PARTE XIV
A viagem
Passada a emoção pela conquista do leito na Santa Casa, era urgente que se conseguisse o meio de transporte para chegar em Porto Alegre dentro do prazo. Seria preciso sair de Paim Filho no máximo ao meio-dia, pois para uma viagem tranquila são necessárias entre 5 e 6 horas, conforme o trânsito que se encontra pelo caminho. Então, era urgentíssimo que nos mobilizássemos. O pai e a mãe já estavam preparados há dias. Deveria ser rápido colocar os pertences na mala. Dias antes a mãe havia conversado com o tio Negro (Rodolfo, seu irmão), que havia intermediado a hospedagem dela no alojamento de um albergue mantido por um deputado, na capital. Sabíamos que havia algumas alternativas diferentes, mas a opção pelo albergue nos pareceu a melhor naquele momento, já que a hospedagem era gratuita e os gastos seriam somente com os mantimentos. Além disso, o próprio albergue mantinha um serviço de transporte, conduzindo os familiares até hospitais e clínicas em horários pre-determinados ou sempre que necessário. Ou seja, vinha bem a calhar para a nossa necessidade, além de nos dar uma certa sensação de autonomia. E aqui fica uma observação importante: jamais concordei com as pessoas e parte da imprensa que começaram a bater forte nos deputados que mantém albergues (e são vários, de vários partidos políticos), alegando fins eleitoreiros. Primeiro porque acho que apenas estão viabilizando algo que deveria ser proporcionado pelo Estado e não o é. Segundo, porque vi de perto todo o bem que esses albergues fazem a toda a população que os procura, principalmente aos mais carentes. E, terceiro, porque ficamos cerca de 1 mês no albergue e jamais alguém sequer tocou em assunto de política conosco. Não sou ingênuo prá imaginar que os deputados não tenham algum objetivo nesse sentido quando gastam boas somas em dinheiro para manter albergues em funcionamento, que tem um fluxo contínuo de pessoas, que são potenciais eleitores. Mas não vejo nada de errado nisso. Os que criticam deveriam fazer o mesmo. Haveria muito mais vagas disponíveis. Ponto.
Voltando ao dia da viagem.
Já passava das 10 horas da manhã e nada de conseguirmos o carro. Uma das ambulâncias de Paim estava em Passo Fundo. A outra estava com problemas. De modo que não havia condições de se aguardar por esse meio. Liguei para Cacique Doble, onde tenho muitos amigos, inclusive da administração municipal e pedi socorro, mesmo sabendo que éramos de outro município . Colocaram-se à disposição para ceder a ambulância, mas não naquele horário, já que também estava em Passo Fundo. Já muito aflito, peguei o carro e fui atrás do secretário da saúde de São José do Ouro, também meu amigo, e quase implorei para que me ajudasse. Mas, incrivelmente, a ambulância estava em...Passo Fundo. Aí a adrenalina subiu de novo. Começa a bater aquela sensação de impotência, de insegurança, de desespero, até. Será que depois de tanto tempo à espera de um leito, justo no dia em que se consegue não teríamos transporte disponível? Lembro de ter ligado pro pai e encontrado ele muito nervoso. Recebi até um xingão pelo telefone, coisa que era muito rara de parte dele. Estava com os nervos à flor da pele, era visível.
Então, não houve alternativa. Já eram quase 11 horas da manhã quando eu desisti de contar com "ajuda externa". Raciocinei que ele não estava num estado que necessitasse de uma ambulância para ser transportado, longe disso. Um carro simples bastava. E isso eu tinha. Liguei prá Neu e disse "Neu, não tem jeito, acho que vou emprestar o nosso carro mesmo prá eles irem a Porto Alegre, o que você acha?" Como sempre, ela concordou prontamente. "É o teu pai" - disse ela.- "faça o que achar que tem que ser feito, não precisa perguntar nada prá mim sobre isso..."
Liguei então prá farmácia e falei com eles. "Arrumem um motorista, que eu estou saindo agora daqui. Vocês vão no meu carro."
Ao meio-dia, eu estacionei em frente à farmácia. O motorista seria o seu Rocha, ex-cabo da Brigada Militar e nosso amigo, que conhecia bem o trajeto e os endereços em Porto Alegre.
Carregamos o porta-malas. Nos abraçamos, nos beijamos. Desejamos boa sorte ao pai e à mãe. Passava pouco do meio-dia. Chegariam a tempo, com certeza. Se não me engano, o Nando emprestou seu celular prá mãe, a fim de termos um canal de comunicação. E partiram. Fiquei olhando aquele carro dobrar a esquina. Acho que meus olhos acompanharam cada volta dos pneus, como se a cena se desenrolasse em câmera lenta. Não havia uma música ao fundo, mas se houvesse, com certeza tudo lembraria uma cena de novela ou de cinema. E na garganta da gente ficou um nó. Poucas vezes durante toda a minha vida eu havia me despedido dos meus pais de maneira semelhante. Dessa vez tudo pareceu diferente. Pairava mesmo no ar uma sensação estranha.
Assim que o carro sumiu de nossa vista, ainda conversamos um pouco na frente da farmácia. Acho que combinamos alguma coisa, nem lembro o que, com a Jussane. E em seguida entrei no fusquinha vermelho do pai e rumei para São José de novo. Me dei conta de que ainda não havia almoçado. Mas não tinha fome. Fui direto para o Banco, tentar retormar a rotina. Ao final da tarde, finalmente eu ligaria para a mãe, e saberia se dera tudo certo. Ao final da tarde.
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