sábado, 28 de maio de 2011

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE   LIV
                                    


     DESPEDIDA OFICIAL???



        Na metade do ano houve um período em que ele estava se sentindo muito bem. Depois de uma das idas a Erexim, seu fígado parecer reagir melhor. Uma das tomografias mostrava um estacionamento dos tumores, mesmo que agora fossem três deles a nos preocupar. O último, descoberto no início de 2008, estava com pouco mais de 1 cm. Os outros dois haviam crescido e um deles já se aproximava de 2,6 cm. Preocupante, mas mantinham-se estacionados naquela etapa do tratamento, o que também deixou o pai um pouco mais tranqüilo do que das vezes anteriores.  Talvez por isso mesmo sentiu-se melhor e de novo nos fez manter a esperança de prolongar sua sobrevida.
        Até hoje me pergunto o que o levou a ter uma atitude para nós inusitada naquele inverno de 2008. O que teria ele em mente ao marcar uma missa na Igreja de Paim Filho, “para agradecer a Deus pela minha saúde” ? Não lembro a data, mas tenho presente o frio daquela noite. Ele ligou para nós e pediu que não faltássemos. Que estivéssemos todos presentes à missa da noite, naquele sábado. E o mesmo convite estendeu ao Nando e, acredito, a seus melhores amigos. A Igreja não estava cheia. A noite era fria e os casacos eram pesados. Encolhido em seu sobretudo e curvado pela fraqueza  o pai  rezou e cantou com sua voz trêmula e fraca, como que relembrando os bons tempos em que integrava o coral da Igreja, fazia as leituras, recolhia as esmolas. Quem sabe suas lembranças o levassem até os tempos em que atuava como coroinha, ou mesmo  o fizessem divagar sobre os áureos tempos da Ordem Terceira Franciscana. O fato é que aquela noite, para ele, era uma noite de agradecimento. E, entendendo a mensagem, rezamos com ele da forma mais compenetrada possível. E quando o padre  leu as intenções da missa e citou “em agradecimento pela saúde do Bernardo”, acho que não houve ninguém que não tivesse se emocionado. Afinal, era um contra-senso. Como podia uma pessoa com uma doença em fase terminal, tendo passado por todo aquele sofrimento, estar ali, diante do altar, agradecendo a Deus “pela saúde”? Foi muito comovente. Com o canto dos olhos, percebi que todos olhavam para o pai com o mesmo sentimento de comoção. Sinceramente, acho que aquela missa foi a sua despedida “oficial” da comunidade. Hoje não tenho mais dúvidas de que ele sabia que agora caminhava MESMO para o fim.   Só não tinha noção de quanto tempo ainda lhe restava. Assim preferiu não arriscar e realizar seu “encontro final” com os amigos e familiares diante de Deus. E agradecer-Lhe pelo tempo de sobrevida pareceu uma necessidade inadiável. Deus lhe fora bondoso. Permitira que retornasse ao convívio de familiares e amigos e ali permanecesse por um tempo além do que se previa ao detectar-se sua doença. Imperioso agradecer. Acredito que a partir daí tudo se consumara. Estaria em paz com sua consciência. Redimido de qualquer erro cometido ao longo de sua vida em relação a quem com ele convivera e em paz com o Criador, fazendo-lhe um último agradecimento público.  São essas coisas, são esses comportamentos que meu pai exibia que o tornavam tão amado por quem quer que o conhecesse. Não sei se um dia conhecerei alguém como ele. E disso me orgulho, de haver tido o  privilégio ter sido filho de um ser assim iluminado, de tão rara figura nesses tempos  em que impera a maldade, a incompreensão e a  intolerância.    

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