A CIRURGIA...E A SURPRESA DESAGRADÁVEL
Desnecessário discorrer sobre a tensão que antecedeu aquela Segunda-Feira. Nem lembro o que fizemos no dia 22 de Janeiro de 2006. Acho que almoçamos em São José do Ouro, com o celular funcionando direto, em contato com o Nando.
Na Segunda, de manhã, tive que ir trabalhar normalmente.
Imagine um gerente de Banco tendo que atender a seus clientes, dar andamento a pendências de crédito, responder às naturais cobranças pelo atingimento das metas e tendo seu cérebro martelado a todo momento pela angústia de esperar por notícias da cirurgia em andamento num hospital em Porto Alegre. Foram momentos complicados, tensos, extremamente estressantes.
Liguei várias vezes durante aquela manhã, mas as notícias que o Nando me passava eram simplesmente de que o pai estava em cirurgia e não havia previsão para o término dos procedimentos. Inicialmente havia uma expectativa de que a cirurgia durasse cerca de 8 horas, pela sua complexidade. O fígado é um órgão difícil de ser “trabalhado”. Passa por ele todo o sangue do organismo, num incessante trabalho de filtragem, que permite o funcionamento de todos os demais órgãos. Natural, portanto, que todas as precauções sejam tomadas no que tange à perda de sangue. E são evidentes os riscos de uma hemorragia incontrolável, fatal. Era uma cirurgia de risco, sem sombra de dúvida. Mas o Dr. Sílvio havia nos tranqüilizado. Era no hospital Moinhos de Vento que estava o único aparelho do Estado especial para cirurgias hepáticas, que permitia um controle muito preciso da inevitável perda de sangue.
As horas não passavam. Eu ligava a cada meia-hora para o Nando ansiando por novidades que não vinham. A Neu me ligava, ligavam as filhas, ligavam amigos, parentes, colegas de Banco. Aquele foi, definitivamente, um dia incomum na minha vida.
Às 17:30 horas, já em casa, recebi um telefonema do Nando.
- O pai saiu da cirurgia. Foi tudo bem. Só que o médico mencionou algum outro problema, que não sei explicar. Ligue pro Dr. Sílvio!
Que problema poderia ser? Bem, o que importava no momento é que o pai estava vivo e correra tudo bem na cirurgia. Uma sensação de alívio me levou a um suspiro profundo, enquanto a Neu, do meu lado, me abraçava com os olhos marejados. Ela tinha consciência do que representaria para mim o sucesso nessa cirurgia. Havia acompanhado todo o meu sofrimento nos dias que antecederam ao evento e sabia muito bem o porquê de eu ter perdido mais de 10 quilos nos últimos 60 dias. Ela tinha muito presente que eu me sentia responsável pela vida do pai naqueles momentos. E sabia, com certeza, o que representava para mim saber que tudo dera certo, que o pai poderia iniciar uma recuperação e, quem sabe, retomar sua rotina em poucos dias, livre de uma doença maligna.
Mas não seria assim.
Infelizmente, o destino nos reservava outra surpresa desagradável, que a princípio não compreendemos muito bem, mas que mais tarde revelaria toda sua importância no desfecho da vida do nosso pai.
Refeito da emoção, liguei para o Dr. Sílvio.
- E então, Dr Sílvio, sucesso na cirurgia?
- Felizmente sim, Marco. – respondeu - Tudo transcorreu melhor do que o esperado. A perda de sangue foi mínima e ele já se recupera na CTI. Porém...
(havia um porém)
-... tivemos uma surpresa ao iniciarmos a incisão no fígado dele...- continuou.
- Como assim, Dr. Sílvio? – questionei aflito.
- Olha, às vezes não há como detectar algumas situações. Nenhum exame prévio demonstrou isso, nem mesmo as tomografias realizadas...mas o teu pai apresentava o que chamamos de “cirrose micronodular”.
- Certo, mas o que isso significa, Dr. Sílvio?
- Significa, Marco, que teu pai apresentou um fígado cirrótico, não normal. Por pouco não desistimos da cirurgia, porque há algumas implicações nessa situação nova.
A esta altura minhas pernas já começavam a tremer, como da vez em que o Dr. Paulo Cavazzola confirmara a malignidade do tumor no fígado do pai.
O Dr. Sílvio continuou:
- Ocorre o seguinte: mesmo sendo uma cirrose incipiente, inicial, é bem provável que venha a atrapalhar a regeneração do fígado dele, que pode ficar bem abaixo do esperado.Agora é torcer para uma evolução boa nesse sentido, para que ele não venha a desenvolver uma insuficiência hepática. As chances de sobrevida, eu diria, diminuem uns 20% neste caso. Antes dessa situação, ele tinha 100% de chances de sobreviver e excelentes chances de não vir a desenvolver novos nódulos, ao menos num curto espaço de tempo. Seria uma cirurgia quase curativa. Agora, ficará uma incógnita.
- Mas, Dr Sílvio, - interrompi – ainda assim o Sr. nos dá uma probabilidade de 80%...
- Claro, Marco, o fígado é um órgão fantástico, com um poder de recuperação muito grande. No entanto, depende do nível de “agressão” ao tecido hepático. Tudo vai depender de o fígado dele reagir e iniciar uma regeneração...
- Há risco de não regenerar, Dr?
- Há. Infelizmente, há. A cirrose pode impedir a regeneração. Nesse caso, ele não sobreviveria, pois ficou com apenas 40% do órgão. Insuficiente para mantê-lo vivo. Mas não vamos nos precipitar. Ele foi levado para a CTI, está evoluindo normalmente. Os próximos dias serão decisivos. Quanto mais cedo notarmos uma reação da função hepática, maiores as chances de que ele se recupere bem. Eu diria o seguinte: de agora em diante, cada dia que passar sem que o fígado reaja positivamente, as chances de sobrevida dele diminuirão (estatisticamente) cerca de 10%...
Entendi. O pai corria risco. Essa era a realidade. A cirrose “escondida” pelos exames prévios poderia vir a ser a causa de uma possível não sobrevivência dele. A exposição da realidade “nua e crua” por parte do Dr. Sílvio tinha o claro objetivo de nos preparar para um inesperado desfecho, já que ele observara toda a esperança da família na recuperação do pai. Como médico, acreditava na recuperação dele, mas tinha obrigação de passar a algum familiar a realidade da situação. Obviamente, eu fora o escolhido, já que havia conduzido todo o processo até então. Novamente era eu o “paredão”- aquele que deveria receber e absorver todo o impacto da desagradável realidade, para depois, com serenidade, repassar aos familiares e amigos.
Minha missão estava longe de terminar.
Na Segunda, de manhã, tive que ir trabalhar normalmente.
Imagine um gerente de Banco tendo que atender a seus clientes, dar andamento a pendências de crédito, responder às naturais cobranças pelo atingimento das metas e tendo seu cérebro martelado a todo momento pela angústia de esperar por notícias da cirurgia em andamento num hospital em Porto Alegre. Foram momentos complicados, tensos, extremamente estressantes.
Liguei várias vezes durante aquela manhã, mas as notícias que o Nando me passava eram simplesmente de que o pai estava em cirurgia e não havia previsão para o término dos procedimentos. Inicialmente havia uma expectativa de que a cirurgia durasse cerca de 8 horas, pela sua complexidade. O fígado é um órgão difícil de ser “trabalhado”. Passa por ele todo o sangue do organismo, num incessante trabalho de filtragem, que permite o funcionamento de todos os demais órgãos. Natural, portanto, que todas as precauções sejam tomadas no que tange à perda de sangue. E são evidentes os riscos de uma hemorragia incontrolável, fatal. Era uma cirurgia de risco, sem sombra de dúvida. Mas o Dr. Sílvio havia nos tranqüilizado. Era no hospital Moinhos de Vento que estava o único aparelho do Estado especial para cirurgias hepáticas, que permitia um controle muito preciso da inevitável perda de sangue.
As horas não passavam. Eu ligava a cada meia-hora para o Nando ansiando por novidades que não vinham. A Neu me ligava, ligavam as filhas, ligavam amigos, parentes, colegas de Banco. Aquele foi, definitivamente, um dia incomum na minha vida.
Às 17:30 horas, já em casa, recebi um telefonema do Nando.
- O pai saiu da cirurgia. Foi tudo bem. Só que o médico mencionou algum outro problema, que não sei explicar. Ligue pro Dr. Sílvio!
Que problema poderia ser? Bem, o que importava no momento é que o pai estava vivo e correra tudo bem na cirurgia. Uma sensação de alívio me levou a um suspiro profundo, enquanto a Neu, do meu lado, me abraçava com os olhos marejados. Ela tinha consciência do que representaria para mim o sucesso nessa cirurgia. Havia acompanhado todo o meu sofrimento nos dias que antecederam ao evento e sabia muito bem o porquê de eu ter perdido mais de 10 quilos nos últimos 60 dias. Ela tinha muito presente que eu me sentia responsável pela vida do pai naqueles momentos. E sabia, com certeza, o que representava para mim saber que tudo dera certo, que o pai poderia iniciar uma recuperação e, quem sabe, retomar sua rotina em poucos dias, livre de uma doença maligna.
Mas não seria assim.
Infelizmente, o destino nos reservava outra surpresa desagradável, que a princípio não compreendemos muito bem, mas que mais tarde revelaria toda sua importância no desfecho da vida do nosso pai.
Refeito da emoção, liguei para o Dr. Sílvio.
- E então, Dr Sílvio, sucesso na cirurgia?
- Felizmente sim, Marco. – respondeu - Tudo transcorreu melhor do que o esperado. A perda de sangue foi mínima e ele já se recupera na CTI. Porém...
(havia um porém)
-... tivemos uma surpresa ao iniciarmos a incisão no fígado dele...- continuou.
- Como assim, Dr. Sílvio? – questionei aflito.
- Olha, às vezes não há como detectar algumas situações. Nenhum exame prévio demonstrou isso, nem mesmo as tomografias realizadas...mas o teu pai apresentava o que chamamos de “cirrose micronodular”.
- Certo, mas o que isso significa, Dr. Sílvio?
- Significa, Marco, que teu pai apresentou um fígado cirrótico, não normal. Por pouco não desistimos da cirurgia, porque há algumas implicações nessa situação nova.
A esta altura minhas pernas já começavam a tremer, como da vez em que o Dr. Paulo Cavazzola confirmara a malignidade do tumor no fígado do pai.
O Dr. Sílvio continuou:
- Ocorre o seguinte: mesmo sendo uma cirrose incipiente, inicial, é bem provável que venha a atrapalhar a regeneração do fígado dele, que pode ficar bem abaixo do esperado.Agora é torcer para uma evolução boa nesse sentido, para que ele não venha a desenvolver uma insuficiência hepática. As chances de sobrevida, eu diria, diminuem uns 20% neste caso. Antes dessa situação, ele tinha 100% de chances de sobreviver e excelentes chances de não vir a desenvolver novos nódulos, ao menos num curto espaço de tempo. Seria uma cirurgia quase curativa. Agora, ficará uma incógnita.
- Mas, Dr Sílvio, - interrompi – ainda assim o Sr. nos dá uma probabilidade de 80%...
- Claro, Marco, o fígado é um órgão fantástico, com um poder de recuperação muito grande. No entanto, depende do nível de “agressão” ao tecido hepático. Tudo vai depender de o fígado dele reagir e iniciar uma regeneração...
- Há risco de não regenerar, Dr?
- Há. Infelizmente, há. A cirrose pode impedir a regeneração. Nesse caso, ele não sobreviveria, pois ficou com apenas 40% do órgão. Insuficiente para mantê-lo vivo. Mas não vamos nos precipitar. Ele foi levado para a CTI, está evoluindo normalmente. Os próximos dias serão decisivos. Quanto mais cedo notarmos uma reação da função hepática, maiores as chances de que ele se recupere bem. Eu diria o seguinte: de agora em diante, cada dia que passar sem que o fígado reaja positivamente, as chances de sobrevida dele diminuirão (estatisticamente) cerca de 10%...
Entendi. O pai corria risco. Essa era a realidade. A cirrose “escondida” pelos exames prévios poderia vir a ser a causa de uma possível não sobrevivência dele. A exposição da realidade “nua e crua” por parte do Dr. Sílvio tinha o claro objetivo de nos preparar para um inesperado desfecho, já que ele observara toda a esperança da família na recuperação do pai. Como médico, acreditava na recuperação dele, mas tinha obrigação de passar a algum familiar a realidade da situação. Obviamente, eu fora o escolhido, já que havia conduzido todo o processo até então. Novamente era eu o “paredão”- aquele que deveria receber e absorver todo o impacto da desagradável realidade, para depois, com serenidade, repassar aos familiares e amigos.
Minha missão estava longe de terminar.