terça-feira, 15 de novembro de 2011

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE LX






“DESENGANADO”





Enquanto dava meia-volta e já um pouco nervoso, decidi ligar para Sananduva para informar a Neu e as meninas. Prontamente a Neu sugeriu que eu passasse por lá antes de seguir para Erechim e que convidasse também meus irmãos para que viessem a Sananduva e dali rumássemos para o Hospital de Caridade. Tínhamos que fazer o trajeto por Coxilha, já que a estrada por Maximiliano de Almeida estava novamente intransitável. Assim foi feito. O Nando, o Digão e Sandro iriam comigo. A Mili iria depois, com a mãe.

Ainda na viagem, próximo de Tapejara, recebi um telefonema do Nando. “Boa notícia” – disse ele. “O pai chegou vivo! E já está na CTI, medicado”. Estranhamente, a maneira como me deu a notícia parecia deixar implícito que ainda acreditava num milagre, como se o pai, saindo dessa, voltaria a uma situação de “normalidade” dentro do seu quadro. Foi essa a impressão que eu tive ao desligar o telefone. No entanto, até pelas palavras que eu ouvira do Dr. Paulo, eu sabia que não havia mais volta. Se conseguisse sobreviver a esse revés, seria questão de dias para um desfecho. E eu temia, agora, que chegasse aquele momento mais difícil, em que o pai passaria a ficar acamado, definhando aos poucos, num sofrimento que não experimentara até então.

Quando chegamos a Erechim já passava das 13 horas. Ninguém quis almoçar. Fomos direto à CTI do hospital e nos acomodamos na sala de espera, ouvindo da Jussane o relato da terrível viagem de ambulância. Contou que a hemorragia não parou um instante sequer e que fora necessário parar várias vezes para que o pai vomitasse aquele “sangue vivo”, que literalmente jorrava de sua boca. Era assustador. Ele permaneceu consciente, mas foi ficando mais fraco a cada quilômetro do trajeto e no final da viagem já dormia profundamente. Segundo ela, o médico que acompanhou-os no trajeto literalmente gritava ao motorista : “Rápido! Pisa fundo! Tem que ir mais rápido!...” Certamente sabendo da gravidade do caso. Ainda, segundo a Jussane, ao chegarem no hospital encontraram tudo preparado. O Dr. Paulo havia tomado todas as providências e em questão de minutos o pai já estava entubado, com um litro de sangue e outro de soro em suas veias. Fantástico o trabalho do Paulo. Desde o primeiro momento mostrou-se um profissional de primeira linha, responsável, correto, dedicado. Aliás, comove-nos lembrar que assim fomos tratados por todos os profissionais que nos atenderam durante a doença do pai. Mas o Dr. Paulo merece um destaque à parte por ter sido o nosso médico do primeiro ao último instante, desde a descoberta da doença até o momento em que o coração do pai deu sua última batida.

Enquanto aguardávamos o momento de visitar o pai na CTI chegou o Abílio Vanz, que levava a Mili e a mãe.

Saímos um pouco para fazer um lanche no restaurante do hospital e quando voltamos o horário de visitação já estava aberto. Já havia uma fila no corredor e os familiares dos doentes internados eram liberados um a um para entrarem na CTI. Quando chegou a minha vez, entrei antes que a mãe deixasse a sala e os funcionários permitiram, até porque percebiam que a situação do pai era gravíssima. O sangue reposto e o soro na veia lhe haviam devolvido alguma energia, de modo que conseguia balbuciar alguma coisa, mesmo com o nariz atravessado por duas sondas. Ao vê-lo naquele leito, o tempo retrocedeu e voltei aos momentos de logo após a cirurgia, lá em 2006, quando o encontrei pela primeira vez, na recuperação do Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Suas funções hepáticas estavam tão deterioradas que seu fígado agora funcionava menos do que aquele micro pedaço do órgão que lhe haviam deixado na cirurgia. Sua pele era amarela como gema de ovo. Estava suado e frio. Seus olhos, que sustentava entreabertos com grande dificuldade, estavam ainda mais amarelados, evidenciando que tudo voltara à estaca-zero, como lá no início. A mãe ficou de um lado da cama e eu do outro. Como sempre, olhei para ele e perguntei: “Como está, pai?” Mas ele quase não conseguia falar. E num balbucio extremamente anasalado por causa das sondas pronunciou algo que entendei como ...”vão fazer cirurgia?”... “Não, pai”, - respondi – “agora não tem como fazer cirurgia...você tem que descansar...” Ele estava consciente da situação, claro. E o instinto de preservação da vida lhe fazia crer que ainda restava uma saída. “Cirurgia”. O que pensava naquele momento? Que cirurgia seu cérebro imaginava ser possível ainda que pudesse salvá-lo da morte iminente? Foi angustiante por alguns momentos, porque percebi isso na hora. Ele desejava viver um pouco mais. Nós também queríamos que vivesse. Muito mais. Que ficasse conosco. Mas a natureza teimava em dizer “chega!” Enquanto a mãe segurava sua mão, ele murmurou mais alguma coisa e remexeu-se na cama, demonstrando que algo o incomodava. A mãe pôs o ouvido perto de sua boca e entendeu que  sua perna esquerda não estava confortável. O acomodamos melhor e ele sossegou. Dei-lhe um beijo na testa fria e suada, passei a mão uma vez ainda no seu rosto e disse que ficasse tranqüilo e descansasse. Peguei a mão da mãe e a convidei para sairmos, que os outros também queriam vê-lo. Foi a última vez que tive contato com ele ainda vivo!





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