domingo, 19 de abril de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE V

UM DOS PIORES MOMENTOS

Chegamos pontualmente às 9 horas da manhã. Estava tudo preparado. A secretária do Dr. Paulo nos recebeu. Preenchemos alguns papéis e o pai foi conduzido até uma sala, onde seria realizado o exame. Ele parecia tranquilo. Eu tentava disfarçar o nervosismo e a comoção. Durante toda a viagem desde Paim Filho eu havia tentado "dissimular", fazendo graça da condição dele após tomar litros de laxante. E tentando animá-lo, dizendo que nem tudo estava perdido, que os tratamentos haviam evoluído muito, que um diagnóstico de tumor não significava necessariamente uma sentença de morte, que o Dr. Paulo era um ótimo profissional... mas no fundo eu sentia que estava diante de um "paciente terminal". A internet havia me dado essa certeza. Câncer de fígado tem pronóstico muito ruim. A sobrevida é curta. Quem tem a sorte de obter um transplante ainda consegue uma esperança maior. Claro que eu pensava nisso e tudo estava muito confuso ainda, mas eu sempre tive "os pés no chão" e nunca tive o hábito de alimentar sonhos. Sou extremamente objetivo e direto. Às vezes sofro com isso. Não me permitir sonhar, divagar, criar auto-ilusões por vezes me torna meio "automático" demais. Por outro lado, me dá o combustível necessário para tomar decisões rápidas, concretas, diretas, objetivas...E me parecia que o momento exigia isso. Quem sabe, se não tivesse essa característica, talvez eu tivesse deixado que algum dos meus irmãos ou até a minha mãe tivesse tomado a iniciativa de encaminhar toda a situação. Mas, não! Eu tenho isso dentro de mim. Tudo parece ser minha responsabilidade. Parece que eu sou responsável por tudo o que acontece no mundo. Está em mim ser o "puxador" de tudo o que se me apresenta como problema ou desafio. E assim se fez, mais uma vez.
Enquanto eu folheava nervosamente uma revista Veja de 2 anos atrás( todos os consultórios tem revistas Veja de 2 anos atrás), meu pai era submetido àquele horrivel exame. Um tubo com uma microcâmera é introduzido por via anal e percorre todo o intestino grosso em busca de pólipos, sangramentos ou pequenos tumores. Era o que estava sendo pesquisado. Normalmente os tumores de fígado são metástases de câncer intestinal. Se fosse esse o diagnóstico, era mesmo a senteça de morte do pai. Como sobreviveria a um câncer intestinal com metástase no fígado de 8 cm? Sem dúvida, em menos de 6 meses estaria morto. E isso me derrubava. Até poucos dias atrás meu pai era um homem forte, um líder na comunidade painfilhense, amado por toda a família e por toda a comunidade. Num instante, porém, o médico poderia estar me dizendo que era o fim dele...
Fui chamado até uma sala próxima. Lá estava o Dr. Paulo.
Antes de entrar, olhei para o lado e pude ver o meu pai em uma cadeira de rodas, semi-nu, coberto com um lençol verde-claro, de olhos fechados. O Dr. Paulo deve ter percebido que eu estava impressionado:
- Ele está dormindo, agora. Foi dado um forte sedativo, porque o exame é um tanto desagradável...
- E então? - perguntei, num misto de desânimo e esperança que nem sei explicar.
- Primeiro a boa notícia - disse o Doutor, demonstrando alguma tranquilidade - O intestino dele está limpo. Isso significa que o que ele tem no fígado é um tumor hepático, originários das células do próprio fígado, ou seja, um tumor específico do fígado, chamado heptacoracinoma...
- Isso significa que ele tem chance?...
- Bem, vamos com calma. - pegou um bloco de anotoações - O que o Bernardo tem é um tumor que tomou todo o lado direito do fígado dele. Menos mal...
- Menos mal?...
- Sim - continuou- menos mal porque não atinge as artérias, que estão no lado esquerdo. É como se, em uma árvore, o tumor atingisse as folhas e parte dos galhos, mas não o tronco e as raízes...
- E o que isso significa, Dr Paulo? - perguntei aflito.
- Significa que uma cirurgia pode dar uma sobrevida a ele. Com um pouco de sorte, se o tumor for erradicado e não surgirem novos nódulos, ele pode ficar curado. Ou sobreviver por um tempo relativamente longo. Mas não vamos criar expectativas. Ele precisa fazer mais dois exames para confirmar a natureza das células malignas. Vou encaminhar vocês para um médico em Passo Fundo, o Dr. Paulo Richert, que é um especialista nesse tipo de situação e vamos ver o que pode ser feito...
- Então dá prá ter esperança, Dr. Paulo?
- Calor que sim, claro que sim... A medicina está aí para isso: dar esperança.
Acho que meus olhos brilharam, naquele momento. Saí com um papel assinado por ele, que encaminhava o pai para o médico em Passo Fundo.
Esperei pelo pai durante alguns minutos. Insisti com a secretária que precisávamos fazer um exame na Unimed e já eram 11:15 da manhã.
Em alguns segundos ela voltou acompanhando o pai. Meu Deus. Senti um golpe no peito. Ele estava desorientado, vinha amparado por ela, curvado, parecia um velho de 90 anos.
Peguei ele pela mão e saí do consultório. Foi um dos momentos mais tristes que eu já vivi na minha vida. O meu homem forte, aquele que era o meu herói há mais de 40 anos, aquele que eu jamais havia visto derramar uma única lágrima, a fortaleza à qual eu recorria nos meus momentos de aflição, agora estava ao meu lado fraco, debilitado, cabisbaixo, tonto, desorientado...Meu Deus, que momento terrível. Talvez tenha sido o pior de todos os momentos dessa terrível aventura que eu vivi... Tive que ser muito, muito forte.

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