PARTE X
NA CAPITAL
De volta de Ibiaçá, como sempre fazia, relatei para a Neu tudo o que tinha se passado, a viagem, a conversa com o Dr. Jorge, as perspectivas de tratamento para o pai. Invariavelmente ela procurava me animar e não foi diferente naquele dia. Aliás, começávamos a ter uma certa sensação de otimismo, agora que já tínhamos algumas informações a mais sobre a doença e sobre o prognóstico. Interessante como essa situação foi tomando conta da vida da gente, nos envolvendo de tal forma que eu ficava 24 horas por dia focado naquilo. Eu ía trabalhar, atendia aos clientes, mas meu cérebro não desligava um só instante do problema. Eram diversos telefonemas durante o dia, que começavam sempre por uma ligação para a farmácia, em Paim, para saber como o pai estava. E a cada conversa eu sempre procurava passar muito otimismo, tirar dúvidas, repassar informações que eu obtinha na internet ou com alguns amigos médicos, que me contavam histórias de todo tipo. Descobri até que uma prima dele, que vivia em Tupanci do Sul, havia tido exatamente o mesmo problema, um hepatocarcinoma, tendo ficado completamente curada. Já fazia mais de seis anos. Ora, notícias como essa animariam o mais pessimista dos doentes e com meu pai não poderia ser diferente.
Seguiram-se, então, alguns dias de calmaria, enquanto aguardávamos o tal leito que o Dr. Sílvio conseguiria na Santa Casa.
Na semana seguinte, marcamos uma consulta com o Dr. Sílvio. Tirei um dia de folga e viajamos, de ônibus. Antes, liguei para a Marília e pedi se a gente podia aguardar no seu apartamento até a hora marcada para a consulta, já que chegaríamos por volta das 5:30 da manhã e não aguentaríamos ficar zanzando pela rodoviária até as 10 horas, horário da consulta. Claro que a Marília não só concordou como disse que ficaria "ofendida" se não fôssemos lá. Uma primeira de tantas gentilezas que nos faria doravante.
O câncer estava ativo e vez por outra o pai se queixava de um pouco de dor na altura do fígado. Haviam lhe receitado Lisador. E ele passou a tomar regularmente o remédio, que aliviava o sintoma e o fazia esquecer do problema. Aliás, quem não soubesse do caso teria dificuldades em entender que o pai padecia de grave enfermidade, pois ele praticamente não mudou em nada o seu comportamento, a não ser por alguns breves momentos de abatimento, que logo sumiam quando puxávamos alguma conversa ou contávamos alguma piada. Isso foi marcante durante toda a sua doença, quase até o final.
Chegamos no apartamento da Marília de táxi, mais ou menos às 6 horas. Nem lembro se ela estava em casa. Parece que tinha deixado a chave do ap com o zelador, se não me engano, e havia nos repassado algumas instruções sobre quando saíssemos. O fato é que conseguimos descansar um pouco na sala. Acomodamo-nos e ligamos a TV. Lembro que estava passando um jogo de futebol internacional que nos interessava, acho que da seleção brasileira. Mas enquanto eu assistia, percebi que o pai, sentado na poltrona, adormecera profundamente. Fiquei olhando prá ele durante alguns instantes e senti uma profunda tristeza naquele momento. Estava acontecendo tudo tão rápido. Num instante a descoberta de uma doença grave, no outro a perspectiva da cirurgia, no outro ainda lá estávamos nós na capital para uma consulta com um especialista...parecia que não dava tempo prá gente assimilar os fatos que se desenrolavam em grande velocidade...
Olhei para o relógio e percebi que já eram 9:30.
Acordei o pai e saímos.
Preferi ir a pé. Confiei que o pai estaria em forma para uma pequena caminhada. Pequena? Depois fiquei com pena dele. Nos informamos sobre como chegar na Rua General Vitorino e fomos andando. Subimos uma ladeira na rua Ramiro Barcellos e dobramos à esquerda, em direção à Santa Casa, já que a informação era de que o consultório do Dr. Sílvio seria próximo dali. Só não pensei que seriam tantas quadras. Não chegava mais. E assim começamos a "queimar tempo", de modo que fatalmente nos atrasaríamos para a consulta se não apressássemos o passo. Fiz o velho andar num trote que acho que fazia anos que não andava. Chegamos ao consultório literalmente exaustos. Podia muito bem ter pego um táxi. Mas não sei de onde tirei que seria "pertinho"...
O Dr. Sílvio nos recebeu muito bem. Nos apresentamos, falamos do Dr. Jorge, trocamos algumas informações, e então pai seguiu para a sala de exames, a fim de passar por uma avaliação mais detalhada do seu problema.
Ficaram confirmadas as informações que o Dr. Jorge nos havia passado, tanto sobre a situação do tumor quanto com relação aos procedimentos cirúrgicos que seriam necessários. Uma coisa nos deixou tranquilos: a afirmação do Dr. Sílvio de que a cirurgia tendia a ser "curativa". Era essa a expectativa. Sendo o fígado saudável em sua porção não afetada, eram grandes as chances de o pai ficar curado, e sem sequelas.
Foi animador ouvir isso.