quinta-feira, 28 de maio de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...


PARTE X



NA CAPITAL



De volta de Ibiaçá, como sempre fazia, relatei para a Neu tudo o que tinha se passado, a viagem, a conversa com o Dr. Jorge, as perspectivas de tratamento para o pai. Invariavelmente ela procurava me animar e não foi diferente naquele dia. Aliás, começávamos a ter uma certa sensação de otimismo, agora que já tínhamos algumas informações a mais sobre a doença e sobre o prognóstico. Interessante como essa situação foi tomando conta da vida da gente, nos envolvendo de tal forma que eu ficava 24 horas por dia focado naquilo. Eu ía trabalhar, atendia aos clientes, mas meu cérebro não desligava um só instante do problema. Eram diversos telefonemas durante o dia, que começavam sempre por uma ligação para a farmácia, em Paim, para saber como o pai estava. E a cada conversa eu sempre procurava passar muito otimismo, tirar dúvidas, repassar informações que eu obtinha na internet ou com alguns amigos médicos, que me contavam histórias de todo tipo. Descobri até que uma prima dele, que vivia em Tupanci do Sul, havia tido exatamente o mesmo problema, um hepatocarcinoma, tendo ficado completamente curada. Já fazia mais de seis anos. Ora, notícias como essa animariam o mais pessimista dos doentes e com meu pai não poderia ser diferente.

Seguiram-se, então, alguns dias de calmaria, enquanto aguardávamos o tal leito que o Dr. Sílvio conseguiria na Santa Casa.

Na semana seguinte, marcamos uma consulta com o Dr. Sílvio. Tirei um dia de folga e viajamos, de ônibus. Antes, liguei para a Marília e pedi se a gente podia aguardar no seu apartamento até a hora marcada para a consulta, já que chegaríamos por volta das 5:30 da manhã e não aguentaríamos ficar zanzando pela rodoviária até as 10 horas, horário da consulta. Claro que a Marília não só concordou como disse que ficaria "ofendida" se não fôssemos lá. Uma primeira de tantas gentilezas que nos faria doravante.

O câncer estava ativo e vez por outra o pai se queixava de um pouco de dor na altura do fígado. Haviam lhe receitado Lisador. E ele passou a tomar regularmente o remédio, que aliviava o sintoma e o fazia esquecer do problema. Aliás, quem não soubesse do caso teria dificuldades em entender que o pai padecia de grave enfermidade, pois ele praticamente não mudou em nada o seu comportamento, a não ser por alguns breves momentos de abatimento, que logo sumiam quando puxávamos alguma conversa ou contávamos alguma piada. Isso foi marcante durante toda a sua doença, quase até o final.

Chegamos no apartamento da Marília de táxi, mais ou menos às 6 horas. Nem lembro se ela estava em casa. Parece que tinha deixado a chave do ap com o zelador, se não me engano, e havia nos repassado algumas instruções sobre quando saíssemos. O fato é que conseguimos descansar um pouco na sala. Acomodamo-nos e ligamos a TV. Lembro que estava passando um jogo de futebol internacional que nos interessava, acho que da seleção brasileira. Mas enquanto eu assistia, percebi que o pai, sentado na poltrona, adormecera profundamente. Fiquei olhando prá ele durante alguns instantes e senti uma profunda tristeza naquele momento. Estava acontecendo tudo tão rápido. Num instante a descoberta de uma doença grave, no outro a perspectiva da cirurgia, no outro ainda lá estávamos nós na capital para uma consulta com um especialista...parecia que não dava tempo prá gente assimilar os fatos que se desenrolavam em grande velocidade...

Olhei para o relógio e percebi que já eram 9:30.

Acordei o pai e saímos.

Preferi ir a pé. Confiei que o pai estaria em forma para uma pequena caminhada. Pequena? Depois fiquei com pena dele. Nos informamos sobre como chegar na Rua General Vitorino e fomos andando. Subimos uma ladeira na rua Ramiro Barcellos e dobramos à esquerda, em direção à Santa Casa, já que a informação era de que o consultório do Dr. Sílvio seria próximo dali. Só não pensei que seriam tantas quadras. Não chegava mais. E assim começamos a "queimar tempo", de modo que fatalmente nos atrasaríamos para a consulta se não apressássemos o passo. Fiz o velho andar num trote que acho que fazia anos que não andava. Chegamos ao consultório literalmente exaustos. Podia muito bem ter pego um táxi. Mas não sei de onde tirei que seria "pertinho"...

O Dr. Sílvio nos recebeu muito bem. Nos apresentamos, falamos do Dr. Jorge, trocamos algumas informações, e então pai seguiu para a sala de exames, a fim de passar por uma avaliação mais detalhada do seu problema.

Ficaram confirmadas as informações que o Dr. Jorge nos havia passado, tanto sobre a situação do tumor quanto com relação aos procedimentos cirúrgicos que seriam necessários. Uma coisa nos deixou tranquilos: a afirmação do Dr. Sílvio de que a cirurgia tendia a ser "curativa". Era essa a expectativa. Sendo o fígado saudável em sua porção não afetada, eram grandes as chances de o pai ficar curado, e sem sequelas.

Foi animador ouvir isso.


terça-feira, 26 de maio de 2009

ENCONTRADO FÓSSIL EM PAIM FILHO


INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO!!!


(veja aí ao lado a capa da obra literária resgatada após 33 anos)

Domingo passado eu tive uma das maiores surpresas da minha vida. Fomos almoçar lá na casa do Nando, comemorando o aniversário dele, que trancorreu no último dia 20. Um gostosíssimo churrasco, como sempre. Foi convidado para o almoço o meu compadre Abílio Vanz e sua família. Vejam bem: o aniversário era do Nando. E não é que quando acabamos de almoçar eles me fizeram uma surpresa? Disseram que tinham um presente prá mim. E trouxeram um pacote de presente, pesado, bem embalado(tinha um tijolo lá dentro, também). O Abílio criou um suspense, dizendo que tratava-se de um presente inusitado, que certamente me emocionaria e me faria lembrar de um passado bem remoto, mais precisamente de 33 anos atrás. Assim, abri o pacote com certa aflição, morrendo de curiosidade. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com o tal "presente": era nada mais nada menos do que um "livro" que eu brincara de escrever quando tinha 12 anos, em 1976. Castigado pelo tempo, mas ainda inteirinho, capa e tudo, ele fora conservado dentro do forro de nossa antiga casa de madeira, que foi recentemente desmanchada, ao lado da casa do Nando. Lembrei então que eu próprio havia colocado o "documento" no forro da parede do meu quarto, que ficava nos fundos da casa, por uma fresta entre as tábuas, com o objetivo, justamente, de evitar que se perdesse entre livros e revistas ao longo do tempo e ficasse, de certa forma "preservado". Isso eu pensei naquela época, em 1976. Jamais pensei, no entanto, rever aquela "obra-prima" aos 45 anos de idade. Afinal, nem lembrava mais de nada disso. Mas não posso negar que isso mexeu comigo. Relembrei "tim-tim por tim-tim" dos fatos da época que culminaram com o surgimento da fantástica obra "Contos de Marco Antônio". E mais: relendo aqueles textos escritos com uma ingenuidade pueril, fruto de uma mente sonhadora de criança que se impressionava com os filmes que assistia na TV, pude identificar - pasmem- o meu atual estilo de escrever. Verdade. O mesmo jeito de escrever, com frases curtas, algumas até sem verbos, sem termos rebuscados, sentenças diretas e objetivas. Que interessante. Passaram-se 33 anos. Claro que meus "dotes literários" foram aperfeiçoados, a busca da correção gramatical tornou-se a minha marca em tudo o que escrevo, mas é mesmo curioso voltar ao passado e poder identificar que esse estilo próprio de construir textos já existia em 1976. Fantástico. O melhor presente que eu ganhei nos últimos tempos. Valor sentimental inestimável. Dia desses eu conto a história dessa "obra-prima" lá do longínquo 1976... Obrigado Nando e Abílio!...

sábado, 23 de maio de 2009

MEUS IRMÃOS

Sempre disse que amo meus irmãos cada um de um jeito. A Mili foi minha companheira na primeira infância. Brincamos muito juntos, aprontamos, apanhamos do pai pelas traquinagens. Brincamos de missa (eu era o padre, claro) e na comunhão eu dizia "pão conquisto" (ao menos era isso que eu achava que os padres falavam quando eu ficava observando a fila da comunhão na igreja). Uma vez o pai ganhou um jogo de três dardos pequenos e um alvo para ser afixado na parede - um joguinho, na verdade - de um viajante da farmácia. Como eu tinha visto um número interessante num circo, aproveitei os dardos para testar na Mili. Ela ficava estaquiada numa parede, ao melhor estilo "Cristo na cruz" e eu jogava os dardos, que cravavam próximo às suas mãos. Arriscava alguns até próximo da cabeça (que perigo de furar um olho) - queria ser parecido com o homem do circo que jogava facas numa mulher encostada a uma tábua no picadeiro... A Mili também vendia uns chinelos que eu tinha inventado, feitos de papelão com tiras de uma cortina plástica que a mãe tinha descartado. E era ela que testava minhas alquimias quando eu brincava de cientista maluco (aliás, carreguei esse apelido durante muitos anos, há quem lembre até hoje). Um dia misturei farinha com uma goma e fiz um quadradinho de cor vermelha, que ficou parecido com um chiclé de groselha. Claro, dei prá Mili experimentar. Era azedíssimo, porque a cor vermelha vinha do vinagre que eu havia misturado com a farinha e a goma... Enfim, a Mili marcou minha primeira infância. Adoro ela.
O Nando, ah!, essa figura ímpar. Lembro que quando soube que a mã estava grávida, lá em 1970, ansiei pelo nascimento dele, porque achava falta de umc ompanheiro para minhas brincadeiras no pátio de nossa casa lá no bairro do Torresmo. Ficava imaginando como seria brincar com ele dali a alguns anos, quando ele já entendesse de brincadeiras. Ele mal completara 2 anos e já tinha furado com uma faca de cozinha a minha primeira bola de futebol. Levei ele muitas vezes prá pescar no rio Forquilha. Acho que ele deve lembrar disso. Quando ele cresceu e já entendia de "brioncadeiras", infelizmente eu já havia crescido mais e era um adolescente. Não brincava mais no pátio e já não morávamos mais no Torresmo. Mas a nossa convivência foi cada vez melhor. Hoje, além de irmãos somos grandes amigos, confidentes até. Adoro ele.
O Digão, bem, esse é um caso à parte. O bebê da casa. O mais paparicado. Cuidei dele muitas vezes quando era nenê. Levava ele prá passear e adorava pegar ele no colo e brincar com ele. Cresceu aprontando como o Nando. Sempre foi meio desmiolado e saiu de casa meio cedo. Foi tentar a vida em Bento, onde encontra-se até hoje. Sem dúvida o mais festeiro de todos. Um "bom vivan", com certeza puxando ao seu Bernardo, que adorava uma festinha com os amigos. Dia desses eu conto algumas passagens de cada um.
Adoro também o Digão.
Amo a todos vocês, meus irmaos queridos!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE IX


DR. JORGE E DR. SÍLVIO


Impressionante como o pai encarou tudo o que estava acontecendo com ele. Claro que devia estar extremamente preocupado e sabendo que se tratava de uma situação muito grave, mas nunca o vi, durante todo o transcorrer de seu drama pessoal, queixar-se um único instante. Não reclamava de dor, não se queixava de nada. Limitava-se a responder quando perguntado. Mesmo nesses momentos tensos vividos durante o diagnóstico, ficamos nós muito mais nervosos e apavorados do que ele. Ao menos era o que ele passava prá gente. Talvez no seu íntimo o sentimento pudesse até ser outro, mas se assim foi, ele soube suportar de tal maneira o seu próprio sofrimento que conseguiu nos transmitir exatamente a impressão de que não sofria.
Na semana seguinte, dia 02 de Dezembro, eu e o Nando levamos o pai até Ibiaçá para a consulta com o Dr. Jorge. Por telefone, dias antes, enquanto combinava o horário, pedi a ele que tentasse "levantar o astral" do pai, justamente porque imaginava que ele estivesse meio depressivo com toda essa situação. O Dr. Jorge procurou fazê-lo. No entanto, ao concluir o exame de ultrassom, deixou evidente a sua decepção com a imagem que observava no visor. Acredito que o Dr. Jorge estivesse imaginando que o tumor do pai fosse menor, semelhante ao do seu próprio pai, o que facilitaria as coisas, sem dúvida. Espantou-se o Dr. Jorge ao se deparar com um tumor enorme, que tomava praticamente todo o lado direito do fígado do pai. Ele nos olhava com ar preocupado enquanto distraia o paciente com conversas animadoras. Depois, já no seu birô, começou a explicar uma série de coisas sobre a cirurgia que deveria ser feita, sobre a anatomia do fígado, sobre os "lobos" hepáticos que estavam atingidos. E tirou uma conclusão importante: "Bem, - disse ele, afinal- "o nódulo é relativamente grande, mas seus contornos são bem definidos, o que indica não estar ramificado, o que é bom. Também é bom que não haja metástases, como já foi diagnosticado nos exames. Tudo isso significa que trata-se de um nódulo originário das próprias células hepáticas, um legítimo hepatocarcinoma." E continuou: " Então, o que devemos fazer é uma cirurgia que extirpe o tumor. Já vi casos em que foi necessário retirar cerca de 80% do fígado. Como o fígado é o único órgão que tem capacidade de regeneração, em aproximadamente 8 dias o paciente pode deixar o hospital e em mais ou menos 4 meses o fígado estará refeito totalmente. É a cura. Nem cabe quimioterapia ou radioterapia. A cirurgia tende a ser curativa mesmo. Depois, acompanhamentos periódicos permanentes, alguma dieta, zero de bebida alcoólica..." - " mas tu vai sobreviver, véio". Como meu pai sobreviveu..."- disse ele, batendo nas costas do pai.
O pai sorriu, fez as suas costumeiras piadinhas, brincou com a condição de não poder mais beber o seu precioso vinho.
Enquanto isso, o Dr. Jorge nos passava instruções sobre os próximos passos. Iria contatar com o Dr. Sílvio logo em seguida. Era esse até então misterioso Dr. Sílvio quem iria intermediar a reserva de um leito pelo SUS para o pai. A cirurgia aconteceria na Santa Casa, em Porto Alegre e o Dr. Jorge participaria dela. Deveríamos então aguardar e ficarmos preparados, porque no dia em que nos chamassem deveríamos viajar imediatamente. A reserva de um leito na Santa Casa, em razão da demanda, não poderia ficar em aberto por mais de algumas horas, sob pena de perda da vaga.

Entendemos.
Deixamos o hospital de Ibiaçá e nos dirigimos para o carro, a fim de retornarmos.
Quando começávamos a descer a escadaria, o pai foi para o outro lado.
- Aonde está indo, pai? - perguntei.
- Quero falar com o Padre Édson.
O padre Édson é um parente nosso, filho de um primo dele, que ainda hoje administra o Santuário de N.Sa. Consoladora, de Ibiaçá. O pai sabia que ele estava na Canônica, que ficava há poucos metros do hospital, descendo outra pequena escadaria. Nós o acompanhamos e, de fato, encontramos ali o Padre Édson. Após os cumprimentos e algumas necessárias explicações, seguiram os dois para uma sala. A porta foi fechada e ali tiveram uma conversa. Foram cerca de 15 minutos, enquanto eu e o Nando ficávamos admirando fotos e quadros na parede, além de algumas lembrancinhas que a Igreja sempre mantém para os fiéis que visitam a canônica. Até compramos algumas, depois. Quando deixaram a sala, logo nos despedimos do padre e fomos em direção ao carro. No caminho de volta, ficamos sabendo o que ele queria com o sacerdote. Disse que fora até ele para "confessar-se" e pedir a sua bênção, e que estava colocando tudo nas mãos de Deus. Foi aí que sentimos que iniciava a sua preparação psicológica para o que viria. Durante todo o trajeto de volta, até Paim, só conversamos amenidades. Contamos piadas, rimos bastante.
Chegamos em Paim Filho ao escurecer. Deixei o Nando em casa e desci até a farmácia. Entrei um pouco, dei um abraço na mãe, beijei os dois e rumei para São José do Ouro. Estava bastante cansado naquele dia.

domingo, 17 de maio de 2009

PARABÉNS SR. FERNANDO!


Esse cara vai estar de aniversário no dia 20 de Maio. "TREZOITÃO"!

É um grande lutador! Calmo como ele só! Eu às vezes o chamo de "Fernando Devagarquaseparando", de tão calmo que é! Mas é uma figura adorável, talvez o mais sentimental da família e muito brincalhão e flatulento, como todo bom Schneider. Aliás, dos quatro irmãos, é o que mais gens da família Schneider incorporou e o único com "cara de alemão".

Parabéns mano! Que você só colha alegrias nesta vida, porque você merece! E tenho certeza que um dia você vai ganhar na mega-sena, de tanto que você acredita nisso!

Um beijo no teu coração!

sábado, 16 de maio de 2009

VAMOS "DINAMIZAR" O BLOG?

Deixar o blog apenas com a narrativa que estou fazendo parece torná-lo meio... digamos... enfadonho! Até porque não tenho pressa em terminá-la. O objetivo, como eu coloquei lá no início, é deixar um relato de um drama pessoal que vivi com a perda do meu pai, com quem eu tinha uma fortíssima relação. Um desabafo todo pessoal, na verdade.
Então, decidi por começar desde já a trazer para o blog os conteúdos que eu imaginei quando defini os objetivos que estão postados aí encima.
Vou continuar a narrativa, mas vou dinamizar um pouco mais a página, trazendo pequenos relatos, fotos, historinhas, coisas da minha infância, coisas de família...
Meu blog agora vai ficar...comum. Como outros tantos que perambulam aí pela net.
Mas creio que ficará mais agradável para quem acessar.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE VIII

PRÁ ONDE IR?...

Cheguei em casa ainda tempo de tentar ligar para o consultório do médico indicado pelo Dr. Paulo. Era importante começar a definir logo. Talvez assim a ansiedade pudesse diminuir e meu raciocínio voltasse ao normal. Era difícil tomar decisões com os nervos à flor da pele. Lembro de ter embargado a voz durante o relato que fiz à Neu sobre o dia que eu acabara de viver. E cada detalhe eu descrevi a ela, como se estivesse vivendo tudo novamente. Era como se a linha do tempo estivesse distorcida, afetando minha percepção. Foi necessário atender ao apelo da Neu e me sentar à mesa. Me fez um café e me serviu um lanche, que comi meio sem vontade, enquanto ela procurava me acalmar e me passar energia positiva. Acho que ela já tinha entendido que dali por diante eu acabaria liderando todo o encaminhamento do pai para o seu tratamento.
Então, mais calmo, busquei na lista telefônica o telefone do Dr. Paulo Raichert. Do outro lado, me atendeu sua secretária, muito solícita e simpática. O diálogo, no entanto, acabaria sendo frustrante. Descobri que o Dr. Raichert não atendia pelo SUS, nem pela UNIMED, nem pelo plano de saúde do Banco, nem por plano nenhum. Teria que ser tudo "particular". E não tínhamos dinheiro para isso. Há vários anos pagávamos valores absurdos por um plano regional da UNIMED, que agora não conseguiríamos utilizar, por abranger apenas a região de Erexim. E o Dr. Raichert era de Passo Fundo. Voltei à estaca zero. Voltei a ficar muito nervoso. O que fazer agora? Apelar a quem? Não haveria alguém que pudesse nos ajudar? Será que eu encontraria amigos dispostos a ajudar numa situação dessas? Ou valeria aquela máxima de que nos momentos de dificuldade os amigos somem?
De qualquer forma, vendo que eu apresentava um certo desânimo, a Neu me lembrou do Dr. Jorge Zoldan. O Dr. Jorge era nosso conhecido de Cacique Doble, médico muito conceituado, procurado por pessoas de toda a região. Era clínico geral, mas lembramos que o pai dele havia apresentado, curiosamente, o mesmo problema do pai. Anos antes, fora detectado um tumor de fígado no pai do Dr. Jorge e ele o havia encaminhado para um tratamento, partindo de uma cirurgia de hepatectomia parcial. Depois disso, o Dr. Jorge havia quase que se especializado em tratar fígados doentes, de tanto que se dedicara em acompanhar a evolução da doença em pacientes com problemas semelhantes. E eí lembramos que o seu pai havia se recuperado totalmente, vindo a falecer de outra causa, um infarto, cerca de 6 anos após a cirurgia. De repente, a perspectiva mudou. Era preciso localizar, agora, o Dr. Jorge. Liguei para um amigo e obtive o celular dele. Eram cerca de 20 horas quando o localizei. Estava em Goiás, num treinamento. E me atendeu com a cordialidade de sempre. Relatei o caso e ele me tranquilizou. "Esqueça o Dr. Raichert" , disse ele, "é um ótimo profissional, talvez o melhor da área, mas vocês não terão recursos para o tratamento com ele, com certeza. Ele costuma cobrar caro. E se vocês me dizem que não dispõe de recursos, eu tenho outra solução, igualmente boa. Durante a doença do meu pai, conheci um especialista em Porto Alegre, chama-se Dr. Sílvio Balzan. É um médico jovem, mas muito experiente, que já tem vários trabalhos publicados na área de cirurgia e tratamento hepáticos. E atende por convênios, Pelo SUS. Trabalha em vários hospitais de Porto Alegre. Com certeza vocês estarão muito bem atendidos com ele." E acrescentou: "Aguarde. Eu estou retornando no final da semana. Quero que você leve o seu pai até Ibiaçá, onde eu estou atendendo agora, para que eu possa avaliar o caso dele. Mas desde já vou contatar com o Dr. Sílvio e começar a encaminhar o assunto..."
Bingo.
O primeiro amigo não me falhara. Aliás, eu nem era tão íntimo do Dr. Jorge. Mas fui, de certa forma, um "conselheiro financeiro" dele durante os 4 anos em que residi em Cacique Doble. E ele não esquecera. Que bom. As coisas começavam a clarear. Liguei imediatamente para o pai e comuniquei tudo a ele. Aproveitei para tranquilizá-lo, contando a história do pai do Dr. Jorge. Acho que pude sentir um suspiro de alívio do outro lado da linha. Finalmente dormiríamos uma noite mais tranquila. Era o dia 25 de Novembro de 2005. Nunca mais esquecerei aquele que ainda chamo de "o mais longo dos dias".
Mas eu sabia que estávamos apenas no começo. Ah, como eu sabia disso!...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE VII

AGORA, A RESPONSABILIDADE


Chegamos em Paim Filho por volta das 3 horas da tarde. O pai já estava normal e nem parecia tão preocupado com o diagnóstico. Não sei se ele apenas tentava dissimular para não preocupar ninguém ou se, de fato, havia se convencido de que a cirurgia seria a cura definitiva, que haveria de vir em breve. O fato é que não via mais nos seus olhos aquela preocupação de antes, quando estávamos cheios de dúvidas quanto à sua condição.
A mãe nos aguardava na farmácia. Vi em seu rosto a mesma aflição dos últimos dias. Ansiava por alguma notícia positiva, mesmo diante da iminência de um resultado desfavorável dos exames. Deixei que o pai atravessasse a porta que levava ao interior da casa e certifiquei-me de que ele tivesse entrado no banheiro. Só então chamei a mãe para uma conversa. Não escondi nada. Achei que ela deveria saber de tudo. Achei que assim ela se prepararia melhor para os momentos de sofrimento que fatalmente viriam. Nossa família não estava acostumada com o sofrimento. Éramos felizes. Festejávamos aos finais de semana, quando nos reuníamos em um ou outro lugar. Saboreávamos suculentos churrascos em família, enquanto colocávamos "as fofocas em dia" e ríamos muito. Às vezes discutíamos assuntos familiares e até brigávamos, vez por outra, quando os ânimos se acirravam. Mas quase sempre tudo acabava bem e quando nos despedíamos cada um rumava tranquilo para sua casa. O pai e a mãe ficavam sozinhos nos finais de tarde de domingo. E depois do cochilo tradicional, o pai rumava invariavelmente para o Clube para jogar baralho com os amigos, enquanto a mãe decorava todos os programas de todos os canais de televisão. E à noite, quase sempre eu ligava, antes do Fantástico, como que para encerrar a semana em contato com eles. Às vezes até para me desculpar por alguma besteira a mais que tivesse dito enquanto a cerveja circulava pelas artérias do meu cérebro. Mas eu acho que éramos felizes, sim. E, como eu disse, totalmente desacostumados ao sofrimento. Por isso o choque foi maior. A mãe recebeu a notícia como se um devastador terremoto acabasse de demolir tudo o que construíra ao longo de mais de 40 anos ao lado do pai. Chorou muito. Mas logo se recompôs, porque ouvira o ruido da fechadura da porta do banheiro, indicando que o pai se aproximava. Como ele rumou para o quarto, para trocar de roupa, ainda pude ouvir dela: "Mas ele não vai morrer. Nós vamos achar um jeito de curá-lo. " Naquele instante eu a tranquilizei quanto a isso. "Deixe tudo comigo, mãe" - falei -" eu conheço um monte de gente, tenho muitos amigos que com certeza vão nos ajudar. Mas você vai ter que ser muito forte. Curta ainda mais os momentos ao lado do teu marido. O caso é grave. Vamos fazer de tudo para salvá-lo ou para lhe dar o máximo de sobrevida. Mas não sabemos qual será o desfecho. Procure satisfazer as suas vontades. Abrace ele. Beije ainda mais. E lhe dê esperança. Sempre. Jamais permita que ele pense que não vai sobreviver. Estaremos do teu lado". A abracei forte e ela aninhou a cabeça entre meus braços e o meu peito. Naquele instante também os papéis se invertiam. Esse gesto era o que eu fazia quando criança ou adolescente nos momentos de aflição. Em inúmeras ocasiões eu me vi nos braços da mãe, chorando junto ao seu peito e sendo afagado e consolado. Agora a criança era ela. Ainda mais frágil, aos pedaços. Que coisa. Que nó na minha garganta. Sentia a responsabilidade aumentar ainda mais. Era comigo. Cabia a mim conduzir tudo aquilo, agora eu tinha certeza. E eu haveria de fazer o que deveria ser feito.
Despedi-me dos dois, pois ansiava por chegar em São José do Ouro, de onde pretendia fazer os necessários contatos para iniciar nossa peregrinação em busca do tratamento.
Eu não tinha o costume de beijar o pai. Só fazia isso em raras ocasiões. Normalmente lhe dava um abraço bem apertado. E só. Naquele dia, porém, além do abraço lhe dei um grande beijo na testa. E, com os olhos marejados, balbuciei um "fica tranquilo, pai, vai dar tudo certo..." Ele retribuiu com um olhar profundo, dentro dos meus olhos. Não tenho dúvidas de que ali ele enxergou o fundo da minha alma. E naquele olhar ele entendeu que o seu filho mais velho seria, durante muito tempo, o seu porto seguro.
Antes de seguir viagem, subi até a casa do Nando. Ele havia acabado de chegar. Chamei ele e nos sentamos no muro da frente. Foi o momento em que contei tudo a ele. Todos os detalhes que faltavam. Todas as minhas previsões sobre o que poderia acontecer. Ele parecia incrédulo, chocado. Olhava para o chão, ficava com os olhos vermelhos, continha-se, qustionava algumas coisas. Mas abateu-se profundamente. Era visível.
Procurei tranquilizá-lo, mesmo diante desse quadro não muito animador.
- Nando, deixem tudo comigo. Eu fiz muitos amigos nessas andanças por aí. Conheço políticos influentes, companheiros de Rotary e Lions, colegas gerentes do Banrisul. Deixem que eu encaminho tudo...
- Mas nós vamos ajudar...
- Claro, Nando, mas alguém tem que tomar a iniciativa, definir um rumo. Não adianta ficarmos abrindo várias "frentes". Temos que ficar focados. Decidir o que fazer e seguir naquele rumo.
Fez-se silêncio por alguns momentos. Ficamos olhando o vazio. Jamais esquecerei da cor do céu naquele entardecer de Novembro, enquanto fitava os lados do morro da antena.
- Nando, - interrompi de repente - temos que nos preparar para sofrer muito com isso. E vamos gastar muito dinheiro...
- Mas nós não temos dinheiro, Marco...
- Eu sei, mas daremos um jeito, daremos um jeito. Não vamos nos precipitar. Tem um plano de saúde vigente, tem o SUS... Vamos tentar por aí. Mas temos que ficar precavidos.
Entrei no carro e saí rumo a São José. Enquanto fazia o retorno, ainda pude ver o Nando entrando em casa. Fiquei com muita pena dele. A notícia o havia chocado muito. Mas meus irmãos, é lógico, tinham que saber de toda a verdade. Porque cada um acabaria tendo o seu papel dali para diante.
Enquanto o sol baixava devagar entre os morros, meu cérebro efervecia. Milhões de pensamentos por segundo borbulhavam como um caldeirão borbulha a ponto de fervura. Estava chegando o momento da definição. E eu acabara de assumir toda a responsabilidade. Agora era tudo comigo. E eu não podia falhar.