AINDA EM PORTO ALEGRE
Ouvimos atentamente as instruções do Dr. Sílvio. Sentimos nele um certo otimismo. Nos passou segurança quando falou que a cirurgia tendia a ser curativa. Ele, de fato, parecia acreditar que era possível obter a cura do tumor, embora o diâmetro surpreendente de 8cm me deixasse um pouco cético. Parecia inconcebível tirar um pedaço tão grande de um órgão vital e vê-lo regenerar-se a ponto de retornar ao tamanho normal, devolvendo ao pai as suas funções hepáticas sem que restassem sequelas. Mas a impressão era de que estávamos diante de um profissional experiente, com conhecimento de causa. E estávamos.
Uma linha da Unesul saía às 12:15 de Porto Alegre e chegava às 19 horas em São José do Ouro. Depois disso, só conseguiríamos retornar com um ônibus das 19:15 - aquele pinga-pinga que passa por Nova Prata e André da Rocha e deixa a gente parecendo que retornou de uma guerra... E chegaríamos de madrugada. Terrível.
Nos aproximávamos das 11:00 quando o Dr. Sílvio decidiu que seria necessário um outro ultrassom. Era preciso um ultrassom com doppler, com o objetivo de identificar claramente se não havia nenhum outro foco tumoral no fígado do pai. Tudo indicava que não. Mas era necessário, a fim de nortear o procedimento cirúrgico de forma a não deixar possibilidade de recidiva (o retorno do tumor).
Fomos rápidos em decidir onde fazer. O médico nos deu algumas alternativas, mas optei pela que achei mais prática. Liguei para a Marília e perguntei se ela poderia intermediar rapidamente a realizaçao de um exame assim, de modo que pegássemos um táxi e em poucos minutos estivéssemos realizando o procedimento. Eu acreditava que seria possível em pouco mais de uma hora estarmos liberados para retornar com o ônibus do meio-dia. E já fomos conversando sobre plano de saúde, SUS, etc. Acabou que entendemos que não haveria outra solução a não ser realizar o exame pagando "particular". Tudo bem. Eu estava preparado para gastos extras. Mesmo assim, a Marília conseguiu um grande desconto para nós. Acho que nos cobraram apenas os custos do exame. Na pressa, nem lembro por que, acho que justamente pela necessidade de corrermos para a rodoviária, acabamos nem pagando a despesa. A Marília disse que acertava por nós e depois me ligaria para que eu depositasse o valor na conta dela. Foi ótimo. Ganhamos um tempo precioso. O pai entrou na sala do exame e eu fui com ele. Uma médica ou enfermeira extremamente simpática e atenciosa nos atendeu. Foi fazendo o exame e nos explicado em detalhes tudo o que fazia. Conversava com o pai com uma calma relaxante e o deixava cada vez mais tranquilo. Identificou a localização do tumor e nos disse que o restante do fígado estava "quase" perfeito. Na hora não entendemos muito bem o que significava aquele "quase". O pai nunca soube. Eu viria a saber depois, que havia um outro nódulo em formação, próximo do principal. Era a má notícia. Significava que o tumor principal tinha potencial para formação de outros nódulos. Seria um grande desafio para o Dr. Sílvio realizar uma cirurgia que não deixasse resquícios do tumor no tecido hepático do pai.
Na saída, tive que puxar o pai pelo braço. Ele não parava de agradecer à médica pelo tratamento cordial e respeitoso que teve com ele. O pai era assim. Querendo agradá-lo, era só tratá-lo bem. Simplicidade, simpatia, humildade. Eram suas palavras mágicas.
Corremos para o pátio do Clínicas e entramos rapidamente em um táxi. Olhei para o relógio: 12:05. E ainda tinha que chegar e comprar a passagem. Fiz o taxista acelerar tudo o que podia. Parecia que estávamos numa perseguição policial. Por sorte deu tudo certo. Não ficamos presos em nenhum sinal e acabamos chegando em tempo. Comprei as passagens num relâmpago. E mais uma vez peguei o pai pelo braço e o fiz correr. "The Flash" passaria vergonha naquele dia, de tanto que corremos. Quando chegamos ao box da Unesul, o motorista se preparava para entrar no ônibus e fechar a porta...que sufoco. Mas em minutos estávamos ali, acomodados. O pai recostou-se no confortável banco do pinga-pinga e inciou um delicioso cochilo. Eu? Nem sei, porque apaguei de vez. Fui acordar em Caxias, na primeira parada. Por sinal a primeira de muitas que viriam. O cobrador anunciou que seriam 15 minutos. Capaz que eu acreditaria nisso. Nessas linhas da Unesul o tempo segue a lógica de Einstein. É relativo. 15 minutos sempre significam meia-hora.
Só então me dei conta de que estávamos sem comer desde o café da manhã.
E então, às 14 horas daquele fatídico dia, desci triunfante as escadas do ônibus, fui ao bar da rodoviária que fica bem em frente ao box e comprei. Sim, comprei dois belíssimos...pastéis. De carne com azeitona, óbviamente. Eu e o pai nos deliciamos com aquela iguaria, enquanto saboreávamos uma coca-cola geladinha. Foi um fantástico almoço. Podem acreditar.
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