sábado, 5 de dezembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXVI
COMEÇA A ROTINA NO HCPA
Voltei a Porto Alegre no Domingo à noite. Dali para diante,isso se repetiria. Fins de Semana em São José e durante a semana em Porto Alegre. Quem conhece as linhas da Unesul e os trajetos que ligam a região Norte do Estado à capital sabem muito bem do sofrimento que são aquelas viagens. Embarca-se as 11 horas da noite para chegar por volta das 6 horas da manhã, enfrentando um “pinga-pinga” noturno inacreditável, além de mal conservados trechos de estrada de chão batido, seja por Ibiraiaras, seja por André da Rocha, dependendo da linha que se pega. Uma aventura a cada viagem. Nem precisa falar do estado em que se chega em Porto Alegre. As poltronas dos “semi-leito” da Unesul não ficam devendo em nada aos propalados apertos dos aviões da Gol. Ah: e sem barrinha de cereal... Mas nada disso figurava em meus pensamentos à época. Hoje, passados mais de 3 anos, fica fácil falar disso e relembrar. Mas naqueles angustiantes momentos, jamais passou pela minha cabeça ou de qualquer dos meus irmãos que aquelas viagens horríveis pudessem ser um empecilho para acompanharmos o drama do nosso pai. Ao contrário, até agradecíamos a Deus por haver essa facilidade de deslocamento.
* * *
Tão logo o horário de visitas foi liberado, lá estava eu aguardando na sala de espera. Naquela Segunda-Feira eu sabia que encontraria o pai já mais acordado, mais falante. Havia me comunicado por telefone com a Mili, que passar ao final de semana na capital e havia recebido algumas notícias que me animaram um pouco mais. Ele vinha evoluindo dentro da normalidade, embora os exames não mostrassem reação do fígado . Já estávamos no sétimo dia após a cirurgia. Se as estatísticas do Dr. Sílvio estivessem corretas, restavam menos de 30% de chances de sobrevida para ele. Mas a informação de que havia registro de alguns pacientes com idêntico problema que reagiram positivamente após o 10º dia nos deixava confiantes e esperançosos.
Entrei.
A CTI tinha 4 leitos, todos ocupados. O pai estava no primeiro. Era monitorado por diversos aparelhos, que produziam aqueles sons característicos de uma CTI. No visor, 110 batimentos por minuto. Respiração normal. Ele estava dormindo, aparentemente. Me aproximei e chamei por ele. Uma, duas vezes. Os olhos se abriram lentamente e ele me olhou. Sorriu ao me reconhecer. Me emocionei na hora e tive que engolir a seco para conter um choro que naquele momento seria altamente inconveniente.
- E então, véio??? Como você está? – perguntei com a voz um pouco embargada.
- Bem! (ele jamais disse que não estava bem) – só um pouco sonolento...
- Alguma dor?
- Nada. Não sinto nada. Só sono.
A letargia era característica do quadro de insuficiência hepática. Sem um bom funcionamento, o fígado produz pouca energia, dando preferência à recomposição dos tecidos lesados e à manutenção geral do organismo. Mesmo assim ele conversava bem.
E foi aí que sai-se com uma estranha conversa...
- Ontem à noite deu um “ba-fa-fá” aqui...
- É mesmo, pai? O que houve?
- Olha, eu até nem sei direito, mas acho que envolve uma enfermeira. Entrou um cara aqui, armado, procurando por ela...depois veio um cara da polícia...
(o pai falava baixinho, como não querendo ser escutado, e gesticulava pra que eu dissimulasse como se não estivesse prestando atenção ao que dizia)...
- Aí veio alguém – continuou- e levou o cara preso...Mas acho que isso não fica assim... vai da problema...
Ouvi atentamente o relato dele, mas como me interessava mais o seu estado de saúde, não dei muita bola para o que dizia. De qualquer forma, pensei, trata-se de um problema interno do Hospital e é ele quem vai ter que resolver. Se alguma enfermeira estiver envolvida em algum crime ou coisa parecida, o HCPA saberá tomar as medidas cabíveis.
Mudamos de assunto.
Contei-lhe algumas notícias de Paim Filho, dos seus amigos, da família. Falei da farmácia, dos negócios, do quanto seus amigos ansiavam pela sua recuperação. Ele mostrou-se satisfeito e logo chamou pela mãe, que aguardava na sala de espera.
Aliás, vale aqui uma palavra sobre a mãe. Ela não desgrudou dele. Tentamos durante muito tempo “tirá-la” um pouco de Porto Alegre, para que descansasse, mas nada fazia com que ela se separasse do pai. Não aceitava quando tentávamos conscientizá-la da gravidade do problema dele. Não aceitava quando tentávamos prepará-la para um possível desfecho ruim do caso do pai. Nada. Na sua cabeça estava fixa a idéia de que o pai iria se recuperar, que retomariam a vida normal e que tudo não passaria de um pesadelo, que seria apagado pela roda do tempo. Manteve-se firme, habitando o albergue, durante 30 dias ininterruptos. A única exceção foi um domingo em que a Mili conseguiu levá-la para Bento, mas teve que trazer ela de volta em seguida. De fato, uma mulher obstinada, que em momento algum desacreditou da recuperação do marido e que ficaria ao seu lado até os últimos momentos, acreditando ainda em sua recuperação.

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