinho. E passou a acompanhar o drama.
Então, eis que após um dia inteiro de negociações, recebi um telefonema da assembléia legislativa: haviam conseguido o leito. Dá pra imaginar como me senti? Me contive para não começar a chorar do lado do meu irmão. Era mais uma vitória entre tantos desafios que haviam surgido nesse doloroso drama que vivíamos. Agora, era só avisar o Dr. Sílvio para que viesse até o hospital para preparar o laudo e providenciar a transferência.
Tive ainda uma dificuldade adicional, pois demorei a localizar o Dr. Sílvio. Cheguei a ficar nervoso por alguns momentos, porque seu celular teimava em não atender e eu começava a imaginar “só faltava essa: sofrer tanto para obter um leito no HC e agora não localizar o médico para providenciar o laudo”... Mas deu tudo certo. De repente o celular dele atendeu e ele prontamente correu para o hospital. Faltava um último detalhe: a ambulância. Teria que contratar uma. Particular, claro. Fui até a Secretaria do Hospital e pedi que me indicassem alguns serviços, ao mesmo tempo em que comuniquei que havíamos obtido um leito em outro hospital e que o pai seria transferido. Podiam providenciar os papéis de transferência. Quiseram falar com o Dr. Sílvio para confirmar. Passei-lhes o celular dele e conversaram. Naquelas alturas eu já me sentia tão seguro que contratei os serviços de uma ambulância. Cobraram os olhos da cara para transportar o pai para poucas quadras dali. Mas valeu a pena. Ah, como valeu! Quando veio a conta do celular, no mês seguinte, ficou estampado o que fora aquele dia para mim. Tenho a conta guardada em meio a outros tantos papéis remanescentes da internação pai. E se alguém duvidar e posso mostrar: 06 páginas de ligações, mais de R$ 600,00 gastos num único dia. A bateria do aparelho, que não tinha mais de 30 dias, teve que ser recarregada à noite.
Hoje, uma das imagens mais marcantes que tenho daquela Sexta-Feira é daquele banco de pedra onde fiquei sentado por quase 12 horas, com o pensamento fixo num objetivo. Alcançado, enfim. As outras imagens daquele dia, mais tristes, eu narro adiante...
Sem dormir a noite toda, o normal seria que eu me encontrasse mal humorado, cansado, letárgico até.
No entanto, às 6 horas da manhã a minha adrenalina já estava alta e não consegui sequer tomar uma xícara do café cuidadosamente preparado pela mãe, que também havia acordado muito cedo. Tanto ela quanto meus irmãos agora estavam cientes de que aquele dia seria decisivo para o destina não só do pai como da família, de certa forma. Era o dia em que eu tentaria, de todas as formas, transferir o meu pai de um hospital particular, que gerava uma despesa que crescia em progressão geométrica para um hospital público, com atendimento pelo SUS- no caso, o Hospital de Clínicas. O ceticismo da secretária do Moinhos de Vento, que achara quase impossível que eu conseguisse a proeza de obter a transferência já naquela Sexta-Feira não me abateu. Parecia que eu estava tomado por alguma força diferente, nem sei explicar. Eu conversava com a mãe e com os irmãos, mas meu pensamento estava fixo, obsessivamente focado na tarefa que me aguardava naquele que ficaria para mim marcado como “o mais longo dos dias”.
Primeiro, tratei de partir com a primeira van da manhã, que sairia por volta das 7 horas. Sabia que o horário de visitas começava bem mais tarde, mas não era aquele o meu propósito. Eu precisava chegar cedo e me munir de informações na secretaria do hospital para depois iniciar minha série de contatos com amigos, políticos e colegas de Banco, visando concretizar o meu objetivo. Além de contar com a ajuda do Dr.Sílvio, claro. Sem o aval dele, sequer poderíamos iniciar as tratativas para tal.
E foi por ele que comecei, logo cedo. Sabia que os médicos costumam acordar muito cedo. E mal bateu o sinal das 7:30 quando fiz o primeiro contato. Dado o sinal verde para iniciar a odisséia, parti para aquilo a que eu havia me preparado: convencer um sem-número de amigos e conhecidos da necessidade de transferir o doente a qualquer custo naquele dia, naquela Sexta-Feira, porque caso contrário passaríamos mais um final de semana de angústia, acompanhando uma recuperação duvidosa do pai e uma conta de hospital que rumava para o impagável. Às 9 horas da manhã eu já tinha, então, ligado para a Fundação Banrisul, para deputados de diversos partidos, para amigos, para colegas de Banco. Quando abriu o horário de visitas, a mãe e os meus irmãos já estavam no hospital. Fui com eles até a sala de espera da UTI e fiz uma visita ao leito do pai, onde pude constatar que a situação era exatamente igual. O boletim divulgado logo em seguida repetia o mesmo que se vira desde a cirurgia: “inspira cuidados”. Ou seja: nenhuma reação, nenhuma tendência, nada. Ele simplesmente não reagia. Confesso que naquele momento nem isso me abalava. A minha determinação era transferi-lo dali, parar com a “sangria financeira” e só depois pensar no que fazer. Era isso que me dominava. Acho que agi como uma criança autista, que por sua condição concentra-se em algo de tal forma que aquilo passa a ser seu mundo, deixando até de atender aos estímulos externos. Era assim que eu me sentia. E segui adiante.
O problema residia novamente em obter uma vaga, um leito, no Hospital de Clínicas. E só havia um jeito: recorrer à central de leitos, coordenada pelo governo estadual. E de que forma, se provavelmente a demanda era muito superior aos leitos disponíveis no HC? Infelizmente, da única maneira possível nesse país injusto: com pressão, muita pressão. Passei então a contar com a ajuda de dois amigos influentes dentro da assembléia legislativa, aos quais serei eternamente grato, mas cujos nomes me permito omitir por razões óbvias. Esses amigos passaram o dia em contato comigo, intercalando ligações e acompanhando um processo interno que ajudaram a abrir junto à central de leitos. Por volta das 10 horas da manhã sentei-me num banco de pedra no pátio frontal do Hospital Moinhos de Vento e passei a usar continuamente o meu celular, a ponto de senti-lo esquentar junto ao ouvido. Em intervalos que não duravam mais do que 5 minutos, recebia ligações de todos os lados. Era um bombardeio de pedidos de informação, familiares ligando, amigos ansiosos por notícias, colegas de Banco preocupados comigo e com o pai...´
As notícias não pareciam boas. Estava difícil conseguir o tal leito. O empenho dos meus dois contatos da assembléia parecia não ser suficiente. Estávamos mexendo com uma estrutura toda preparada para funcionar de acordo com as necessidades apontadas pelos médicos e hospitais credenciados. Era preciso colocar o Dr.Sílvio em contato com autoridades para explicar o quadro de gravidade do caso do pai e convencê-los de que a nossa família não tinha as mínimas condições financeiras para mantê-lo num hospital da categoria do Moinhos de Vento. E mais, convencê-los do porquê de termos recorrido a um hospital particular se de fato não tínhamos tais condições. Convenhamos, explicar que o tínhamos feito na expectativa de gastar “apenas r$ 17.000,00” não era tarefa fácil. E minha missão, naquele momento, era fazer um “meio-de-campo” entre todas as partes envolvidas.
Eram quase 15 horas e as coisas não andavam. Me dei conta de que não havia tomado café-da-manhã, nem havia almoçado. Não tinha sentido fome nem sede até então. A adrenalina era tanta que meu corpo sequer se dava conta das necessidades básicas. De fato, eu não parava. A eu continuava com os contatos, sem me dar conta que as outras pessoas precisavam ter almoçado. Acho que liguei para vários celulares no horário do meio-dia, sem me dar conta de estar sendo inoportuno. Vejam o estado mental em que eu me encontrava em razão da obsessão em resolver aquele problema naquele dia.
Às 5 da tarde o Digo chegou ao hospital, sozinho. E passou a acompanhar o drama.
Então, eis que após um dia inteiro de negociações, recebi um telefonema da assembléia legislativa: haviam conseguido o leito. Dá pra imaginar como me senti? Me contive para não começar a chorar do lado do meu irmão. Era mais uma vitória entre tantos desafios que haviam surgido nesse doloroso drama que vivíamos. Agora, era só avisar o Dr. Sílvio para que viesse até o hospital para preparar o laudo e providenciar a transferência.
Tive ainda uma dificuldade adicional, pois demorei a localizar o Dr. Sílvio. Cheguei a ficar nervoso por alguns momentos, porque seu celular teimava em não atender e eu começava a imaginar “só faltava essa: sofrer tanto para obter um leito no HC e agora não localizar o médico para providenciar o laudo”... Mas deu tudo certo. De repente o celular dele atendeu e ele prontamente correu para o hospital. Faltava um último detalhe: a ambulância. Teria que contratar uma. Particular, claro. Fui até a Secretaria do Hospital e pedi que me indicassem alguns serviços, ao mesmo tempo em que comuniquei que havíamos obtido um leito em outro hospital e que o pai seria transferido. Podiam providenciar os papéis de transferência. Quiseram falar com o Dr. Sílvio para confirmar. Passei-lhes o celular dele e conversaram. Naquelas alturas eu já me sentia tão seguro que contratei os serviços de uma ambulância. Cobraram os olhos da cara para transportar o pai para poucas quadras dali. Mas valeu a pena. Ah, como valeu! Quando veio a conta do celular, no mês seguinte, ficou estampado o que fora aquele dia para mim. Tenho a conta guardada em meio a outros tantos papéis remanescentes da internação pai. E se alguém duvidar e posso mostrar: 06 páginas de ligações, mais de R$ 600,00 gastos num único dia. A bateria do aparelho, que não tinha mais de 30 dias, teve que ser recarregada à noite.
Hoje, uma das imagens mais marcantes que tenho daquela Sexta-Feira é daquele banco de pedra onde fiquei sentado por quase 12 horas, com o pensamento fixo num objetivo. Alcançado, enfim. As outras imagens daquele dia, mais tristes, eu narro adiante...
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