PARTE XLIII
STRESS...
De alguma forma, por ironia do destino, era apenas agora, por força do enfrentamento de tão grave doença, que ele finalmente teria direito a um descanso de “aposentado”. De fato, desde 1995 quando se aposentara por tempo de contribuição ao INSS, ele vinha se queixando de que estava cansado do trabalho na farmácia. Não que fosse uma atividade cansativa. Ao contrário, atender no balcão lhe era prazeiroso. Lá ele tinha contato com pessoas. Tinha uma rotina com horários que ele próprio determinava e dentro dos quais se organizava de forma a mesclar o trabalho com o lazer. Além do fato de que tinha mesmo prazer em atuar numa atividade ligada à saúde, onde podia exercitar aquilo que mais gostava: ajudar pessoas. Mas o que estava lhe deixando desgostoso e estressado era a dificuldade que enfrentava no cumprimento à legislação cada vez mais rigorosa com relação às farmácias. Antigamente não era assim. De certa forma , lhe incomodava o fato de ter sido funcionário de dois patrões e tê-los visto prosperar naquele ramo, praticamente sem dissabores dessa ordem. Quando, após um hercúleo sacrifício, conseguiu finalmente tornar-se dono de seu próprio negócio (ou de metade dele) deparava-se agora com problemas que não foram enfrentados por João Lacerda e Moacir Guimarães, os antigos patrões. A concorrência, que antes não havia, agora tirava boa parte do faturamento e reduzia suas possibilidades de ter uma situação financeira estabilizada. Não bastasse isso, havia alguns anos que a falta de bioquímicos no mercado era a pedra no sapato dos donos de farmácia das pequenas cidades do interior. E a cada pouco tempo uma nova lei aumentava ainda mais as exigências. Seguidamente referia-se ao tempo em que era apenas um balconista na antiga farmácia Lacerda e lembrava que o seu João era o próprio responsável legal pelo estabelecimento. Naqueles tempos, bioquímico era profissional raro no mercado. Tanto mais naqueles cantinhos escondidos do Rio Grande, isolados do mundo por estradas de chão que causariam arrepios nos fabricantes de automóveis. A exigência do bioquímico veio bem depois. Mesmo no tempo do Moacir, um farmacêutico podia assinar como responsável pelo estabelecimento sem precisar estar presente o tempo todo. Bastava que uma vez ao mês, por exemplo, passasse por lá para assinar o livro de ocorrências. Ganhava para isso, já era uma despesa a mais. Mas não havia pressão alguma da entidade de classe ou do governo cobrando a atuação do profissional. Nos últimos anos, no entanto, a lei recrudecera. E a exigência de um farmacêutico em tempo integral no horário de atendimento foi a gota d’água. O Conselho Regional de Farmácia, na defesa de seus interesses, pressionava o governo, que criava e regulamentava leis. Mas não havia ainda profissionais suficientes para atender ao mercado. Durante vários anos o pai contratava um bioquímico e pensava ter resolvido o problema. Mas logo ali adiante o perdia para um centro maior e recomeçava o stress, que se traduzia em sucessivas notificações e multas aplicadas pelo CRF. Essa situação lhe causava grande desconforto. Vivia nervoso, irritado. E só relaxava mesmo quando saia para se encontrar com os amigos, jogar seu baralhinho e bebericar aperitivos. Não foram poucas as vezes em que pediu minha ajuda para tentar encontrar um profissional que se dispusesse a ser o responsável técnico da Farmácia Lacerda e representasse o fim daquele tormento. E várias vezes eu consegui isso. Mas era sempre por pouco tempo. Logo estávamos nós novamente na “estaca-zero”. E ele estava cada vez mais intolerante com essa situação. Já não demonstrava um mínimo de paciência para lidar com isso e logo “chutava o balde”. Notava-se claramente que já não agüentava mais. E assim os períodos em que ficava na farmácia foram se tornando cada vez mais curtos, de modo que a mãe e a Jussane passaram a ser, de fato, as atendentes. Sua inconformidade passou a servir de pretexto para ausentar-se. Longe da empresa, acho que conseguia relaxar e sentia-se um pouco mais feliz.
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