PARTE LXIII
PARA SEMPRE...
Saí pela porta da frente do Hospital de Caridade, onde já se encontravam a mãe, o Nando, a Mili. Enquanto o corpo dele era preparado para ser levado ao necrotério, fiz todas as ligações possíveis. Liguei imediatamente para a Neu, informando da morte do pai. Depois liguei para a Jussane e pedi que tomasse as providências fúnebres necessárias. O corpo seria buscado pela funerária Tagliari. Fiz contato com o Dr. Paulo, com a rádio Poatã, de São José do Ouro, com a rádio Educadora de São João da Urtiga. Em poucos minutos toda a região saberia que o Bernardo já não estava mais neste mundo. Pedi que a Jussane conversasse com o Padre e marcasse a missa de corpo presente para as 10 horas da manhã. Seria véspera de Natal e com certeza os familiares mais distantes gostariam de retornar para suas cidades a tempo de ainda festejarem o Natal, muito embora para alguns a data com certeza não teria mais o mesmo brilho.
A mãe estava muda. Não chorava. Acompanhava tudo o que eu fazia com atenção, sem dizer uma única palavra. Fumou um ou dois cigarros escorada no corrimão da escada central, com o olhar perdido no horizonte, como a tentar entender o que acontecia. Naquele momento eu sentia um impulso dentro de mim que me impelia a tomar todas as providências. Em sequência, uma após a outra, automaticamente. Era como se de repente eu soubesse de tudo o que era necessário para um funeral. E naquele momento eu soube. Tudo começou a acontecer de forma natural, cronológica, passo a passo...
Por volta das 14 horas soubemos que o corpo já estava no necrotério e descemos para a parte de baixo do terreno do HC. Havia uma porta grande que levava à garagem e, entrando por ela, à direita, uma outra que levava ao necrotério. Não entramos de imediato, nem deixamos que a mãe chegasse perto daquela porta. Quando finalmente chegou o Nego Tagliari com o carro funerário, trazendo o terno e as roupas que eu havia pedido à Jussane para comprar, finalmente acessamos aquela ala e pudemos ver, então, o corpo que jazia sobre a mesa de concreto, vestido apenas com as fraldas que usava no leito da UTI. O corpo já estava frio, filetes de sangue saíam de seus braços, pelos buracos de agulha feitos em suas veias para administrar medicamentos. Seus olhos continuavam entreabertos. Passei de leve a mão sobre o rosto, de cima para baixo, de modo que suas pálpebras deslizaram e fecharam-se. Vestimos o pai. Uma sensação estranha. Nenhum de nós havia feito isso na vida, nem havíamos tido contato tão próximo com qualquer cadáver, antes. Nem mesmo de algum familiar. Mas agíamos de forma tão natural com o corpo imóvel do pai, que parecia o contrário. E, por incrível que pareça, eu sentia uma paz muito grande ao tocar o pai ali sobre a laje do necrotério. Depois, ficamos observando o Tagliari, que dava conta dos últimos detalhes para ajeitar o corpo. As mãos foram cruzadas sobre o peito e os dedos colados com uma cola especial para não se abrirem, assim como os lábios. O terno foi ajeitado, a gravata, a gola da camisa, e seu cabelo foi penteado. Finalmente, o colocamos no caixão que viera desde Paim Filho e só então permitimos que a mãe o visse. Já que era inevitável que o visse morto, queríamos, ao menos, que ela não ficasse com aquela imagem do pai semi-nu no necrotério. Que o visse já no caixão, arrumado. E ela veio, aproximou-se do caixão e chorou...
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Tudo pronto, finalmente o carro funerário tomou o rumo de Paim Filho, enquanto eu ainda tinha que passar no hospital para acertar alguns detalhes. Depois, com a mãe e mais alguém que não lembro, rumei para Sananduva, onde pegaria a Neu e as meninas para levá-las conosco ao velório do pai.
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Não preciso dar detalhes do velório, que foi igual a qualquer outro, mas ressalto a grande quantidade de pessoas que se fez presente para prestar as últimas homenagens ao cidadão painfilhense Bernardo. Sem dúvida, um dos maiores fluxos de pessoas já visto na casa mortuária do Hospital Santa Terezinha. Na missa, não foi diferente. Nos confortava ver o quanto nosso pai era querido pela população. Poucos parentes deixaram de vir. E os que não vieram foi por motivo de força maior, com certeza. De Nova Prata, veio uma van lotada. De Caxias, todos os primos, mais a tia Maria. De Foz do Iguaçu a Tia Marilene e o tio Armando...
E na missa me emocionei muito em alguns momentos. Chorei copiosamente em outros. Mas o que mais me tocou foi a homenagem que o prefeito Ique prestou ao meu pai. A decretação de LUTO OFICIAL POR 3 DIAS foi demais. Desabei. Era o reconhecimento máximo da comunidade pelo que representava o passamento do meu pai. Senti um misto de orgulho e de agradecimento e virei-me para trás, procurando localizar o prefeito para agradecer-lhe ao final da missa, o que só consegui quando já deixávamos a Igreja e nos preparávamos para ir até o cemitério. Lembro de ter dado um abraço emocionado no Ique e de ter dito um “muito obrigado”. Ele ficou com os olhos marejados e só disse: “ele merecia isso...” Jamais esqueceremos esse gesto do então Prefeito. Aliás, foi a coroação de uma amizade de décadas de nossas famílias.
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No cemitério, grande número de pessoas acompanhou as últimas homenagens prestadas ao Bernardo. Feitas as orações, despedímo-nos, sob forte emoção. E Enquanto o caixão era fechado e colocado no túmulo, pedi uma salva de palmas àquela figura querida que agora nos deixava. E o som das batidas ritmadas das mãos de todo o público presente naquele momento ecoou pelo vale do Inhandava que corria ao fundo...
Foi assim, que naquele fatídico Natal de 2008...ELE SE FOI...
PARA SEMPRE...