Em casa, finalmente
A notícia de que o pai estava retornando naquele dia caiu com uma bomba. Apressei-me em informar a todos os parentes, amigos, colegas, com incontida euforia. As pessoas percebiam essa euforia nas minhas palavras e compartilhavam aquele momento, entendendo o sentimento que tomava conta de mim, ficando rapidamente contaminados pela mesma alegria. E completavam com palavras de incentivo. De fato, já não importava mais em que estado voltariam a ver o Bernardo, mas que finalmente voltariam a vê-lo. Vivo. Coisa impensável por um um bom tempo durante sua recuperação naquele período pós-cirúrgico em Porto Alegre.
Em Paim Filho não foi diferente. Nas cidades pequenas o "boca-a-boca" pode ser mais rápido que as ondas do rádio. Em poucas horas a cidade toda sabia que aquele personagem local a quem haviam dedicado horas e horas de orações estava voltando para casa, senão recuperado, em condições de continuar sua recuperação junto de familiares e amigos, como era desejo dele e de todos.
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Mal esperei para concluir os trabalhos daquela tarde e pedi licença aos colegas da agência. Eu tinha que sair mais cedo, pois uma viagem, curta mas importante, me aguardava. Não que eu precisasse sair mais cedo, pois a previsão era de que chegariam de Porto Alegre depois das 7 da tarde, mas porque naquele dia não era mais o trabalho que me motivava e sim a expectativa nervosa de rever o pai. Sabia que o encontraria debilitado, mais magro, envelhecido, até. Mas também sabia que estaria lá um homem esperançoso, feliz com o retorno, com saudades e ansioso por reencontros. Fazia então mais de 10 dias que eu não o via, desde a última viagem a Porto Alegre. O último final de semana eu havia reservado para minha esposa e minhas filhas. Era o primeiro que eu passara integralmente com elas nos últimos 60 dias, desde a internação dele na Santa Casa. A rotina desde então, era trabalhar de segunda Sexta-Feira, viajar na Sexta à noite para a capital e retornar no Domingo. Mesmo no meu período de férias, quando a ordem se invertera, eu viajava no domingo à tarde e retornava, à vezes, apenas na madrugada do domingo seguinte. De forma ininterrupta. É assim que acontece quando se tem um familiar doente sendo tratado num hospital distante. Quem já passou por isso sabe do que estou falando. Naquele final de semana, portanto, diante do fato de que o pai já estava na iminência de receber alta, não tive como dizer que não, quando minhas três mulheres da casa literalmente me "intimaram" a ficar em São José do Ouro.
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Chegamos em Paim Filho por volta das 7 da noite. Era o mês de Março e já não havia horário de verão, de modo que o sol já baixara no horizonte. Mas o calor ainda era forte. Estacionei o carro na frente da farmácia, que já havia fechado. Já na garagem da casa, ouvimos vozes, dando conta de que o pai já estava na sala. Com o coração mais acelerado, adiantei-me e abri a porta, na expectativa de vê-lo. E lá estava ele. Sentado na "cadeira-de-papai" com que lhe haviamos presenteado anos antes, rodeado pela família do Nando e alguns amigos, revendo algumas fotografias, enquanto sorria com ar cansado. Estava, de fato, muito mais magro do que eu poderia supor. Os cabelos grisalhos haviam crescido muito além do que normalmente ele deixava crescerem e sua pele, antes corada e de aspecto saudável, agora lhe dava ares de uma pessoa extremamente doente. Em dez dias, o pai havia mudado muito. Sua fisionomia não era mais aquela do "jovem sexagenário" , como ele sempre brincava, mas de um idoso de mais de 80 anos. Sem exagero. Cheguei perto dele e tive que chamar sua atenção, pois estava concentrado numa foto. O sorriso que abriu quando me viu pareceu tocar o fundo da minha alma. Abracei sua cabeça contra meu peito como se o fizesse com uma bola de futebol e beijei sua testa empapada de suor, enquanto continha as lágrimas que ansiavam em brotar dos meus olhos. Me segurei. Desta vez não. Desta vez eu não iria chorar. Desta vez eu queria rir, fazer as tradicionais brincadeiras sem graça como sempre fazíamos e conversar. Atualizar notícias. Contar dos parentes. Saber das recomendações médicas.
Então voltei-me para a porta da cozinha. A mãe estava lá, limpando alguma coisa e já preparando algo para o jantar. Me dei conta, então, de que não havia lhe abraçado. Ela voltara junto com o pai. E não recebera nenhuma atenção. Ela, que fora aquela fortaleza desde o início de nossa odisséia, não arredando pé de perto do pai um único instante, também estava ali. Também retornara. Também estava cansada. Também queria um beijo e um abraço. Fui até ela e lhe dei um abraço forte e um beijo na testa. Ela me olhou nos olhos, apontou-me o indicador e disse sorrindo: "acredita agora? Eu não disse que traria ele de volta?". Referia-se claramente àquele dia em que cheguei ao apartamento da Marília em desespero pelo fato de o Dr. Sílvio tê-lo praticamente "desenganado" antes do exame fatídico que poderia apontar uma grave complicação e levá-lo definitivamente à morte, o que não se confirmou depois. Foi naquele dia, depois de passado o susto, que ela debruçou-se em orações e passou a afirmar com impressionante segurança que o pai iria retornar vivo para Paim Filho. E mesmo nos piores momentos, quando tudo indicava o contrário, manteve sua convicção. Dei-lhe mais um abraço e só pude concordar: "é, mãe, você estava certa. Ele está aí!".
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