VIDA NORMAL DEPOIS DO HOSPITAL
O pai teve alta no dia seguinte. Já se sentia melhor, alimentou-se, recobrou as forças. Na saída de Erexim pediu para parar em uma banca de frutas. Queria pêssegos, fruta que gostava muito. Comprei uns quilos.
Chegamos em Paim por volta do meio-dia e a mãe o recebeu com um abraço. Rejeitei o convite prá almoçar, pois não via hora de chegar em São José do Ouro, rever a Neu e as meninas e descansar, recuperar o sono perdido na noite anterior.
Os dias que se seguiram foram de observação. Eu mantinha (tenho até hoje) todos os resultados dos exames que o pai fazia. Acompanhava atentamente a evolução dos índices que nos diziam da atividade do seu fígado. Ao longo de todo o período de sua doença, devo ter aprendido tanto sobre o sistema hepático que poderia escrever um tratado sobre o assunto. Cada exame era por mim analisado minuciosamente e depois remetido por e-mail ao Dr. Sílvio, que de Porto Alegre me dava seu parecer. Ele evoluía bem. Conforme o fígado se recompunha, os índices melhoravam. As principais enzimas produzidas pelo órgão evidenciavam a gradativa melhora, o que nos enchia de esperança, mesmo que agora tivéssemos que conviver com os novos nódulos que haviam surgido.
Claro que também o pai começava a nutrir uma expectativa mais positiva sobre o seu caso. Ao sentir-se melhor, pode retomar parte de sua rotina. Voltou a atender clientes na farmácia, ia diariamente ao Clube para jogar baralho com os amigos, freqüentava a missa. Até o seu fusquinha ele tentou dirigir, mas a pouca força não lhe permitia mais.
A mãe, por sua vez, parecia não entender que a doença o deixara assim tão debilitado e de certa forma passou a exigir que ele se comportasse como estivesse curado. O tratava assim. Talvez fosse o desejo profundo de ignorar a tragédia pessoal, criando em seu subconsciente um mundo novo, onde nada daquilo tivesse acontecido, como se tudo não tivesse mesmo passado de pesadelo,agora terminado. Cuidava muito bem dele, não se tenha dúvida. Não saia do seu lado, alimentava-o (até demais), prescrevia-lhe a medicação, cuidava de sua aparência. Mas exigia, ao mesmo tempo, que se comportasse como uma pessoa normal, o que evidentemente ele não mais conseguia. Mas talvez esse comportamento da mãe fosse exatamente uma forma de fugir daquela realidade cruel que se abatera sobre um casal que convivia há quase 50 anos cuidando-se mutuamente,dividindo alegrias e tristezas e cuja continuidade agora estava seriamente ameaçada por uma doença que se mostrava potencialmente fatal.
Durante cerca de 60 dias as coisas andaram bem. Deu até para eles viajarem para Bento Gonçalves e ficarem alguns dias visitando a Mili e o Digo.
Na volta da viagem, porém, era hora de voltarmos ao Hospital de Caridade e verificarmos o resultado da primeira alcoolização.
Os exames preliminares de sangue, antes de qualquer procedimento, apontaram uma elevação da concentração de “alfafetoproteína”. Significava que o câncer ainda estava ativo. Os nódulos teriam que ser novamente tratados. Vinha aí outra internação e a repetição do procedimento.