PARTE XL
A SURPRESA E A DECEPÇÃO
Sessenta dias.
Foi esse o prazo que o Dr. Paulo nos deu para levarmos o pai de volta a Erexim para exames. Era o final do mês de Abril e já marcamos no calendário a data provável de nosso retorno ao seu consultório.
Mas a recuperação lenta e gradativa do pai parecia ser tão consistente que acabamos nutrindo a esperança de podermos incluí-lo na fila de transplantes. Afinal, os transplantados de fígado, quando tudo dá certo, acabam ganhando uma sobrevida que os faz esquecer que estiveram doentes e vivem décadas a mais. Precisávamos tentar. Não nos contentaríamos com uma expectativa de vida tão curta para o nosso pai. Assim, tratamos de contatar novamente com a Marília, lá em Porto Alegre, para que intermediasse uma conversa com os médicos da equipe de transplantes do Hospital de Clínicas, a fim de sabermos se o pai iria ou não ser considerado um paciente com chances de ser incluído na fila, já que tínhamos conhecimento das exigências legais para tal. Aproveitamos e marcamos também uma consulta com o Dr. Sílvio, que queria vê-lo.
Em Junho, o pai e a mãe viajaram até Bento, para passar uns dias com a Mili. De lá, iriam a Porto Alegre. O pai estava bem. Conseguia viajar com tranqüilidade. A única coisa a atrapalhar era o vigor físico, que havia caído demais, deixando-o com as forças muito reduzidas. Mas já conseguia caminhar por distâncias maiores. Num ritmo bem mais lento do que antes, é verdade, mas conseguia. Quando ele e a mãe viajavam para
visitar a Mili e o Digo, ficávamos mais tranqüilos por aqui, pois sabíamos que ele estaria bem e feliz. Rever os netos Nain e Amanda era um bálsamo, pois a distância devia gerar uma saudade muito grande. Além do que, imagino que a consciência de portar uma doença grave e não ter certeza do tempo que lhe restava de vida devia fazer um efeito multiplicador nos seus sentimentos afetivos.
Feita a consulta com o Dr. Sílvio, que pode avaliar a sua condição naquele momento, foi a vez de ir até o Hospital de Clínicas e reunir-se com a equipe de médicos. Eu não estava junto, mas a Mili me relatou que dentre os médicos estavam alguns que o haviam atendido e liberado para voltar para casa, meses antes. Um deles, teria dito o seguinte, com surpresa: “Você aqui? Não era prá você estar aqui!”. Referia-se claramente à expectativa de sobrevida. Quando o liberaram para voltar à sua terra, o fizeram certos de que o homem não duraria mais do que dois ou três meses. Tudo indicava isso, segundo os exames e o acompanhamento da evolução de sua recuperação. E lá estava o seu Bernardo, contrariando a tudo isso. Debilitado, é verdade, mas firme, se recuperando. Sem dúvida uma grande e grata surpresa para os médicos que haviam cuidado dele.
A conversa, no entanto, evoluiu para um desfecho que não esperávamos. Após detalharem a condição da doença dele, os procedimentos realizados, o acompanhamento, o resultado dos exames, veio a sentença definitiva: ele não era paciente apto a concorrer a um transplante de fígado. A lei de transplantes prevê que podem ser incluídos pacientes com câncer hepático desde que o tumor inicial não seja superior a 5 cm quando descoberto e retirado, ou no máximo 3 pequenos tumores de no máximo 3 cm. O do pai era único, mas com mais de 8 cm. Além disso, havia a cirrose. E mais ainda, a idade dele, passando de 60 anos. Todos esses fatores, reunidos, colocavam-no definitivamente fora da lista de transplantes. Para nossa decepção. Nossa, não do pai. Ele nos confidenciou depois, que torceu muito para que não fosse possível colocá-lo na fila. Disse que não queria submeter-se a todo aquele sofrimento novamente, preferindo apostar numa recuperação mesmo que parcial do seu fígado. Não falou, mas deixou transparecer, que preferia enfrentar a morte do que outra cirurgia como aquela. Que preferia ter uma sobrevida menor, mas certa, do que deitar-se novamente em uma cama e não saber se acordaria para o mundo outra vez, já que os riscos seriam dobrados . E respeitamos sua opinião, mesmo decepcionados com a impossibilidade de inscrever seu nome na fila de transplantes.
A mensagem dos médicos ficou muito clara, naquele momento. Deveríamos continuar o tratamento com o Dr. Paulo, em Erexim. Não devíamos mais voltar ao HCPA com ele, porque não adiantaria. Já que ele conseguira sobreviver com índices tão baixos de atividade hepática e que havia um hospital e um médico próximos de Paim Filho em condições de acompanhar sua evolução, devíamos fazer isso. E torcer para que seu organismo desse jeito de curá-lo definitivamente e dar-lhe a tão esperada sobrevida. Afinal, ele já surpreendera os médicos em várias ocasiões. Quem sabe o milagre não estava por acontecer?...
A SURPRESA E A DECEPÇÃO
Sessenta dias.
Foi esse o prazo que o Dr. Paulo nos deu para levarmos o pai de volta a Erexim para exames. Era o final do mês de Abril e já marcamos no calendário a data provável de nosso retorno ao seu consultório.
Mas a recuperação lenta e gradativa do pai parecia ser tão consistente que acabamos nutrindo a esperança de podermos incluí-lo na fila de transplantes. Afinal, os transplantados de fígado, quando tudo dá certo, acabam ganhando uma sobrevida que os faz esquecer que estiveram doentes e vivem décadas a mais. Precisávamos tentar. Não nos contentaríamos com uma expectativa de vida tão curta para o nosso pai. Assim, tratamos de contatar novamente com a Marília, lá em Porto Alegre, para que intermediasse uma conversa com os médicos da equipe de transplantes do Hospital de Clínicas, a fim de sabermos se o pai iria ou não ser considerado um paciente com chances de ser incluído na fila, já que tínhamos conhecimento das exigências legais para tal. Aproveitamos e marcamos também uma consulta com o Dr. Sílvio, que queria vê-lo.
Em Junho, o pai e a mãe viajaram até Bento, para passar uns dias com a Mili. De lá, iriam a Porto Alegre. O pai estava bem. Conseguia viajar com tranqüilidade. A única coisa a atrapalhar era o vigor físico, que havia caído demais, deixando-o com as forças muito reduzidas. Mas já conseguia caminhar por distâncias maiores. Num ritmo bem mais lento do que antes, é verdade, mas conseguia. Quando ele e a mãe viajavam para
visitar a Mili e o Digo, ficávamos mais tranqüilos por aqui, pois sabíamos que ele estaria bem e feliz. Rever os netos Nain e Amanda era um bálsamo, pois a distância devia gerar uma saudade muito grande. Além do que, imagino que a consciência de portar uma doença grave e não ter certeza do tempo que lhe restava de vida devia fazer um efeito multiplicador nos seus sentimentos afetivos.
Feita a consulta com o Dr. Sílvio, que pode avaliar a sua condição naquele momento, foi a vez de ir até o Hospital de Clínicas e reunir-se com a equipe de médicos. Eu não estava junto, mas a Mili me relatou que dentre os médicos estavam alguns que o haviam atendido e liberado para voltar para casa, meses antes. Um deles, teria dito o seguinte, com surpresa: “Você aqui? Não era prá você estar aqui!”. Referia-se claramente à expectativa de sobrevida. Quando o liberaram para voltar à sua terra, o fizeram certos de que o homem não duraria mais do que dois ou três meses. Tudo indicava isso, segundo os exames e o acompanhamento da evolução de sua recuperação. E lá estava o seu Bernardo, contrariando a tudo isso. Debilitado, é verdade, mas firme, se recuperando. Sem dúvida uma grande e grata surpresa para os médicos que haviam cuidado dele.
A conversa, no entanto, evoluiu para um desfecho que não esperávamos. Após detalharem a condição da doença dele, os procedimentos realizados, o acompanhamento, o resultado dos exames, veio a sentença definitiva: ele não era paciente apto a concorrer a um transplante de fígado. A lei de transplantes prevê que podem ser incluídos pacientes com câncer hepático desde que o tumor inicial não seja superior a 5 cm quando descoberto e retirado, ou no máximo 3 pequenos tumores de no máximo 3 cm. O do pai era único, mas com mais de 8 cm. Além disso, havia a cirrose. E mais ainda, a idade dele, passando de 60 anos. Todos esses fatores, reunidos, colocavam-no definitivamente fora da lista de transplantes. Para nossa decepção. Nossa, não do pai. Ele nos confidenciou depois, que torceu muito para que não fosse possível colocá-lo na fila. Disse que não queria submeter-se a todo aquele sofrimento novamente, preferindo apostar numa recuperação mesmo que parcial do seu fígado. Não falou, mas deixou transparecer, que preferia enfrentar a morte do que outra cirurgia como aquela. Que preferia ter uma sobrevida menor, mas certa, do que deitar-se novamente em uma cama e não saber se acordaria para o mundo outra vez, já que os riscos seriam dobrados . E respeitamos sua opinião, mesmo decepcionados com a impossibilidade de inscrever seu nome na fila de transplantes.
A mensagem dos médicos ficou muito clara, naquele momento. Deveríamos continuar o tratamento com o Dr. Paulo, em Erexim. Não devíamos mais voltar ao HCPA com ele, porque não adiantaria. Já que ele conseguira sobreviver com índices tão baixos de atividade hepática e que havia um hospital e um médico próximos de Paim Filho em condições de acompanhar sua evolução, devíamos fazer isso. E torcer para que seu organismo desse jeito de curá-lo definitivamente e dar-lhe a tão esperada sobrevida. Afinal, ele já surpreendera os médicos em várias ocasiões. Quem sabe o milagre não estava por acontecer?...
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