PARTE LVIII
O ÚLTIMO DOMINGO
Voltamos cedo de Bela vista. Eu não estava confortável e todos sentiam isso ao conversar comigo. O assunto, aliás, foi o mesmo em todo o tempo em que estivemos na casa dos meus sogros. Tudo girava em torno do Bernardo, do tempo que ainda lhe restava. Naquele momento, eu imaginava que ele ainda pudesse sobreviver alguns meses. Os exames eram claros em demonstrar a gradativa e agora acelerada deterioração de seu fígado, já comprometendo também a função de outros órgãos. As palavras do Dr. Paulo, dizendo que não haveria como fazer novos procedimentos de alcoolização, sinalizavam que de agora em diante era “esperar prá ver”. Só se faria procedimentos paliativos, como forma de aliviar evetual sofrimento físico. Quanto tempo ele ainda sobreviveria era uma incógnita. Disse isso aos meus irmãos, já conscientes do que acontecia naquele momento e insinuei à minha mãe, que teimava em não aceitar. Mas o fato é que de agora em diante a tendência seria ver a situação piorar gradativamente. Imaginei meu pai por longos dias acamado, suas funções deteriorando, sua vida aos poucos se esvaindo. Imaginei tê-lo conosco, talvez, até o seu aniversário, em Abril de 2009, quando completaria seus 67 anos. Ou, com alguma sorte, até além disso. Mas não muito mais.
***
Retornamos por Paim Filho, a fim de visitá-lo antes de seguir para São José. Chegamos por volta das 16 horas. Encontramos o pai recostado no sofá, na mesma posição em que o havíamos deixado no Sábado. Era como se nem tivesse de lá se levantado. Não sorriu ao nos ver, como das outras vezes, e demonstrava um ar cansado, uma expressão de desânimo. Tentei brincar com ele, como sempre fazia, mas não obtive nada além de um leve e quase imperceptível sorriso. “Como está, veio???” – era o que eu sempre dizia e que ele sempre rebatia com alguma expressão engraçada. Mas desta vez ele não fez isso. “Não me sinto muito bem...” – foi o que ouvi dele. Sentia ainda aquele “peso no estômago”, uma sensação ruim no abdômen. Quase não havia comido nada e por isso estava meio sem forças. Puxei outras conversas, não sem antes dizer que não se preocupasse, que iria passar, que era ainda efeito da medicação e dos procedimentos realizados pelo Dr. Paulo. Mas bobo ele não era. Devia desconfiar de que algo desta vez estava diferente. Pediu do resultado dos exames, pediu da conversa que tive com o Dr. Paulo. Tentei dissimular, minimizando tudo e repetindo que não se preocupasse, que tudo estava bem. Então ele até começou a conversar um pouco mais e mudamos de assunto. Sentei ao seu lado, peguei sua mão, falei dos planos para o almoço de Natal, do amigo-secreto. E ele pareceu ficar mais tranqüilo. Depois, na cozinha, conversei um pouco com a mãe. Perguntei como ele tinha passado a noite e ela me confidenciou que ele reclamava de sentir gosto de sangue na boca e que às vezes até cuspia sangue no banheiro. Informei que provavelmente ainda eram resquícios do que havia sido feito com as varizes do seu esôfago, mas que ficasse atenta, pois sangramento no tubo digestivo pode ser uma condição grave e ele estava agora com as varizes muito proeminentes, segundo o médico.
Então, enquanto ele continuava assistindo ao programa do Faustão, sentado na mesma posição e sem esboçar mais do que pequenos movimentos, despedimo-nos dele e da mãe e rumamos de volta a São José do Ouro. No dia seguinte eu teria que viajar a Passo Fundo para uma reunião na Superintendência do Banco. Mal sabíamos que aquele tinha sido o último Domingo em que o veríamos com vida.
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