DERRADEIROS MOMENTOS
Assim que deixei a sala, entrou o Abílio, que ficou um tempo maior com ele. Havia um recado do Dr. Paulo para que eu fosse até o seu consultório, no prédio ao lado. Queria falar comigo. Convidei o Digão prá ir junto. Eu já imaginava qual seria a conversa. E não errei. Ele foi direto ao assunto. “Tudo o que era possível foi feito. Já foi um milagre ter chegado vivo até aqui, com todo o sangue que perdeu. Lhe administramos sangue e soro, o que lhe deu ainda alguma energia, mas o seu fígado está com as funções praticamente zeradas. Se ele ainda assim se recuperar, gostaria que vocês soubessem que nada mais há por fazer. Ele não suportaria nem uma próxima alcoolização...” Por um momento, ficamos pensativos, ao mesmo tempo em que absorvíamos o que o doutor falava. É interessante como a gente, mesmo sabendo de toda a situação, fica abalado quando ouve a sentença de morte da boca do médico. Tudo o que ele falou a gente já sabia ou imaginava, mas o choque de ouvir dele aconteceu do mesmo jeito. Talvez porque aquelas palavras, vindas do especialista que tratara dele desde o primeiro momento, significavam o fim de qualquer fio de esperança que ainda pudesse restar. Lembro de ter comentado com ele: “Dr. Paulo, a melhor coisa que poderia acontecer com o pai, quando nada mais restar a fazer, seria ele não mais se acordar...tenho certeza que o sofrimento psicológico dele, sentindo que vai morrer, seria muito maior do que qualquer sofrimento físico...”
Retornamos ao outro prédio e nos acomodamos na ante-sala da CTI, onde já estavam a Mili, a mãe, o Nando, o Abílio. O clima não poderia ser pior. Era visível o abatimento de todos. Nem lembro se comentamos com eles sobre as palavras do Dr. Paulo. Não era preciso. Cada um de nós, ao seu modo, sabia que estávamos diante dos últimos momentos do pai. O Abílio ainda comentou conosco que o pai havia sussurrado a ele que”...não querem me operar...” ficando ainda mais claro que ele mantinha uma última esperança de sobreviver em seus agora raros momentos de lucidez.
Já passava das 17 horas e as visitas na CTI estavam encerradas. Nos organizamos para retornar. A Mili e a mãe passariam a noite no hospital e nos manteriam informados sobre a situação. Se o pai melhorasse, iríamos nos organizar para um revezamento, já que não havia onde dormir senão nas poltronas da sala de espera, onde mal caberiam duas pessoas. E assim foi. Voltamos, entre apreensivos e ainda esperançosos de que algum tipo de milagre o mantivesse vivo por mais algum tempo. É assim mesmo que as coisas são. Mesmo na morte iminente, sempre se quer adiar os últimos momentos junto aos nossos entes queridos.
Quando cheguei em Sananduva, encontrei a Neu e as meninas mergulhadas no trabalho. Era o dia 22 de Dezembro e as encomendas de Natal acumulavam-se. Não tive como não juntar-me a elas. E enquanto dividíamos as tarefas, cada qual com suas “habilidades” fui fazendo um relato de tudo o que acontecera naquele dia, e a emoção tomava conta de todos na medida em que os fatos vinham à tona. Ficamos até por volta das 22 horas trabalhando e não agüentamos o cansaço. Meu plano era ir ao Banco trabalhar no dia seguinte, pois muita coisa já ficara acumulada e eu pretendia passar o Natal com o serviço mais ou menos em dia. Antes de deitar, liguei para a Mili para saber notícias. Soube, então, que ele havia entrado em coma profundo.