O LEITO, FINALMENTE
Na semana que se seguiu, houve um grande movimento no Banco. Final de ano sempre é movimentado. Eu trabalhava com a mente dividida, parte de mim era absorvida pela rotina, enquanto outra não desligava do pai. Eu ligava prá farmácia de manhã, de tarde, de noite. Ligava pro Dr. Sílvio, pro Dr. Jorge - acho que incomodava meio mundo. Mas não havia muito o que fazer. Havia a certeza de que conseguiríamos o tal leito na Santa Casa, mas estávamos reféns do esforço que fazia o Dr. Sílvio em Porto Alegre. Foi mais uma semana muito tensa. No dia 1° de Janeiro de 2006, nos reunimos com a família da Neu. Fazíamos isso sempre. O Natal era da minha família, o primeiro de ano era da dela. Quase sempre conseguía-se reunir todos os filhos, genros, noras, netos, num agradável almoço familiar,sempre prazeirosamente comandado pelo meu sogro e pelo meu cunhado César. Naquele dia, o assunto foi o problema do pai. E ficou visível que o meu abatimento contagiou a todos. Nada faltou naquele almoço que pudesse deixá-lo menos agradável, mas percebía-se que havia uma consternação de todos com a notícia da gravidade da doença dele. Enquanto isso, em Paim, o Nando e eles procuravam confraternizar normalmente. Como se isso fosse possível. Como desejar um "feliz ano novo" para alguém que caminha inexoravelmente para uma situação em que até a sobrevida torna-se uma incógnita? Mas os "rituais" foram mantidos. Abraços, desejos de paz e prosperidade, tapinhas na nuca acompanhados de um "vai dar tudo certo". O apoio de familiares e amigos não tem preço nesses momentos difíceis. Cada vez mais eu aprenderia isso e me tornaria um cara solidário, como nunca eu havia sido na vida.
Desta vez não voltamos direto para São José do Ouro. Demos a volta por Paim Filho, onde ainda abraçamos a todos e tentamos passar algum otimismo. Conversamos com o Nando, com a mãe, com o pai. E tentamos demonstrar tranquilidade, pois a hora de viajar estava próxima, embora frustrada a expectativa de que obtivéssemos a vaga durante a semana anterior. E retornamos no final da tarde.
No dia 02 de Janeiro, com aquele intenso movimento no Banco, em razão do vencimento do IPVA, tive pouco tempo prá pensar em outra coisa. Não houve folga. Clientes em quantidade muito acima do normal, fila até fora do Banco. Mesmo assim liguei duas vezes pro pai durante o dia. E pedi que ficassem preparados, que falassem com a Secretaria da Saúde reservando uma ambulância ou um carro para a viagem até Porto Alegre. Algo me dizia que o leito agora estava muito próximo. E estava. No dia seguinte, dia 03 de Janeiro, eram cerca de 9 horas da manhã quando o telefone da Agência tocou. Era de Porto Alegre, prá mim. Engraçado, eu recebia telefonemas de Porto Alegre quase que diariamente, às vezes mais de um por dia, quase sempre da Direção Geral do Banco. Mas naquele momento eu já sabia que não era do Banrisul. Eu sabia que era da Santa Casa. Fui até o almoxarifado da agência, para falar num ambiente mais silencioso. Do outro lado da linha, alguém perguntou "Sr. Marco Antônio?"- "Sou eu", respondi ofegante. "Aqui é da Santa Casa" - continuou - "o Dr. Sílvio Balzan pediu que ligasse pro senhor prá informar que está disponível um leito ao Sr. Egídio Bernardo Arsego..." Um frio percorreu a minha espinha e me contive para continuar ouvindo ..."vocês devem ocupar esse leito até as 18 horas de hoje, tendo em vista que não podemos deixar um leito ocioso por muito tempo. Devem apresentar-se na portaria e..." (ele continou a passar instruções, que ouvi atentamente). E então, toda a angústia que se acumulava no peito há tantos dias, de repente explodiu. Entrei correndo no banheiro da agência e desandei a chorar copiosamente, convulsivamente. Ensopei a toalha de rosto, a ponto de ter que substituí-la depois. Não havia ali um ombro onde recostar minha cabeça. Mas finalmente veio o alívio de que eu necessitava para poder pensar melhor. Era como se toda aquela responsabilidade que eu havia chamado para mim agora se traduzisse em resultado. Até porque eu já começava a sofrer algumas contestações de amigos, que achavam ter sido um erro o caminho que eu escolhera, que talvez tivesse sido melhor ir a Passo Fundo, que talvez fulano ou sicrano pudessem ter conseguido um encaminhamento melhor para o caso do pai, que eu devia ter procurado o médico tal, a secretaria da saúde... enfim, tudo aquilo agora explodia, como num gol feito por um atacante que está há vários jogos sem marcar... Daí o choro incontido.
Apressei-me, então em avisar todo mundo. Os meus colegas comemoraram comigo. Vi alguns com os olhos marejados ao perceber que eu havia chorado muito e entender o que significava prá mim aquele momento. Era a minha primeira vitória no encaminhamento do processo que eu esperava que culminasse com a cura da doença do meu pai.
Liguei primeiro prá Neu, depois pro Nando, prá Mili, pro Digo...acho que todos eles perceberam como eu estava e vibraram comigo. Mas agora vinha mais um capítulo. Tínhamos que ser rápidos. Liguei pro pai e pedi pressa para encontrarmos um veículo que pudesse levá-los em tempo hábil até a capital. Não tínhamos muito tempo. Falei com a Jussane e pedi que auxiliasse, tentando conseguir um carro ou ambulância na secretaria municipal da saúde. Agora o tempo conspirava contra nós.