O DIA SEGUINTE
A notícia foi repassada a amigos e familiares tal qual recebida do Dr. Sílvio. Enfatizei as chances de 80% de sobrevivência dele, sem descuidar que todo mundo também ficasse informado dos riscos que corria.
De certa forma, acho que todo mundo recebeu a notícia com otimismo. Lembro de ter ligado ao Dr. Jorge, que participara da cirurgia e que já estava embarcando na viagem de volta, e ter ouvido dele uma breve explicação sobre a cirurgia, acompanhada de uma mensagem otimista sobre o caso. Contei isso a todos que me questionaram a partir de então sobre o estado de saúde do pai.
Viajei naquela noite mesmo para a capital.
Cheguei às 5 da manhã, tomei um táxi e rumei para o albergue, onde encontraria a mãe, o Nando e o Digo. Não lembro se a Mili foi no mesmo dia, mas lembro de termos nos encontrado todos no Hospital Moinhos de Vento. Eu estava muito ansioso para vê-lo e nem consegui tomar o café que a mãe preparou cedinho numa daquelas mesas coletivas. Desta vez eu só voltaria quanto as coisas estivessem bem. Não estava em férias, mas havia ligado para meus superiores e obtido apoio e a licença para acompanhar o pai em Porto Alegre.
* * *
Paciente na UTI só pode receber visitas em alguns momentos do dia e por isso já sabíamos que deveríamos chegar ao hospital e esperar até que as visitas fossem liberadas. Era permitido a entrada de uma pessoa por vez. Chegamos cedo, com a Van fretada pelo albergue e ficamos todos na sala de espera. Eu não conhecia o hospital Moinhos de Vento. Me impressionou a qualidade das instalações, o asseio do ambiente, o acabamento da construção, a organização dos atendentes. Um hospital de primeiro mundo, pensei. E meu pai estava ali. Sendo atendido por uma estrutura dessa magnitude. Por um momento senti uma enorme segurança. Ora, se meu pai necessitava de uma cirurgia complexa, de alto risco, e estávamos num dos melhores hospitais do país, atendidos por médicos de alta categoria, as coisas tendiam a dar certo. E passei a acreditar firmemente que meu pai sairia daquela situação e ainda conviveria conosco durante muitos anos.
Por volta das 9 horas da manhã saía o boletim médico.
Eu e ao Nando descemos até a portaria e aguardamos até que fosse publicado o primeiro boletim do dia. Lemos naquele papel: “ Egídio Bernardo Arsego: inspira cuidados” . Normal. Já esperávamos que depois de uma cirurgia tão complexa, seu quadro fosse esse. Retornamos ao terceiro andar e peregrinamos pelos corredores até retornar à sala de espera da UTI. Enquanto aguardávamos, junto com dezenas de outras pessoas estranhas, ouvíamos aqueles sons característicos e assustadores de eletrocardiogramas, campainhas de aviso, aparelhos de monitoração cardíaca e pulmonar – coisas de UTI mesmo. E nosso pai estava lá dentro, numa daquelas camas, sem 60% do seu fígado, esperando que seu organismo reagisse. Era angustiante. Via-se claramente esse sentimento de angústia também na fisionomia das outras famílias que ali aguardavam o momento de poderem visitar seus familiares.
Quando finalmente foi permitido acessar a sala da UTI, instintivamente passei à frente de todos. Quando percebi, já tinha entrado, deixando para depois a visita da mãe, do Nando, do Digo, da Mili... Mas não havia outro jeito. Era muita apreensão. Eu precisava vê-lo. Eu tinha que me convencer de que ele estava vivo, de que tudo dera certo, de que todo aquele esforço dispendido havia valido, afinal.
Atravessei o corredor, observando como num relâmpago todos os pacientes que enfileiravam-se embrenhados entre dezenas de aparelhos de monitoração, fios, tubos de oxigênio, cateteres... O pai estava no último leito daquela ala. Dormia profundamente, com a boca entreaberta, uma sonda pelo nariz e dezenas de pequenos plugs grudados no peito. Tinha um catéter na artéria do pescoço, por onde entrava alguma espécie de soro e um dreno que descia de seu abdome até um coletor acoplado ao leito, por onde descia um líquido amarelado – certamente líquido que se formava após a cirurgia. Não era muito agradável de se ver aquela cena, mas confesso que esperava até algo pior, como vê-lo entubado ou cheio de esparadrapos pelo rosto. No entanto, seu rosto estava livre, seus aspecto até normal, bem corado.
Perguntei a uma enfermeira se podia acordá-lo. Ela respondeu que sim, mas que deveria falar bem alto, porque ele estava num estado de torpor, ficando difícil manter-se acordado.
Cheguei bem perto e chamei por ele.
- Pai...pai!...
Como não respondesse, coloquei minha boca mais próxima de seu ouvido e chamei novamente, com maior volume, ao mesmo tempo em que bati de leve com a mão em seu rosto.
Então ele abriu os olhos, com grande dificuldade, e olhou pra mim.
- Olá, véio! – pronunciei, com os olhos marejados e tomado pela emoção de percebê-lo vivo e em recuperação.
- Marco!
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ouvir meu nome. Nem sei explicar direito por quê. Acho que naquele momento eu apenas tive a confirmação de tudo o que eu esperava nesse episódio. Foi naquele instante, ao ver que estava ali, vivo, falando comigo, me reconhecendo, que eu tive a confirmação de que toda a iniciativa que eu tivera de tomar a frente, de buscar o tratamento, de dedicar os últimos 60 dias somente a ele, à busca da sua recuperação, foi ali que eu tive de fato a certeza de que tudo havia dado certo, independente dos desfecho, que eu confiava que seria bom.
Não consegui mais falar muita coisa.
- Você está bem, pai?
- Bem, filho, bem. – foi o que ouvi dele, com voz fraca e ar sonolento.
Seus olhos voltaram a se fechar e caiu em sono profundo novamente, em questão de segundos. Percebi que ele precisava descansar. Estava enfraquecido e sob efeito de forte medicação. Não adiantaria estender a visita, nem tentar conversar com ele naquele momento. Ele precisava de repouso. E havia mais gente que desejava vê-lo no dia seguinte ao da cirurgia. Dei-lhe um beijo na testa e me afastei do leito, indo em direção à saída. Um sentimento de alívio e outro de comoção me acompanhavam. Mas eu estava feliz naquele momento. E confiante, muito confiante.
De certa forma, acho que todo mundo recebeu a notícia com otimismo. Lembro de ter ligado ao Dr. Jorge, que participara da cirurgia e que já estava embarcando na viagem de volta, e ter ouvido dele uma breve explicação sobre a cirurgia, acompanhada de uma mensagem otimista sobre o caso. Contei isso a todos que me questionaram a partir de então sobre o estado de saúde do pai.
Viajei naquela noite mesmo para a capital.
Cheguei às 5 da manhã, tomei um táxi e rumei para o albergue, onde encontraria a mãe, o Nando e o Digo. Não lembro se a Mili foi no mesmo dia, mas lembro de termos nos encontrado todos no Hospital Moinhos de Vento. Eu estava muito ansioso para vê-lo e nem consegui tomar o café que a mãe preparou cedinho numa daquelas mesas coletivas. Desta vez eu só voltaria quanto as coisas estivessem bem. Não estava em férias, mas havia ligado para meus superiores e obtido apoio e a licença para acompanhar o pai em Porto Alegre.
* * *
Paciente na UTI só pode receber visitas em alguns momentos do dia e por isso já sabíamos que deveríamos chegar ao hospital e esperar até que as visitas fossem liberadas. Era permitido a entrada de uma pessoa por vez. Chegamos cedo, com a Van fretada pelo albergue e ficamos todos na sala de espera. Eu não conhecia o hospital Moinhos de Vento. Me impressionou a qualidade das instalações, o asseio do ambiente, o acabamento da construção, a organização dos atendentes. Um hospital de primeiro mundo, pensei. E meu pai estava ali. Sendo atendido por uma estrutura dessa magnitude. Por um momento senti uma enorme segurança. Ora, se meu pai necessitava de uma cirurgia complexa, de alto risco, e estávamos num dos melhores hospitais do país, atendidos por médicos de alta categoria, as coisas tendiam a dar certo. E passei a acreditar firmemente que meu pai sairia daquela situação e ainda conviveria conosco durante muitos anos.
Por volta das 9 horas da manhã saía o boletim médico.
Eu e ao Nando descemos até a portaria e aguardamos até que fosse publicado o primeiro boletim do dia. Lemos naquele papel: “ Egídio Bernardo Arsego: inspira cuidados” . Normal. Já esperávamos que depois de uma cirurgia tão complexa, seu quadro fosse esse. Retornamos ao terceiro andar e peregrinamos pelos corredores até retornar à sala de espera da UTI. Enquanto aguardávamos, junto com dezenas de outras pessoas estranhas, ouvíamos aqueles sons característicos e assustadores de eletrocardiogramas, campainhas de aviso, aparelhos de monitoração cardíaca e pulmonar – coisas de UTI mesmo. E nosso pai estava lá dentro, numa daquelas camas, sem 60% do seu fígado, esperando que seu organismo reagisse. Era angustiante. Via-se claramente esse sentimento de angústia também na fisionomia das outras famílias que ali aguardavam o momento de poderem visitar seus familiares.
Quando finalmente foi permitido acessar a sala da UTI, instintivamente passei à frente de todos. Quando percebi, já tinha entrado, deixando para depois a visita da mãe, do Nando, do Digo, da Mili... Mas não havia outro jeito. Era muita apreensão. Eu precisava vê-lo. Eu tinha que me convencer de que ele estava vivo, de que tudo dera certo, de que todo aquele esforço dispendido havia valido, afinal.
Atravessei o corredor, observando como num relâmpago todos os pacientes que enfileiravam-se embrenhados entre dezenas de aparelhos de monitoração, fios, tubos de oxigênio, cateteres... O pai estava no último leito daquela ala. Dormia profundamente, com a boca entreaberta, uma sonda pelo nariz e dezenas de pequenos plugs grudados no peito. Tinha um catéter na artéria do pescoço, por onde entrava alguma espécie de soro e um dreno que descia de seu abdome até um coletor acoplado ao leito, por onde descia um líquido amarelado – certamente líquido que se formava após a cirurgia. Não era muito agradável de se ver aquela cena, mas confesso que esperava até algo pior, como vê-lo entubado ou cheio de esparadrapos pelo rosto. No entanto, seu rosto estava livre, seus aspecto até normal, bem corado.
Perguntei a uma enfermeira se podia acordá-lo. Ela respondeu que sim, mas que deveria falar bem alto, porque ele estava num estado de torpor, ficando difícil manter-se acordado.
Cheguei bem perto e chamei por ele.
- Pai...pai!...
Como não respondesse, coloquei minha boca mais próxima de seu ouvido e chamei novamente, com maior volume, ao mesmo tempo em que bati de leve com a mão em seu rosto.
Então ele abriu os olhos, com grande dificuldade, e olhou pra mim.
- Olá, véio! – pronunciei, com os olhos marejados e tomado pela emoção de percebê-lo vivo e em recuperação.
- Marco!
Meus olhos se encheram de lágrimas ao ouvir meu nome. Nem sei explicar direito por quê. Acho que naquele momento eu apenas tive a confirmação de tudo o que eu esperava nesse episódio. Foi naquele instante, ao ver que estava ali, vivo, falando comigo, me reconhecendo, que eu tive a confirmação de que toda a iniciativa que eu tivera de tomar a frente, de buscar o tratamento, de dedicar os últimos 60 dias somente a ele, à busca da sua recuperação, foi ali que eu tive de fato a certeza de que tudo havia dado certo, independente dos desfecho, que eu confiava que seria bom.
Não consegui mais falar muita coisa.
- Você está bem, pai?
- Bem, filho, bem. – foi o que ouvi dele, com voz fraca e ar sonolento.
Seus olhos voltaram a se fechar e caiu em sono profundo novamente, em questão de segundos. Percebi que ele precisava descansar. Estava enfraquecido e sob efeito de forte medicação. Não adiantaria estender a visita, nem tentar conversar com ele naquele momento. Ele precisava de repouso. E havia mais gente que desejava vê-lo no dia seguinte ao da cirurgia. Dei-lhe um beijo na testa e me afastei do leito, indo em direção à saída. Um sentimento de alívio e outro de comoção me acompanhavam. Mas eu estava feliz naquele momento. E confiante, muito confiante.
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