PARTE XXXIII
ESTRANHA PREMONIÇÃO...
Havia momentos em que a encefalopatia produzia alguns episódios comoventes e ao mesmo tempo assustadores.
Numa certa manhã, ao indagar sobre como fora sua noite, recebi inusitada resposta:
- Teria sido boa, se não fosse o barulho...
- Como assim, pai – perguntei – o barulho dos carros na avenida tem te incomodado?
- Não, não – disse ele – o barulho das sinetas, os cantos, o sino...tudo isso não me deixou dormir...
- Mas o que aconteceu, pai? Não estou entendendo... (mas já deduzindo que era outra de suas alucinações).
- Foi uma cerimônia longa e muito barulhenta...
- Mas que raio de cerimônia, pai? Continuo não entendendo...
- Ora – disse então- a cerimônia da minha morte...
E emendou:
- Foi uma cerimônia muito bonita. O padre Pedro presidiu.
E desatou a contar detalhes da missa que supostamente havia sido rezada em Paim Filho e que seria a do seu enterro.
Detalhe: o Padre Pedro a que ele se referiu havia trabalhado em Paim Filho até o final da década de 90 e nunca mais havíamos ouvido falar dele. Coincidentemente, na tarde daquele dia alguém de Paim Filho nos visitou no hospital e nos deu a notícia de que estava trocando o padre da paróquia. E adivinhem quem estava voltando? O próprio. O padre Pedro. Não é de arrepiar? Não é daquelas coisas que a ciência não explica? Como é que um paciente com encefalopatia, em meio às suas alucinações causadas pela doença pode antever, de alguma forma, que aquele Padre, justamente o personagem da imaginária “cerimônia” voltaria à cena na sua cidade natal?
De qualquer forma, acabei rindo por dentro, de tão absurda idéia. Mas confesso que ao mesmo tempo senti estar diante de algum daqueles fenômenos paranormais. Imaginar a própria morte em sonhos é algo até normal, mas ele me explicou a tal cerimônia com tamanha riqueza de detalhes que me deixou muito impressionado.
Quando contei aquilo aos meus familiares houve quem se emocionasse, indo às lágrimas. Era estranho, mesmo. Chico Xavier explicaria?
* * *
As visitas se sucediam.
Amigos e parentes apareciam todos os dias no hospital, trazendo solidariedade e tentando manter nossas esperanças na recuperação dele. Traziam notícias de Paim Filho e nos falavam das correntes de oração que eram feitas pela comunidade. Rezou-se muito. O pai era, de fato, um personagem painfilhense. Por sua profissão, pelo seu engajamento nas entidades locais, por sua participação efetiva na Igreja e por suas ações de caridade, além de uma simpatia inigualável, não havia quem não o conhecesse e que dele pudesse não gostar. Era uma figura adorável.
Um dia o Nando me ligou e me disse que o Rotary Club de Paim Filho estava promovendo uma rifa para arrecadar recursos para ajudar a família nas despesas. Os companheiros rotarianos conheciam a história da família e sabiam de nossos parcos recursos. Num primeiro momento não recebi muito bem a idéia, mas depois, quando me disseram que o Dr. Alevino estaria doando um novilho de sua fazenda para a realização da rifa, acabei aceitando aquilo como sendo uma espécie de retribuição, tantas foram as vezes em que o pai havia liderado ações semelhantes através do Rotary para ajudar pessoas necessitadas. E agora era ele nessa condições. Senti que faria bem ao Rotary. Tenho certeza que os companheiros queriam sentir que estavam fazendo a sua parte. E fizeram. Dias depois, já recuperado da encefalopatia, o pai chorou ao saber dessa história.