quarta-feira, 15 de julho de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XV



EXPECTATIVA FRUSTRADA





Por volta da 19 horas eu finalmente liguei para a mãe, que atendeu prontamente o celular. Estava esperando que alguém ligasse. Tudo certo. Já estava instalada no albergue e o pai já ocupava o leito na Santa Casa. Perguntei sobre as instalações do albergue, como funcionava tudo ali, se ela estava bem. Respondeu positivamente e pude sentir que estava realmente bem acomodada. Perguntei, então, sobre o pai. Disse que estava baixado, ocupando o leito que lhe haviam reservado e que estava bem. Já faziam os primeiros exames de sangue, visando prepará-lo para a cirurgia. Mas estava tranquilo e confiante. Agora todos estávamos. Havia passado aquela tensão da espera pelo leito que nunca ficava disponível e também nos tranquilizava um pouco o fato de a cirurgia estar mais próxima. Embora o prognóstico da doença dele não indicasse "urgência urgentíssima", ninguém ficaria tranquilo sabendo que um familiar padecia com um tumor no fígado. É claro que ansiávamos pela cirurgia e pelo tratamento posterior, que pudesse significar senão a cura definitiva ao menos uma longa sobrevida.

Enquanto eu aguardava que o Dr. Jorge ou o Dr. Sílvio me confirmassem quando seria realizada a cirurgia, vasculhei centenas de sites na internet, buscando informações sobre a doença. E cada texto que eu lia me deixava mais preocupado. Todos os prognósticos e estatísticas indicavam uma evolução muito ruim para pacientes como ele. A sobrevida média esperada para pacientes com tumor hepático localizado, sem metástase, era de 3 anos. Um tempo curtíssimo para quem sonhava em ver o pai envelhecer até 80 ou 90 anos com saúde. Na verdade, era desanimador tomar conhecimento disso. Então, buscando melhorar o astral, eu conversava com todos os médicos que conhecia. Liguei para dezenas de amigos, contando da situação e pedindo opiniões. Mas os médicos são muito cautelosos quando se trata de prognósticos. Evitam emitir opiniões que tragam desânimo, mas deixam também de emitir opiniões que causem expectativas exageradas. A maioria deles, no entanto, tentava ser o mais objetivo possível. E o que eu ouvia deles não era bom. A cura era possível, sim, mas o tamanho do tumor conspirava contra ela, pela grande possibilidade de retorno da lesão em alguns meses depois da cirurgia. Mas nem isso era capaz de me tirar a esperança. Mesmo sendo extremamente realista e pragmático, sempre deixo que o otimismo ocupe seu lugar em minha mente. Ouvi algumas histórias de pessoas que tiveram o mesmo problema e sobreviveram mais 10 ou 15 anos. Por que não poderia o pai ter essa sorte? E se ele sobrevivesse tempo suficiente para que um novo tratamento - células-tronco, por exemplo - passasse a ser usado com eficácia? Era preciso acreditar. E era essa idéia otimista que eu tentava passar para a família e para todos os amigos que ansiavam por notícias. O astral tinha que permanecer alto. Seria o melhor jeito de amenizar todo o sofrimento psicológico que experimentávamos naquele momento.

No dia seguinte obtive a confirmação de que a cirurgia seria realizada na Sexta-Feira daquela semana. O Dr. Jorge e o Dr. Sílvio participariam dela, juntamente com um médico paulista que viria especialmente para atuar com eles.

Ficamos eufóricos com a notícia. Liguei para meus irmãos e combinamos de estar lá para acompanhar. Não lembro se viajamos todos para Porto Alegre. Mas o fato é que liguei imediatamente para a Superintendência do Banco e informei que iria me ausentar para acompanhar a cirurgia do pai. A esta altura do campeonato, quase todos os colegas da Sureg Alto Uruguai sabiam do drama que eu estava vivendo. Muito mais os colegas do MBA que eu estava cursando desde a metade de 2005. Eu recebia ligações quase que diariamente pedindo informações sobre a saúde do Bernardo. Até de colegas com quem nem tinha tanta intimidade, mas que mostraram-se naquele momento extremamente solidários.

Viajei num daqueles ônibus da Unesul que fazem da viagem uma tortura, mas não temos muitas alternativas nesse canto do Estado. Cheguei na capital por volta das 5 horas da manhã. Tomei um taxi e fui direto ao albergue, onde encontrei a mãe já de pé. Abracei ela. Me convidou para tomar um café. Aí passei a entender um pouco do funcionamento daquele local. Havia um espaço amplo, onde ficavam cerca de 30 beliches. Ali ficavam alojados os homens. As sacolas e mochilas ficavam penduradas nas colunas das camas, no chão, ou debaixo das camas. O calor era intenso naqueles dias, mas havia ventiladores de teto. Num outro espaço menor, mais reservado, ficavam as mulheres. As duas áreas eram separadas por um salão onde havia várias mesas e uma ou duas geladeiras, uma pia, um fogão - tudo isso era compartilhado por todos os "hóspedes". Cada um preparava sua própria comida.

Por volta das 7:30 saía a primeira lotação levando doentes e familiares até os hospitais. Apressamo-nos para sair na primeira viagem. A cirurgia deveria sair a qualquer momento naquela manhã.
Lembro que chegamos à Santa Casa e a mãe nos conduziu até o andar onde ficava a ala em que o pai estava baixado. Como não era ainda hora de visita, não adiantou nada dizer ao segurança, na entrada da ala, que estávamos ali para acompanhar uma cirurgia. O negão parecia um armário. De verdade. No mínimo um metro de diâmetro. Mas até que foi educado e procurou se informar, nos garantindo que caso a cirurgia fosse acontecer, liberaria a nossa entrada. Tentávamos disfarçar a tensão fazendo piadas com o tamanho exagerado do porteiro, conversando, falando de notícias de Paim Filho para a mãe.
Finalmente, por volta das 9 horas, nossa entrada foi liberada e fomos direto à enfermaria onde estava o pai. Ele estava deitado de lado, virado para a porta. Naquele quarto havia mais 4 ou 5 leitos, todos ocupados. O pai nos recebeu com um largo sorriso. Acho que nos ver naquele momento deve ter sido extremamente agradável depois de toda a tensão que havia passado. Tinha um catéter enfiado no ombro, pronto para receber medicamento a qualquer momento. Já lhe haviam preparado para a cirurgia, mas até então, nada havia acontecido. Estranho, pois normalmente as cirurgias são realizadas justamente nas primeiras horas da manhã. Perguntamos se sabia de algo, mas repondeu que ninguém havia falado com ele, que apenas o haviam preparado, administrado medicamentos, alguns tranquilizantes, mas da cirurgia, nada.
De repente, olhamos para o corredor e vimos caminhando em nossa direção um grupo de médicos. Reconheci imediatamente o Dr. Jorge e o Dr. Sílvio, junto com um outro com cara de japonês. O Dr. Jorge balançava a cabeça negativamente, de modo que percebemos que algo não havia dado certo.
- Não vai sair a cirurgia hoje - disse o Dr. Jorge.
- Mas como? O que houve, Doutor? - perguntei aflito.
- Não há UTI disponível. No caso da cirurgia do teu pai, será preciso ter uma UTI disponível, pois haverá necessidade de cuidados especiais, pela perda de sangue, pela extensão da cirurgia. Sem UTI não dá...
E essa agora. Não estava nos planos. Não estava mesmo. Afinal, havíamos viajado por nada? Tudo bem que teríamos vindo da mesma forma para dar aquela força para o pai e para a mãe, mas poderíamos ter vindo no final de semana, sem perder um dia de trabalho.
- Mas, então, quando é que sai a cirurgia, Dr. Sílvio? - perguntamos com aflição.
- Sem previsão. Damos graças a Deus de ter conseguido o leito, mas agora precisamos garantir uma UTI. Normalmente as cirurgias são realizadas nas terças ou nas sextas-feiras. Talvez na próxima terça.
Entendemos. Se não havia outro jeito... Mas foi um balde de água fria. Uma expectativa frustrada. A continuação da ansiedade. O prolongamento do sofrimento físico e psicológico do pai, que agora teria que ficar confinado a uma cama de hospital, quem sabe por vários dias.
- Tudo bem,- resignou-se o Bernardo, que ainda brincou: - vou tirar umas férias e dormir bastante...
Apesar de tudo, foi bom vê-lo sorrindo. Conversamos muito. Procuramos lhe passar segurança. Aproveitamos todo o tempo disponível do horário de visita. Detalhe, havia menos de 3 dias que estava ali e já conhecia todos os companheiros de quarto - um rapaz com a perna fraturada, um senhor mais idoso com problemas renais...mas chamava a atenção o jovem da cama ao lado da dele. Um rapaz moreno, aparentando pouco mais de 30 anos, de nome Roberto. Tinha câncer de estômago e estava ali também para uma cirurgia. Notamos que eles conversavam bastante e isso devia ajudar a passar o tempo.
Terminou o horário de visita e nos chamaram. Nos despedimos com um beijo. Voltaríamos à tarde.
- Fique tranquilo, pai. Vai dar tudo certo! - passei a mão na sua cabeça meio suada.
- Eu estou tranquilo, filho. Deixei tudo nas mãos de Deus.
Descemos até o pátio da Santa Casa e fomos até o local onde estacionavam as ambulâncias que vem do interior diariamente. Não tardou e chegou o motorista da "nossa" lotação. Retornamos ao albergue. Estávamos frustrados. Realmente não havia passado pela nossa cabeça que depois de esperar tanto tempo por um leito dependeríamos ainda da disponibilidade de uma UTI. Em momento algum alguém nos havia mencionado essa possibilidade. Tenho quase certeza que nem os médicos esperavam por isso.

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