quinta-feira, 21 de maio de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE IX


DR. JORGE E DR. SÍLVIO


Impressionante como o pai encarou tudo o que estava acontecendo com ele. Claro que devia estar extremamente preocupado e sabendo que se tratava de uma situação muito grave, mas nunca o vi, durante todo o transcorrer de seu drama pessoal, queixar-se um único instante. Não reclamava de dor, não se queixava de nada. Limitava-se a responder quando perguntado. Mesmo nesses momentos tensos vividos durante o diagnóstico, ficamos nós muito mais nervosos e apavorados do que ele. Ao menos era o que ele passava prá gente. Talvez no seu íntimo o sentimento pudesse até ser outro, mas se assim foi, ele soube suportar de tal maneira o seu próprio sofrimento que conseguiu nos transmitir exatamente a impressão de que não sofria.
Na semana seguinte, dia 02 de Dezembro, eu e o Nando levamos o pai até Ibiaçá para a consulta com o Dr. Jorge. Por telefone, dias antes, enquanto combinava o horário, pedi a ele que tentasse "levantar o astral" do pai, justamente porque imaginava que ele estivesse meio depressivo com toda essa situação. O Dr. Jorge procurou fazê-lo. No entanto, ao concluir o exame de ultrassom, deixou evidente a sua decepção com a imagem que observava no visor. Acredito que o Dr. Jorge estivesse imaginando que o tumor do pai fosse menor, semelhante ao do seu próprio pai, o que facilitaria as coisas, sem dúvida. Espantou-se o Dr. Jorge ao se deparar com um tumor enorme, que tomava praticamente todo o lado direito do fígado do pai. Ele nos olhava com ar preocupado enquanto distraia o paciente com conversas animadoras. Depois, já no seu birô, começou a explicar uma série de coisas sobre a cirurgia que deveria ser feita, sobre a anatomia do fígado, sobre os "lobos" hepáticos que estavam atingidos. E tirou uma conclusão importante: "Bem, - disse ele, afinal- "o nódulo é relativamente grande, mas seus contornos são bem definidos, o que indica não estar ramificado, o que é bom. Também é bom que não haja metástases, como já foi diagnosticado nos exames. Tudo isso significa que trata-se de um nódulo originário das próprias células hepáticas, um legítimo hepatocarcinoma." E continuou: " Então, o que devemos fazer é uma cirurgia que extirpe o tumor. Já vi casos em que foi necessário retirar cerca de 80% do fígado. Como o fígado é o único órgão que tem capacidade de regeneração, em aproximadamente 8 dias o paciente pode deixar o hospital e em mais ou menos 4 meses o fígado estará refeito totalmente. É a cura. Nem cabe quimioterapia ou radioterapia. A cirurgia tende a ser curativa mesmo. Depois, acompanhamentos periódicos permanentes, alguma dieta, zero de bebida alcoólica..." - " mas tu vai sobreviver, véio". Como meu pai sobreviveu..."- disse ele, batendo nas costas do pai.
O pai sorriu, fez as suas costumeiras piadinhas, brincou com a condição de não poder mais beber o seu precioso vinho.
Enquanto isso, o Dr. Jorge nos passava instruções sobre os próximos passos. Iria contatar com o Dr. Sílvio logo em seguida. Era esse até então misterioso Dr. Sílvio quem iria intermediar a reserva de um leito pelo SUS para o pai. A cirurgia aconteceria na Santa Casa, em Porto Alegre e o Dr. Jorge participaria dela. Deveríamos então aguardar e ficarmos preparados, porque no dia em que nos chamassem deveríamos viajar imediatamente. A reserva de um leito na Santa Casa, em razão da demanda, não poderia ficar em aberto por mais de algumas horas, sob pena de perda da vaga.

Entendemos.
Deixamos o hospital de Ibiaçá e nos dirigimos para o carro, a fim de retornarmos.
Quando começávamos a descer a escadaria, o pai foi para o outro lado.
- Aonde está indo, pai? - perguntei.
- Quero falar com o Padre Édson.
O padre Édson é um parente nosso, filho de um primo dele, que ainda hoje administra o Santuário de N.Sa. Consoladora, de Ibiaçá. O pai sabia que ele estava na Canônica, que ficava há poucos metros do hospital, descendo outra pequena escadaria. Nós o acompanhamos e, de fato, encontramos ali o Padre Édson. Após os cumprimentos e algumas necessárias explicações, seguiram os dois para uma sala. A porta foi fechada e ali tiveram uma conversa. Foram cerca de 15 minutos, enquanto eu e o Nando ficávamos admirando fotos e quadros na parede, além de algumas lembrancinhas que a Igreja sempre mantém para os fiéis que visitam a canônica. Até compramos algumas, depois. Quando deixaram a sala, logo nos despedimos do padre e fomos em direção ao carro. No caminho de volta, ficamos sabendo o que ele queria com o sacerdote. Disse que fora até ele para "confessar-se" e pedir a sua bênção, e que estava colocando tudo nas mãos de Deus. Foi aí que sentimos que iniciava a sua preparação psicológica para o que viria. Durante todo o trajeto de volta, até Paim, só conversamos amenidades. Contamos piadas, rimos bastante.
Chegamos em Paim Filho ao escurecer. Deixei o Nando em casa e desci até a farmácia. Entrei um pouco, dei um abraço na mãe, beijei os dois e rumei para São José do Ouro. Estava bastante cansado naquele dia.

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