
Essa relíquia aí ao lado é
uma carteirinha de atleta
expedida pelo CMD de Paim
Filho em 1983. O nome do time
era esse mesmo. Eu e ele
jogamos juntos nesse time de
FUTSAL. Saudades.
PARTE XII
A ANGÚSTIA DA ESPERA
Os dias que se seguiriam acabariam sendo extremamente angustiantes. A minha família estava na expectativa de que em breve o leito na Santa Casa fosse disponibilizado e torcia para que a cirurgia se realizasse o mais breve possível. Em situações assim, quanto mais longa a espera, maior o sofrimento, pela incerteza dos rumos que a doença possa estar tomando. Imagino que para o pai e a mãe tenha sido ainda pior - com certeza foi - pois se nós, que trabalhávamos perifericamente pelo encaminhamento de uma solução, estávamos angustiados, imagina eles, que estavam no centro do problema. E principalmente o pai, que era o doente. O que terá se passado na cabeça dele durante esse tempo? O que vai na cabeça de alguém que de uma hora para outra se descobre com uma doença grave, que poderá significar o fim de sua vida? O instinto natural de sobrevivência nos leva a um apego muito forte à vida, aos familiares, aos amigos, à própria rotina. De repente, o mundo desaba e ficamos sabendo que tudo isso pode ter um fim dentro de um breve período de tempo. Fico imaginando quantas vezes meu pai deve ter chorado escondido em seus momentos de solidão. Imagino em quantos momentos, antes de dormir, ele deva ter ido às lágrimas e ter sido consolado pela mãe. Parece que posso ver a cena com ele chorando recostado no peito da mãe, enquanto ela tentava lhe passar otimismo, como forma de manter alto o seu astral... E aí, fico imaginando o que pode ter se passado na cabeça da mãe. Queiramos ou não, mesmo que não em tão avançada idade, eles já demonstravam características de um casal idoso. Moravam sozinhos, as marcas do tempo já visíveis nos seus rostos, aquelas dores nas costas que se tornavam cada vez mais frequentes... E agora, embora jamais viesse a admitir, a mãe sabia que começava a perder o seu companheiro de mais de 40 anos. O que pensar num momento desses? Confesso que não consigo imaginar o tamanho do sofrimento, sendo sabedora da gravidade e tendo que esconder e negar isso a todo momento para não causar desânimo no doente.
Mas as coisas foram acontecendo e não havia opção de retorno.
Durante mais de 10 dias eu busquei caminhos que me auxiliassem a conseguir o leito na Santa Casa. Era muito difícil. A Santa Casa está sempre lotada. Tentamos até a interferência de políticos, de amigos, de autoridades.Durante uma semana, fiz cerca de 10 viagens de São José do Ouro até Cacique Doble. Ía na residência do Sr. Adroaldo Zottis, amigo ligado ao governo do Estado e a alguns deputados. Contatados, todos prometiam que conseguiriam a vaga para o pai, mas logo retornavam a ligação dizendo que estava difícil e que sua intervenção fora inóqua. Que havia uma ordem de ocupação e era difícil transpor, mesmo que o caso do pai fosse de maior gravidade. Liguei várias vezes ao Jênio Galon, colega gerente e conterrâneo, que estava em Carazinho e era amigo de um deputado influente de lá, tentando a mesma coisa. Tentei a interferência do Nico Cavazzola, que além de nosso amigo é pai de um médico que atua em Porto Alegre e conheceria, talvez, algum "caminho alternativo", mas ele disse que não poderia ajudar nesse caso. Tudo foi em vão. Conversava quase que diariamente com o Dr. Sílvio, por telefone. Não havia dia em que eu não ligasse para o pai para saber como estava e que não fosse indagado sobre o tal leito que não se conseguia. E resignava-se quando eu lhe dizia que ainda não, que não havia vagado nenhum.
Eu estava visivelmente nervoso e não conseguia trabalhar direito. Embora nunca tenham reclamado, eu sentia que a Neu e as meninas estavam insatisfeitas com a situação. Elas entendiam tudo e jamais me cobraram nada disso, mas eu as havia deixado em segundo plano naqueles dias. Parecia que minha vida toda, minha mente, minhas energias, tudo deveria ser canalizado para o encaminhamento de uma solução, que eu nem sabia se existiria de fato.
Um dia o Dr. Sílvio me disse que seria mais provável que conseguíssemos o leito entre o Natal e o Ano Novo, já que é um período onde ocorrem muitas altas, para que pacientes menos graves possam confraternizar em suas casas. Foi bom, pois finalmente tínhamos uma data, mesmo que uma tênue previsão. Melhor do que aquela situação angustiante de não se saber nunca se haveria o tal leito disponível. A ordem era ficarmos preparados, porque quando o hospital nos ligasse deveríamos viajar imediatamente. As vagas não podem ser "seguradas". Os leitos tem que ser ocupados em um prazo não maior do que 12 horas, sob pena de serem repassados a outro paciente.
Assim, houve uns três ou quatro dias de relativa tranquiliade. Era a semana do Natal de 2005 e resolvemos realizar uma ceia lá em casa. Convidamos os pais do namorado da Cristina, o Nando e a família, o pai e a mãe.
Mesa farta, assados, comidas próprias para a ocasião. Nenhuma bebida de álcool.
Foi uma ceia diferente. Lembro que comi muito pouco. Nos abraçamos, tentamos deixar um clima de Natal, mas havia um nó na garganta, uma coisa estranha. Eu não estava feliz. Acho que ninguém estava. Todos estavam disfarçando uma sensação de angústia, de perda, de que algo extremamente ruim estava por vir. As risadas eram nitidamente forçadas. Estávamos desconfortáveis. Nunca esquecerei daquela ceia. No dia seguinte, fomos a Paim Filho para o tradicional almoço de Natal. O pai estava feliz. Foi o último Natal em que o vimos com sua aparência normal - bonachão, brincalhão, rosto cheio, cor saudável. Foi o último.
PARTE XII
A ANGÚSTIA DA ESPERA
Os dias que se seguiriam acabariam sendo extremamente angustiantes. A minha família estava na expectativa de que em breve o leito na Santa Casa fosse disponibilizado e torcia para que a cirurgia se realizasse o mais breve possível. Em situações assim, quanto mais longa a espera, maior o sofrimento, pela incerteza dos rumos que a doença possa estar tomando. Imagino que para o pai e a mãe tenha sido ainda pior - com certeza foi - pois se nós, que trabalhávamos perifericamente pelo encaminhamento de uma solução, estávamos angustiados, imagina eles, que estavam no centro do problema. E principalmente o pai, que era o doente. O que terá se passado na cabeça dele durante esse tempo? O que vai na cabeça de alguém que de uma hora para outra se descobre com uma doença grave, que poderá significar o fim de sua vida? O instinto natural de sobrevivência nos leva a um apego muito forte à vida, aos familiares, aos amigos, à própria rotina. De repente, o mundo desaba e ficamos sabendo que tudo isso pode ter um fim dentro de um breve período de tempo. Fico imaginando quantas vezes meu pai deve ter chorado escondido em seus momentos de solidão. Imagino em quantos momentos, antes de dormir, ele deva ter ido às lágrimas e ter sido consolado pela mãe. Parece que posso ver a cena com ele chorando recostado no peito da mãe, enquanto ela tentava lhe passar otimismo, como forma de manter alto o seu astral... E aí, fico imaginando o que pode ter se passado na cabeça da mãe. Queiramos ou não, mesmo que não em tão avançada idade, eles já demonstravam características de um casal idoso. Moravam sozinhos, as marcas do tempo já visíveis nos seus rostos, aquelas dores nas costas que se tornavam cada vez mais frequentes... E agora, embora jamais viesse a admitir, a mãe sabia que começava a perder o seu companheiro de mais de 40 anos. O que pensar num momento desses? Confesso que não consigo imaginar o tamanho do sofrimento, sendo sabedora da gravidade e tendo que esconder e negar isso a todo momento para não causar desânimo no doente.
Mas as coisas foram acontecendo e não havia opção de retorno.
Durante mais de 10 dias eu busquei caminhos que me auxiliassem a conseguir o leito na Santa Casa. Era muito difícil. A Santa Casa está sempre lotada. Tentamos até a interferência de políticos, de amigos, de autoridades.Durante uma semana, fiz cerca de 10 viagens de São José do Ouro até Cacique Doble. Ía na residência do Sr. Adroaldo Zottis, amigo ligado ao governo do Estado e a alguns deputados. Contatados, todos prometiam que conseguiriam a vaga para o pai, mas logo retornavam a ligação dizendo que estava difícil e que sua intervenção fora inóqua. Que havia uma ordem de ocupação e era difícil transpor, mesmo que o caso do pai fosse de maior gravidade. Liguei várias vezes ao Jênio Galon, colega gerente e conterrâneo, que estava em Carazinho e era amigo de um deputado influente de lá, tentando a mesma coisa. Tentei a interferência do Nico Cavazzola, que além de nosso amigo é pai de um médico que atua em Porto Alegre e conheceria, talvez, algum "caminho alternativo", mas ele disse que não poderia ajudar nesse caso. Tudo foi em vão. Conversava quase que diariamente com o Dr. Sílvio, por telefone. Não havia dia em que eu não ligasse para o pai para saber como estava e que não fosse indagado sobre o tal leito que não se conseguia. E resignava-se quando eu lhe dizia que ainda não, que não havia vagado nenhum.
Eu estava visivelmente nervoso e não conseguia trabalhar direito. Embora nunca tenham reclamado, eu sentia que a Neu e as meninas estavam insatisfeitas com a situação. Elas entendiam tudo e jamais me cobraram nada disso, mas eu as havia deixado em segundo plano naqueles dias. Parecia que minha vida toda, minha mente, minhas energias, tudo deveria ser canalizado para o encaminhamento de uma solução, que eu nem sabia se existiria de fato.
Um dia o Dr. Sílvio me disse que seria mais provável que conseguíssemos o leito entre o Natal e o Ano Novo, já que é um período onde ocorrem muitas altas, para que pacientes menos graves possam confraternizar em suas casas. Foi bom, pois finalmente tínhamos uma data, mesmo que uma tênue previsão. Melhor do que aquela situação angustiante de não se saber nunca se haveria o tal leito disponível. A ordem era ficarmos preparados, porque quando o hospital nos ligasse deveríamos viajar imediatamente. As vagas não podem ser "seguradas". Os leitos tem que ser ocupados em um prazo não maior do que 12 horas, sob pena de serem repassados a outro paciente.
Assim, houve uns três ou quatro dias de relativa tranquiliade. Era a semana do Natal de 2005 e resolvemos realizar uma ceia lá em casa. Convidamos os pais do namorado da Cristina, o Nando e a família, o pai e a mãe.
Mesa farta, assados, comidas próprias para a ocasião. Nenhuma bebida de álcool.
Foi uma ceia diferente. Lembro que comi muito pouco. Nos abraçamos, tentamos deixar um clima de Natal, mas havia um nó na garganta, uma coisa estranha. Eu não estava feliz. Acho que ninguém estava. Todos estavam disfarçando uma sensação de angústia, de perda, de que algo extremamente ruim estava por vir. As risadas eram nitidamente forçadas. Estávamos desconfortáveis. Nunca esquecerei daquela ceia. No dia seguinte, fomos a Paim Filho para o tradicional almoço de Natal. O pai estava feliz. Foi o último Natal em que o vimos com sua aparência normal - bonachão, brincalhão, rosto cheio, cor saudável. Foi o último.
Nenhum comentário:
Postar um comentário