O RECOMEÇO
A quantidade de remédios que os médicos lhe haviam recomendado até que era bem menor do que eu esperava. Um diurético para diminuir a ascite(acúmulo de líquido no abdômen), um comprimido para auxiliar na digestão e uma injeção para manter a estabilidade do sangue. Junto vieram por escrito as recomendações ao Dr. Paulo Cavazzola, o gastroenterologista do Hospital de Caridade de Erexim que iniciara a investigação da sua doença e que agora acompanharia o seu tratamento de recuperação, enquanto esperava-se a lenta regeneração do fígado. No mais, restava-nos esperar, torcendo para que o tumor tivesse sido totalmente eliminado e que a doença não viesse a retornar.
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No primeiro final de semana após o seu retorno, tínhamos que ir a Paim Filho de qualquer maneira e fazer aquele tradicional churrasco dominical com toda a família reunida. Seria o primeiro desde Dezembro de 2005. E foi emocionante ver a família toda reunida novamente. Toda em termos, pois a Mili e o Digo estavam em Bento. Mas sempre nos reuníamos junto com o pai, a mãe e a família do Nando. “Os de Bento” vinham mais esporadicamente, de modo que na maioria das vezes era essa a turma que se reunia para almoçar aos domingos. E voltar a fazer um almoço onde não faltava ninguém, como tememos tanto que viesse a acontecer durante os últimos meses, foi bom demais. Tiramos fotos, curtimos aquele momento como nunca antes havíamos curtido. E ao final do almoço, em que o pai comeu churrasco depois de tanto tempo, ainda sobrou espaço para um joguinho de baralho, coisa que ele adorava. Chamou-me a atenção que ele comeu de tudo. Em pequenas quantidades, é verdade, mas degustou a carne, a salada, a massa. E não aconteceu como lá no hospital, onde seu estômago rejeitava tudo o que comia. Ao contrário, perguntei como se sentia e ele disse “muito bem, estava com saudade de comer churrasco...” Foi bom ouvir isso.
Interessante: pela primeira vez em muitos e muitos anos nos demos conta de que a bebida a acompanhar o churrasco foi unicamente... refrigerante. O álcool teria que ser banido de nossos almoços. E tivemos consciência naquele momento de que mesmo sem bebidas de álcool era possível tornar o almoço tão prazeroso quanto nos tempos em que nos fartávamos de cerveja enquanto o pai mandava ver no vinho, para depois cair no sono até as quatro da tarde – nem via quando íamos embora. Dessa vez foi diferente. Ele foi dormir, cansado que estava, mas não sem antes jogar uma partida de canastra. Foi estranho e confortantemente diferente aquele almoço dominical. Ele próprio sabia que nunca mais poderia tomar um único gole de sua bebida preferida. Nunca mais. Mas também sabia que esse seria o preço a pagar para continuar vivo. Pelo tempo que Deus agora permitisse.
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Nos dias que se seguiram ele realizou os primeiros exames no Hospital Santa Terezinha, de Paim Filho, acompanhado pelo Dr. Olando Caús. Os resultados apontavam um fígado em recuperação, com os índices ainda muito deficientes, acusando uma insuficiência hepática importante, mas também apontando para uma lenta e progressiva recuperação, dando a entender que o órgão aos poucos se regenerava, mesmo que a cirrose hepática atrapalhasse – e muito – esse processo.
Eu passei a acompanhar de perto todos os exames do pai. Pedia que me passassem por fax os resultados e depois ligava prá ele, sempre procurando animá-lo, dizendo que os exames estavam muito bons. Nem sempre estavam, mas mesmo assim eu fazia isso, na esperança de manter alto o seu astral e influir na sua recuperação. Lancei todos os dados no computador. Mantenho comigo até hoje a quase totalidade dos seus exames. Vez por outra eu os mandava por e-mail ao Dr. Sílvio, que me repassava algumas recomendações e eu retransmitia imediatamente ao pai e à mãe. Tenho arquivados todos os e-mails trocados com o Dr. Sílvio. Como esse que reproduzo abaixo, enviado logo nos primeiros exames realizados em Paim Filho:
“ 04/04/2006
ASSUNTO: Notícias do Seu Egídio
Boa noite Dr. Sílvio!
Envio notícias do “seu Egídio”, para que você possa acompanhar.
Ele vem realizando exames semanais para acompanhar a evolução. Aos poucos ele vai retomando a rotina, inclusive atendendo no balcão da farmácia, coisa que gosta de fazer, além de ir à missa e caminhar um pouco, embora a fraqueza persistente, em função do quadro que apresenta. Importante é que ele não teve febre, como era sua preocupação, sinal de que a ascite, assim controlada, pode não gerar maiores problemas.
Eis o resultado de alguns itens do exames realizado ontem:
- hemoglobina: 11
- Leucócitos 4.300
- plaquetas 50.000
- Bilirrubinas 2,4
- Transaminases no limite de normalidade
- Protrombina mantida em 43%.
Esta semana pretendemos levá-lo para uma consulta com o Dr. Paulo, em Erexim, para uma avaliação.
Um abraço!
Marco “
Depois o Dr. Sílvio me respondia, dando orientações e dizendo o que achava da recuperação dele. “A esta altura do campeonato”, acredito que o pai já era um “case” para ele e sua equipe, pois reinava o ceticismo entre os médicos quanto à sua sobrevivência, pelas condições pós cirúrgicas, pela cirrose instalada, pelos índices deficientes dos exames. Mas o paciente não só teimava em ficar vivo como dava mostras de ter ganho uma sobrevida maior do que se esperava.