domingo, 13 de dezembro de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XXVII
O AP DA MARÍLIA: INESQUECÍVEL
Faço uma pausa na narrativa da evolução clínica do pai para um imprescindível e justo registro.

Um dos episódios mais marcantes e confortadores de nossa odisséia aconteceria a partir de Fevereiro de 2006. No início do mês, com o pai já no HCPA e nossa rotina mantida, a mãe recebeu uma visita no albergue. A tia Rosa viajou a Porto Alegre, onde moram os primos Marília e Luiz Fernando e aproveitou para visitar o pai no hospital, indo depois até o albergue. E fez um (para nós) inusitado convite. A Marília estaria entrando em férias naqueles dias e deveria viajar, ficando fora possivelmente até o final do mês. E nos foi oferecida a possibilidade de ficarmos “hospedados” em seu apartamento, acompanhando o tratamento do pai. O apartamento da Marília fica a poucas quadras do Hospital de Clínicas e isso facilitaria enormemente o acompanhamento da evolução dele. Por mais que o alojamento do albergue fosse bom, a verdade é que a distância fazia com que ficássemos reféns dos horários das lotações, já que está situado no bairro Partenon, realmente distante do centro. E isso cansava muito, além de limitar os horários de tal forma que muitas vezes acabávamos almoçando no centro e retornando apenas à noite. Além disso, a rotina de conviver diariamente com pessoas estranhas, de quase não se ter privacidade, de ter que compartilhar espaços e objetos com pessoas que nunca havíamos visto antes não deixava de ser estressante. A mãe, mesmo sem admitir, já mostrava certo esgotamento. Sei que se fosse necessário teria ficado um ano no albergue sem se queixar, mas era visível que a situação começava a cansar. Então, pode-se deduzir o alívio com que tal convite foi recebido. Uma bênção. No início a mãe relutou, ligou pra nós para ouvir nossa opinião... Queiramos ou não, a gente fica um tanto constrangido quando passa a ser hóspede de alguém, mesmo que seja um familiar. Fica-se com a sensação de estar atrapalhando a vida das pessoas, de ser um “estorvo”, não se fica confortável, na verdade. No entanto, sempre tivemos uma relação muito próxima com os tios e primos de Nova Prata. Um carinho recíproco sempre se desenhou em todos os encontros familiares, nas cartas trocadas, nos telefonemas, nas férias que passávamos por lá. Crescemos com a sensação de que lá estavam de fato nossas origens e duas vezes por ano, nas férias escolares, costumávamos visitar a vó, os tios, os primos, e lá tomávamos contato com coisas que não víamos nos confins de Paim Filho – certas modernidades que não chegavam tão cedo naqueles sertões – e convivíamos algum tempo com aquela gente que, de fato, parecia ser nossa própria família. E é. Embora separados pela distância, mantemo-nos sempre muito próximos. Conheço famílias (inclusive a da minha mulher) que quase não se relacionam senão com irmãos e cunhados. Primos são considerados parentes distantes. Não é nosso caso. A Neu fica admirada quando conversamos e eu digo que considero meus primos quase como irmãos e que sinto saudades de minhas tias e tios de Nova Prata quando fico muito tempo sem vê-los. E isso pesou na decisão de aceitarmos a oferta da Marília e da tia Rosa. Raciocinamos que se fosse o contrário, com certeza faríamos o mesmo, justamente por essa proximidade que nutrimos. Então, aconselhamos a mãe a aceitar, sim, o convite. Um dia daríamos um jeito de agradecer e compensar a eles esse imenso favor que estariam nos fazendo. Mas naquele momento éramos uma família carente de ajuda. Estávamos mortalmente feridos em nosso âmago. A flecha de um inimigo mortal havia atingido nosso patriarca e nos sentíamos, naquele momento, totalmente indefesos e dependentes. O meio não nos era hostil, mas nos era estranho. A capital sempre fora um lugar distante, onde íamos apenas em caso de estrita necessidade (a cada morte de papa) para resolver algum problema, participar de algum evento bancário ou realizar alguma consulta médica mais importante. Então, nem a Marília, nem a tia Rosa saberiam da dimensão daquele gesto. Os dias que se seguiram nos deixaram mais energizados para enfrentar aquela situação adversa. O cansaço deu lugar a um ânimo renovado, que passou, com certeza, para o pai. E dentro de nossa infelicidade pela doença grave que enfrentávamos na família, fomos um pouco mais felizes. Obrigado Marília. Vocês moram no nosso coração!

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