Há exatamente um ano apagava-se a luz de um ser iluminado que viveu entre nós. Ficamos órfãos de pai. E o mundo perdeu mais uma pessoa de bem. Alguém que só soube pregar a paz, a bondade, a alegria, a honestidade. Alguém cativante, que colecionava amizades e detinha o respeito e a admiração de tantos quantos o conheceram. Nós fomos privilegiados por termos tido a chance de viver no seu tempo e constituirmos sua família. Se eu puder, no final da minha vida, chegar à conclusão de que tive 10% de sua fé, de sua bondade, de seu desprendimento, de sua capacidade de fazer os outros felizes... morrerei tranquilo!
Feliz Natal, pai! Aqui na terra, nossos natais estão um pouco mais tristes sem você, mas nos conforta a certeza de que você está aí, ao lado de Jesus, comemorando o seu aniversário!
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
domingo, 13 de dezembro de 2009
NO NATAL, ELE SE FOI...
PARTE XXVII
O AP DA MARÍLIA: INESQUECÍVEL
Faço uma pausa na narrativa da evolução clínica do pai para um imprescindível e justo registro.
Um dos episódios mais marcantes e confortadores de nossa odisséia aconteceria a partir de Fevereiro de 2006. No início do mês, com o pai já no HCPA e nossa rotina mantida, a mãe recebeu uma visita no albergue. A tia Rosa viajou a Porto Alegre, onde moram os primos Marília e Luiz Fernando e aproveitou para visitar o pai no hospital, indo depois até o albergue. E fez um (para nós) inusitado convite. A Marília estaria entrando em férias naqueles dias e deveria viajar, ficando fora possivelmente até o final do mês. E nos foi oferecida a possibilidade de ficarmos “hospedados” em seu apartamento, acompanhando o tratamento do pai. O apartamento da Marília fica a poucas quadras do Hospital de Clínicas e isso facilitaria enormemente o acompanhamento da evolução dele. Por mais que o alojamento do albergue fosse bom, a verdade é que a distância fazia com que ficássemos reféns dos horários das lotações, já que está situado no bairro Partenon, realmente distante do centro. E isso cansava muito, além de limitar os horários de tal forma que muitas vezes acabávamos almoçando no centro e retornando apenas à noite. Além disso, a rotina de conviver diariamente com pessoas estranhas, de quase não se ter privacidade, de ter que compartilhar espaços e objetos com pessoas que nunca havíamos visto antes não deixava de ser estressante. A mãe, mesmo sem admitir, já mostrava certo esgotamento. Sei que se fosse necessário teria ficado um ano no albergue sem se queixar, mas era visível que a situação começava a cansar. Então, pode-se deduzir o alívio com que tal convite foi recebido. Uma bênção. No início a mãe relutou, ligou pra nós para ouvir nossa opinião... Queiramos ou não, a gente fica um tanto constrangido quando passa a ser hóspede de alguém, mesmo que seja um familiar. Fica-se com a sensação de estar atrapalhando a vida das pessoas, de ser um “estorvo”, não se fica confortável, na verdade. No entanto, sempre tivemos uma relação muito próxima com os tios e primos de Nova Prata. Um carinho recíproco sempre se desenhou em todos os encontros familiares, nas cartas trocadas, nos telefonemas, nas férias que passávamos por lá. Crescemos com a sensação de que lá estavam de fato nossas origens e duas vezes por ano, nas férias escolares, costumávamos visitar a vó, os tios, os primos, e lá tomávamos contato com coisas que não víamos nos confins de Paim Filho – certas modernidades que não chegavam tão cedo naqueles sertões – e convivíamos algum tempo com aquela gente que, de fato, parecia ser nossa própria família. E é. Embora separados pela distância, mantemo-nos sempre muito próximos. Conheço famílias (inclusive a da minha mulher) que quase não se relacionam senão com irmãos e cunhados. Primos são considerados parentes distantes. Não é nosso caso. A Neu fica admirada quando conversamos e eu digo que considero meus primos quase como irmãos e que sinto saudades de minhas tias e tios de Nova Prata quando fico muito tempo sem vê-los. E isso pesou na decisão de aceitarmos a oferta da Marília e da tia Rosa. Raciocinamos que se fosse o contrário, com certeza faríamos o mesmo, justamente por essa proximidade que nutrimos. Então, aconselhamos a mãe a aceitar, sim, o convite. Um dia daríamos um jeito de agradecer e compensar a eles esse imenso favor que estariam nos fazendo. Mas naquele momento éramos uma família carente de ajuda. Estávamos mortalmente feridos em nosso âmago. A flecha de um inimigo mortal havia atingido nosso patriarca e nos sentíamos, naquele momento, totalmente indefesos e dependentes. O meio não nos era hostil, mas nos era estranho. A capital sempre fora um lugar distante, onde íamos apenas em caso de estrita necessidade (a cada morte de papa) para resolver algum problema, participar de algum evento bancário ou realizar alguma consulta médica mais importante. Então, nem a Marília, nem a tia Rosa saberiam da dimensão daquele gesto. Os dias que se seguiram nos deixaram mais energizados para enfrentar aquela situação adversa. O cansaço deu lugar a um ânimo renovado, que passou, com certeza, para o pai. E dentro de nossa infelicidade pela doença grave que enfrentávamos na família, fomos um pouco mais felizes. Obrigado Marília. Vocês moram no nosso coração!
sábado, 12 de dezembro de 2009
sábado, 5 de dezembro de 2009
NO NATAL, ELE SE FOI...
PARTE XXVI
COMEÇA A ROTINA NO HCPA
Voltei a Porto Alegre no Domingo à noite. Dali para diante,isso se repetiria. Fins de Semana em São José e durante a semana em Porto Alegre. Quem conhece as linhas da Unesul e os trajetos que ligam a região Norte do Estado à capital sabem muito bem do sofrimento que são aquelas viagens. Embarca-se as 11 horas da noite para chegar por volta das 6 horas da manhã, enfrentando um “pinga-pinga” noturno inacreditável, além de mal conservados trechos de estrada de chão batido, seja por Ibiraiaras, seja por André da Rocha, dependendo da linha que se pega. Uma aventura a cada viagem. Nem precisa falar do estado em que se chega em Porto Alegre. As poltronas dos “semi-leito” da Unesul não ficam devendo em nada aos propalados apertos dos aviões da Gol. Ah: e sem barrinha de cereal... Mas nada disso figurava em meus pensamentos à época. Hoje, passados mais de 3 anos, fica fácil falar disso e relembrar. Mas naqueles angustiantes momentos, jamais passou pela minha cabeça ou de qualquer dos meus irmãos que aquelas viagens horríveis pudessem ser um empecilho para acompanharmos o drama do nosso pai. Ao contrário, até agradecíamos a Deus por haver essa facilidade de deslocamento.
* * *
Tão logo o horário de visitas foi liberado, lá estava eu aguardando na sala de espera. Naquela Segunda-Feira eu sabia que encontraria o pai já mais acordado, mais falante. Havia me comunicado por telefone com a Mili, que passar ao final de semana na capital e havia recebido algumas notícias que me animaram um pouco mais. Ele vinha evoluindo dentro da normalidade, embora os exames não mostrassem reação do fígado . Já estávamos no sétimo dia após a cirurgia. Se as estatísticas do Dr. Sílvio estivessem corretas, restavam menos de 30% de chances de sobrevida para ele. Mas a informação de que havia registro de alguns pacientes com idêntico problema que reagiram positivamente após o 10º dia nos deixava confiantes e esperançosos.
Entrei.
A CTI tinha 4 leitos, todos ocupados. O pai estava no primeiro. Era monitorado por diversos aparelhos, que produziam aqueles sons característicos de uma CTI. No visor, 110 batimentos por minuto. Respiração normal. Ele estava dormindo, aparentemente. Me aproximei e chamei por ele. Uma, duas vezes. Os olhos se abriram lentamente e ele me olhou. Sorriu ao me reconhecer. Me emocionei na hora e tive que engolir a seco para conter um choro que naquele momento seria altamente inconveniente.
- E então, véio??? Como você está? – perguntei com a voz um pouco embargada.
- Bem! (ele jamais disse que não estava bem) – só um pouco sonolento...
- Alguma dor?
- Nada. Não sinto nada. Só sono.
A letargia era característica do quadro de insuficiência hepática. Sem um bom funcionamento, o fígado produz pouca energia, dando preferência à recomposição dos tecidos lesados e à manutenção geral do organismo. Mesmo assim ele conversava bem.
E foi aí que sai-se com uma estranha conversa...
- Ontem à noite deu um “ba-fa-fá” aqui...
- É mesmo, pai? O que houve?
- Olha, eu até nem sei direito, mas acho que envolve uma enfermeira. Entrou um cara aqui, armado, procurando por ela...depois veio um cara da polícia...
* * *
Tão logo o horário de visitas foi liberado, lá estava eu aguardando na sala de espera. Naquela Segunda-Feira eu sabia que encontraria o pai já mais acordado, mais falante. Havia me comunicado por telefone com a Mili, que passar ao final de semana na capital e havia recebido algumas notícias que me animaram um pouco mais. Ele vinha evoluindo dentro da normalidade, embora os exames não mostrassem reação do fígado . Já estávamos no sétimo dia após a cirurgia. Se as estatísticas do Dr. Sílvio estivessem corretas, restavam menos de 30% de chances de sobrevida para ele. Mas a informação de que havia registro de alguns pacientes com idêntico problema que reagiram positivamente após o 10º dia nos deixava confiantes e esperançosos.
Entrei.
A CTI tinha 4 leitos, todos ocupados. O pai estava no primeiro. Era monitorado por diversos aparelhos, que produziam aqueles sons característicos de uma CTI. No visor, 110 batimentos por minuto. Respiração normal. Ele estava dormindo, aparentemente. Me aproximei e chamei por ele. Uma, duas vezes. Os olhos se abriram lentamente e ele me olhou. Sorriu ao me reconhecer. Me emocionei na hora e tive que engolir a seco para conter um choro que naquele momento seria altamente inconveniente.
- E então, véio??? Como você está? – perguntei com a voz um pouco embargada.
- Bem! (ele jamais disse que não estava bem) – só um pouco sonolento...
- Alguma dor?
- Nada. Não sinto nada. Só sono.
A letargia era característica do quadro de insuficiência hepática. Sem um bom funcionamento, o fígado produz pouca energia, dando preferência à recomposição dos tecidos lesados e à manutenção geral do organismo. Mesmo assim ele conversava bem.
E foi aí que sai-se com uma estranha conversa...
- Ontem à noite deu um “ba-fa-fá” aqui...
- É mesmo, pai? O que houve?
- Olha, eu até nem sei direito, mas acho que envolve uma enfermeira. Entrou um cara aqui, armado, procurando por ela...depois veio um cara da polícia...
(o pai falava baixinho, como não querendo ser escutado, e gesticulava pra que eu dissimulasse como se não estivesse prestando atenção ao que dizia)...
- Aí veio alguém – continuou- e levou o cara preso...Mas acho que isso não fica assim... vai da problema...
Ouvi atentamente o relato dele, mas como me interessava mais o seu estado de saúde, não dei muita bola para o que dizia. De qualquer forma, pensei, trata-se de um problema interno do Hospital e é ele quem vai ter que resolver. Se alguma enfermeira estiver envolvida em algum crime ou coisa parecida, o HCPA saberá tomar as medidas cabíveis.
Mudamos de assunto.
- Aí veio alguém – continuou- e levou o cara preso...Mas acho que isso não fica assim... vai da problema...
Ouvi atentamente o relato dele, mas como me interessava mais o seu estado de saúde, não dei muita bola para o que dizia. De qualquer forma, pensei, trata-se de um problema interno do Hospital e é ele quem vai ter que resolver. Se alguma enfermeira estiver envolvida em algum crime ou coisa parecida, o HCPA saberá tomar as medidas cabíveis.
Mudamos de assunto.
Contei-lhe algumas notícias de Paim Filho, dos seus amigos, da família. Falei da farmácia, dos negócios, do quanto seus amigos ansiavam pela sua recuperação. Ele mostrou-se satisfeito e logo chamou pela mãe, que aguardava na sala de espera.
Aliás, vale aqui uma palavra sobre a mãe. Ela não desgrudou dele. Tentamos durante muito tempo “tirá-la” um pouco de Porto Alegre, para que descansasse, mas nada fazia com que ela se separasse do pai. Não aceitava quando tentávamos conscientizá-la da gravidade do problema dele. Não aceitava quando tentávamos prepará-la para um possível desfecho ruim do caso do pai. Nada. Na sua cabeça estava fixa a idéia de que o pai iria se recuperar, que retomariam a vida normal e que tudo não passaria de um pesadelo, que seria apagado pela roda do tempo. Manteve-se firme, habitando o albergue, durante 30 dias ininterruptos. A única exceção foi um domingo em que a Mili conseguiu levá-la para Bento, mas teve que trazer ela de volta em seguida. De fato, uma mulher obstinada, que em momento algum desacreditou da recuperação do marido e que ficaria ao seu lado até os últimos momentos, acreditando ainda em sua recuperação.
Aliás, vale aqui uma palavra sobre a mãe. Ela não desgrudou dele. Tentamos durante muito tempo “tirá-la” um pouco de Porto Alegre, para que descansasse, mas nada fazia com que ela se separasse do pai. Não aceitava quando tentávamos conscientizá-la da gravidade do problema dele. Não aceitava quando tentávamos prepará-la para um possível desfecho ruim do caso do pai. Nada. Na sua cabeça estava fixa a idéia de que o pai iria se recuperar, que retomariam a vida normal e que tudo não passaria de um pesadelo, que seria apagado pela roda do tempo. Manteve-se firme, habitando o albergue, durante 30 dias ininterruptos. A única exceção foi um domingo em que a Mili conseguiu levá-la para Bento, mas teve que trazer ela de volta em seguida. De fato, uma mulher obstinada, que em momento algum desacreditou da recuperação do marido e que ficaria ao seu lado até os últimos momentos, acreditando ainda em sua recuperação.
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