sábado, 15 de janeiro de 2011

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XLVIII




A SEGUNDA ALCOOLIZAÇÃO





A minha formatura em Passo Fundo não teve a presença do pai, nem da mãe. Nem de nenhum dos meus irmãos. Eram tempos difíceis. Nem eu estava em condições de promover alguma festa diferente, nem eles de gastar qualquer coisa naquele momento. E o pai, obviamente, não contava com saúde suficiente para se deslocar até lá e muito menos para ficar por horas em uma cerimônia de entrega de certificados. De modo que preferi que tudo ficasse apenas no jantar promovido pela turma, em que esteve presente apenas a minha esposa. O interessante é que me dei conta, recentemente, que nas duas formaturas que tive na vida não pude contar com os familiares, senão apenas com a Neu. Em 1986 eu colei grau na antiga FAPES, de Erexim, fui orador da turma. Apenas a Neu estava no anfiteatro para testemunhar e me ver vestido de toga. Havíamos casado fazia 2 meses. Eu havia pago toda a minha faculdade com o salário mínimo que recebia na Prefeitura de Paim Filho. O pai não tinha condições de arcar com uma despesa como essa e eu entendia isso muito bem. Mesmo assim, não foram poucas as vezes em que me ajudou, adiantando valores para pagamento das mensalidades, que eu devolvia depois, sem nada de juros. Eles fizeram o que foi possível. Tinham quatro filhos, não só eu. E não deve ter sido fácil conviver com a incerteza quanto ao nosso futuro, pelas precárias condições financeiras da família. De qualquer forma, ao menos o filho mais velho começava a se encaminhar bem. Na época da formatura em Erexim, não me dei conta disso, mas hoje, confesso que sinto um certo vazio e uma sensação de frustração “retroativa” por não ter sido possível entregar uma rosa aos meus pais como nas tantas cerimônias de formatura para as quais tenho sido convidado, ter derramado lágrimas de felicidade junto deles, ter recebido um abraço dos dois, seguido de palavras de incentivo, ou ter subido ao microfone para dizer-lhes em público o quanto os adorava e o quanto lhes era grato pelo sacrifício que faziam para me encaminhar bem na vida.

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Na semana seguinte à minha formatura no MBA, tirei um dia de folga. Era hora de levar o pai novamente para Erexim. Internação, tomografia, medicação preparatória. Outra vez a alcoolização, nos mesmo nódulos, que teimaram em ficar ativos. O exame de alfafetoproteína fora cruelmente direto: o câncer estava vivo. Repetiu-se toda a rotina anterior, com o pai chegando ao quarto imóvel e totalmente debilitado. O fígado literalmente parava depois do procedimento. Era um choque naquele órgão sensível e as funções precisavam de um tempo para retomarem seu curso normal. Desta vez a mãe fizera questão de ir junto e passar a noite ou quanto mais tempo que fosse necessário com o pai no hospital. Relutamos, a princípio, entendendo que seria um sacrifício demasiado para ela e que um de nós acabaria dando um jeito de ficar com ele, mas não houve proposta que a fizesse mudar de idéia.

Depois que o pai já estava acomodado no leito, sedado e dormindo profundamente, retornei a São José do Ouro. Passando por Paim, cheguei na farmácia para informar que estava tudo bem e que ficaria aguardando a alta par buscá-lo, talvez no final da tarde do dia seguinte. Foi o que aconteceu. Por volta das 3 horas da tarde liguei para o hospital e estavam liberados. Imediatamente pedi licença aos colegas do Banco e saí mais cedo. Avisei a Neu e rumei de novo para Erexim, para encontrá-los no hospital.

O pai já parecia bem melhor. Debilitado, é verdade. Falava com uma voz fraquinha e pausada, como quem ainda sente os efeitos da medicação. Movia-se com dificuldade. Faltavam-lhe as forças para sair do carro, tínhamos que ajudá-lo. Era o fígado canalizando suas funções para recuperar o “estrago” do procedimento e reiniciar gradativamente seu trabalho de filtragem e processamento da energia para o corpo.

Os dias seguintes seriam decisivos. Ele precisava repousar, alimentar-se bem, e aguardar que o corpo fizesse sua parte.

Deixei-os na farmácia e voltei para casa, desta vez satisfeito e esperançoso de que os nódulos pudessem finalmente ter sido eliminados, que o procedimento tivesse um sucesso maior do que o primeiro.

Interessante era ver o pai sempre me dar um abraço antes de me deixar ir, dizendo um “muito obrigado” que me soava estranho, porque no meu íntimo ele não deveria jamais agradecer. Eu é que devia algo a ele. Para mim, o que eu estava fazendo nada mais era do que uma obrigação de filho – tal qual ele fizera com o pai dele nos derradeiros anos do nono beppi, que morreu em 1974. Mas não houve uma única vez, durante o seu calvário de três anos, em que ele não me agradecesse depois de cada viagem.