SINAIS
Depois daquela etapa do tratamento as coisas começaram a não andar bem. Eu já estava morando em Sananduva. Um pouco mais distante do que São José do Ouro, mas ao menos eu podia viajar em uma estrada asfaltada para visitá-lo. A cada nova internação percebia-se que o seu organismo ficava mais fraco. Os exames de sangue mantinham-se estáveis, mas quando recebíamos o resultado das tomografias tínhamos a exata noção de que os tumores já não reagiam tão bem ao tratamento. Como resultado, voltaram os episódios de acúmulo de líquido no abdômen e no pulmão, embora sem a gravidade das crises de 2006. Vez por outra manifestava-se a encefalopatia. Quando o fígado funcionava mal, ele ficava extremamente agitado e não conseguia dormir, a ponto de ficar mais de 24 horas acordado. Era complicada essa situação. A mãe ficava esgotada, pois também não conseguia ter um sono reparador, mesmo que o pai não fosse daqueles pacientes que ficam chamando o tempo todo e exigindo cuidados permanentes e ininterruptos. Longe disso. Ele tinha noção de que ela precisava dormir e evitava atrapalhar-lhe o sono. Mas não tinha jeito. Uma hora ou outra ele precisava ir ao banheiro, ou levantava-se insone e ia para a sala ligar a televisão. E a acordava, com certeza. Durante o dia, quando lhe batia finalmente o sono, a mãe tentava não deixá-lo dormir, acreditando que assim ele dormiria à noite. Mas era pior. A ação dos remédios receitados pelo médico para amenizar a encefalopatia era forte e acabava tendo esse efeito colateral. Não obstante, tentando resolver o problema da falta de sono, o médico havia receitado um ansiolítico, que por sua vez acabava dando efeito contrário, gerando um círculo vicioso insolúvel. Certa noite o pai bateu na casa do Nando à 1 hora da madrugada. Meu irmão assustou-se e perguntou se havia acontecido alguma coisa. “Não – respondeu ele – eu estava sem sono e vim aqui conversar com você...” Só que o Nando também tinha que ir cedo para o trabalho e não poderia lhe dar atenção àquela hora. Conversou um pouco com ele e ligou a TV para que assistisse enquanto tentaria dormir mais um pouco. Mas não demorou até o pai chamá-lo querendo ir prá casa. Vestiu-se, então, e o levou até a farmácia. A mãe estava tão cansada e tão abatida pelas horas em claro que só se acordou quando os dois entraram no quarto. Surpresa e assustada, ficou sabendo só ali que o pai tinha saído de casa sozinho àquela hora da madrugada e retornado com o Nando.
Começamos a perceber que o vigor físico do pai começava a diminuir gradativamente. Mesmo assim ele e a mãe viajavam a Bento Gonçalves de vez em quando, onde ficavam por 10 ou 15 dias. Rever os netos Nain e Amanda era sempre algo que lhe renovava as forças. Mas cada viagem estava ficando mais complicada pela dificuldade cada vez maior para se locomover. Quando voltava de lá, quase sempre era hora de levá-lo para outra etapa do tratamento, pois a parte final do prazo dado pelo médico para retorno era sempre a fase em que seu fígado já estava melhor recuperado da agressão causada pelas alcoolizações. E as próprias internações começavam a ser mais longas. Se no começo bastavam dois dias, agora a estada no hospital estendia-se até por 4 dias.
A chegada do inverno sempre era outra preocupação. Seu organismo debilitado ficava sempre à mercê de doenças pulmonares. Não podíamos nos descuidar da vacina da gripe para ele e para a mãe. Nos dias de frio extremo, recomendávamos que permanecesse em casa, bem agasalhado. Mas nem sempre ele nos atendia e acabava perambulando pelas ruas de Paim Filho em busca das réstias de sol nos dias de geada. Teimava em manter uma rotina que cada vez mais se mostrava difícil. Não dispensava seu baralho no Clube, nem suas idas à Igreja. E muito menos as visitas aos amigos e compadres. E a quem lhe perguntasse como estava, a resposta era invariavelmente a mesma: “estou bem!”.
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