domingo, 29 de agosto de 2010

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XLI

BALDE DE ÁGUA FRIA

Nos conformamos com o veredito da equipe de transplantes, entendendo as dificuldades que teríamos se tentássemos incluir o pai na fila. Era hora de pensarmos no acompanhamento de sua evolução e aguardar o surgimento de alguma alternativa. Até em células-tronco nós pensamos. Havia notícias à época, de avançados estudos, inclusive no Brasil, indicando que as experiências mostravam-se muito positivas nesse campo. Não custava sonhar.
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No retorno a Paim Filho, imediatamente buscamos marcar a primeira consulta com o Dr. Paulo Cavazzola, para avaliação do estado do fígado do pai e orientações. Marcou-se uma visita ao consultório, ainda naquela semana. O pai realizaria diversos exames de sangue e uma avaliação geral de seu estado de saúde.
Enquanto isso, eu continuava meu curso em Passo Fundo. Estava indo bem. As notas que eu vinha obtendo nas provas refletiam meu estado de ânimo no momento . A expectativa, quase convicção, de que o pai iria superar a doença, me levava a obter bom desempenho naquele MBA. As notícias sobre ele vinham sendo tão boas que nos faziam, de fato, acreditar que o milagre pudesse acontecer.
Realizados todos os exames, com acompanhamento da mãe, que não largava dele, ficamos aguardando que o Dr. Paulo nos passasse as notícias.
E elas vieram na semana seguinte.
Recebi um telefonema da Jussane, creio que na Terça-Feira seguinte, e já nas primeiras palavras dela pude notar que não estava tudo bem.
- O Dr Paulo pediu que você ligue prá ele prá marcar uma nova consulta. O mais rápido possível. Segundo ele, as notícias podem não ser muito boas...
Pronto. Não precisava me dizer mais nada. Acontecera o que eu temia mas relutava em admitir: o tumor devia ter voltado.
Nervoso, liguei imediatamente para o Dr.Paulo. E confirmou-se o meu temor. O exame chamado de “alfafetoproteína” (um marcador de tumores hepáticos) estava alterado. Seria preciso uma tomografia para confirmar. Lembro de ter pronunciado ao Dr. Paulo o velho clichê “e agora, Doutor?” e de ter ouvido dele um “calma, vamos analisar a situação...”
Fiquei muito preocupado, lógico, e imediatamente buscamos agendar a nova consulta. Seria na Quinta-Feira. Era preciso uma tomografia, para verificar o estado do fígado. O pai precisaria ficar baixado, pois caso se confirmasse o retorno do tumor, algum procedimento teria que ser iniciado de imediato.
Na Sexta-Feira eu tinha curso em Passo Fundo. Buscaria o pai no Sábado, em Erexim. Ou no Domingo, dependendo da situação.
E foi no intervalo do meu curso, no turno da noite, que recebi um telefonema do Nando, que tinha acompanhado o pai daquela vez.
- Más notícias, Marco – disse ele – o tumor voltou mesmo. A tomografia aponta dois novos nódulos, de 1,5 e 1 cm respectivamente. O Dr. Paulo precisa falar contigo amanhã, quando você vier buscar ele. Vamos ter que iniciar um tratamento, mas ainda não sabemos bem o que será feito. Está complicado.
Fiquei muito abatido, o que foi notado pelos colegas de curso. Na aula seguinte eu já não conversava com a mesma desenvoltura e os trabalhos já não rendiam como sempre. Tinha sido, de fato, um “balde de água fria” em nossas esperanças de ve-lo curado da doença. E o pior é que agora não haveria mais condições de se realizar procedimentos invasivos. Ele não agüentaria uma nova cirurgia e nem seria esse o procedimento indicado. Acho que foi naquele momento que a ficha finalmente caiu e eu percebi que começávamos definitivamente a perdê-lo...

domingo, 8 de agosto de 2010

NO NATAL, ELE SE FOI...

PARTE XL


A SURPRESA E A DECEPÇÃO



Sessenta dias.
Foi esse o prazo que o Dr. Paulo nos deu para levarmos o pai de volta a Erexim para exames. Era o final do mês de Abril e já marcamos no calendário a data provável de nosso retorno ao seu consultório.
Mas a recuperação lenta e gradativa do pai parecia ser tão consistente que acabamos nutrindo a esperança de podermos incluí-lo na fila de transplantes. Afinal, os transplantados de fígado, quando tudo dá certo, acabam ganhando uma sobrevida que os faz esquecer que estiveram doentes e vivem décadas a mais. Precisávamos tentar. Não nos contentaríamos com uma expectativa de vida tão curta para o nosso pai. Assim, tratamos de contatar novamente com a Marília, lá em Porto Alegre, para que intermediasse uma conversa com os médicos da equipe de transplantes do Hospital de Clínicas, a fim de sabermos se o pai iria ou não ser considerado um paciente com chances de ser incluído na fila, já que tínhamos conhecimento das exigências legais para tal. Aproveitamos e marcamos também uma consulta com o Dr. Sílvio, que queria vê-lo.
Em Junho, o pai e a mãe viajaram até Bento, para passar uns dias com a Mili. De lá, iriam a Porto Alegre. O pai estava bem. Conseguia viajar com tranqüilidade. A única coisa a atrapalhar era o vigor físico, que havia caído demais, deixando-o com as forças muito reduzidas. Mas já conseguia caminhar por distâncias maiores. Num ritmo bem mais lento do que antes, é verdade, mas conseguia. Quando ele e a mãe viajavam para
visitar a Mili e o Digo, ficávamos mais tranqüilos por aqui, pois sabíamos que ele estaria bem e feliz. Rever os netos Nain e Amanda era um bálsamo, pois a distância devia gerar uma saudade muito grande. Além do que, imagino que a consciência de portar uma doença grave e não ter certeza do tempo que lhe restava de vida devia fazer um efeito multiplicador nos seus sentimentos afetivos.
Feita a consulta com o Dr. Sílvio, que pode avaliar a sua condição naquele momento, foi a vez de ir até o Hospital de Clínicas e reunir-se com a equipe de médicos. Eu não estava junto, mas a Mili me relatou que dentre os médicos estavam alguns que o haviam atendido e liberado para voltar para casa, meses antes. Um deles, teria dito o seguinte, com surpresa: “Você aqui? Não era prá você estar aqui!”. Referia-se claramente à expectativa de sobrevida. Quando o liberaram para voltar à sua terra, o fizeram certos de que o homem não duraria mais do que dois ou três meses. Tudo indicava isso, segundo os exames e o acompanhamento da evolução de sua recuperação. E lá estava o seu Bernardo, contrariando a tudo isso. Debilitado, é verdade, mas firme, se recuperando. Sem dúvida uma grande e grata surpresa para os médicos que haviam cuidado dele.
A conversa, no entanto, evoluiu para um desfecho que não esperávamos. Após detalharem a condição da doença dele, os procedimentos realizados, o acompanhamento, o resultado dos exames, veio a sentença definitiva: ele não era paciente apto a concorrer a um transplante de fígado. A lei de transplantes prevê que podem ser incluídos pacientes com câncer hepático desde que o tumor inicial não seja superior a 5 cm quando descoberto e retirado, ou no máximo 3 pequenos tumores de no máximo 3 cm. O do pai era único, mas com mais de 8 cm. Além disso, havia a cirrose. E mais ainda, a idade dele, passando de 60 anos. Todos esses fatores, reunidos, colocavam-no definitivamente fora da lista de transplantes. Para nossa decepção. Nossa, não do pai. Ele nos confidenciou depois, que torceu muito para que não fosse possível colocá-lo na fila. Disse que não queria submeter-se a todo aquele sofrimento novamente, preferindo apostar numa recuperação mesmo que parcial do seu fígado. Não falou, mas deixou transparecer, que preferia enfrentar a morte do que outra cirurgia como aquela. Que preferia ter uma sobrevida menor, mas certa, do que deitar-se novamente em uma cama e não saber se acordaria para o mundo outra vez, já que os riscos seriam dobrados . E respeitamos sua opinião, mesmo decepcionados com a impossibilidade de inscrever seu nome na fila de transplantes.
A mensagem dos médicos ficou muito clara, naquele momento. Deveríamos continuar o tratamento com o Dr. Paulo, em Erexim. Não devíamos mais voltar ao HCPA com ele, porque não adiantaria. Já que ele conseguira sobreviver com índices tão baixos de atividade hepática e que havia um hospital e um médico próximos de Paim Filho em condições de acompanhar sua evolução, devíamos fazer isso. E torcer para que seu organismo desse jeito de curá-lo definitivamente e dar-lhe a tão esperada sobrevida. Afinal, ele já surpreendera os médicos em várias ocasiões. Quem sabe o milagre não estava por acontecer?...