sábado, 28 de março de 2009

NO NATAL, ELE SE FOI...


PARTE I


TUDO COMEÇOU NAQUELE ANO


O ano de 2005 havia começado muito bem. A Cristina acabara de entrar na faculdade e nos programávamos para ajustar o orçamento. Cortamos algumas despesas fixas, desistimos de algumas assinaturas de revistas, mudei o pacote da SKY para um mais barato, passamos a linha telefônica fixa para um plano "só recebe ligações" com custo mínimo de pouco mais de R$ 30,00. No entanto, de repente percebemos que não seria assim tão difícil. A Neu e eu tínhamos conseguido juntar cerca de R$ 18.000,00 numa caderneta de poupança(ao longo de vários anos), que pretendíamos utilizar justamente no pagamento das mensalidades da UPF. E não estava sendo necessário, para nossa surpresa. As encomendas de doces e salgados estavam aumentando consideravelmente e, embora tendo que nos fazer acordar às 5 da manhã em alguns finais de semana, a atividade da Neu dava mostras de que seria suficiente para pagar boa parte dos gastos com a faculdade da Cris sem mexer nas economias. Em Maio, o meu aniversário caiu num sábado. Havia um tempo que eu precisava de um conserto na lataria do meu golzinho, que havia ficado todo marcado por uma chuva de granizo e decidimos ir até Cacique Doble, numa revenda de automóveis, para avaliar quanto custaria para efetuar os reparos necessários ou em quanto o meu carro seria desvalorizado no caso de uma troca. Acabamos saindo de lá com um Corsa Hatch Joy "0 Km". Estávamos convencidos de que havíamos nos preparado bem para enfrentar as despesas de uma filha na faculdade. Claro que financiamos o carro "a perder de vista", com uma parcela bem compatível. Mas estávamos felizes: filha na faculdade, contas em dia, meu primeiro carro "zero" ... Tudo parecia indicar que seria um dos anos mais felizes de nossa vida.

Ledo engano.

Em Agosto eu veria os primeiros sinais de que algo estava por acontecer. Num almoço em Paim, comecei a perceber que o pai deveria estar com algum problema de saúde. Fazia tempo que ele vinha abusando da bebida e igual tempo que o alertávamos de que isso não acabaria bem. Mas por algum desses mistérios da mente humana a gente sempre acha que nossos pais são imortais e que o dia de perdê-los sempre está longe. E não me passou pela cabeça nada além de que ele pudesse estar mostrando os primeiros sinais de velhice, afinal já contava com 63 anos. E o fato de mostrar agora uma certa apatia, uma coloração mais pálida da pele e uma falta de apetite um pouco anormal nada mais seria do que o stress provocado por um pequeno desentendimento com um vizinho da pequena "chácara" que ele tinha junto com o sócio da farmácia - isso segundo a minha mãe, que jamais admitiria a gravidade de sua situação, como veremos adiante.

Mas foi no dia de Finados de 2005 que veio a certeza.

Chegamos um pouco tarde prá almoçar. O Nando já cuidava do churrasco. Havíamos perdido a tradicional missa no cemitério por chegar depois do horário. Iríamos à tarde rezer um pouco lá.

Perto do meio-dia, como pai não chegava, comecei a me preocupar. Era normal ele se atrasar, porque costumava passar no Clube para tomar o seu aperitivo. Fazia isso há mais de 40 anos. Mas o churrasco estava por ser servido, e nada dele chegar. Várias vezes fui até a rua e olhei para os lados da avenida, mas não o avistei. Eram 11:50h quando peguei o carro e resolvi procurá-lo. Mas foi fácil. Quando passava em frente ao Bar do Davi, olhei para dentro e o avistei. Parei o carro do outro lado da rua e por alguns instantes só fiquei observando. Ele estava sentado num dos banquinhos do balcão de atendimento, cabisbaixo, curvado, imóvel. Olhava fixamente para uma mesa ao lado onde alguns amigos jogavam baralho. Sobre o balcão, o seu copinho de cachaça pura. Foi uma imagem deprimente. Senti algo estranho, como nunca havia sentido. Aquela cena me incomodou. E acho que pela primeira vez eu tive certeza de que havia algo errado, muito errado com a saúde de uma das pessoas que eu mais amava na vida...


(continua)

2 comentários:

  1. Parabéns, sempre fui uma fã de suas crônicas.
    Elenir

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  2. Marco
    Escrevi um monte de coisa,depois perdi tudo, mas em resumo, fico feliz de te ver com coragem de escrever sobre alguém que amamos tanto. Não te atenhas ao sofrimento, lembre a alegria e a capacidade que teu pai tinha de alegrar os ambientes e o talento para contarque ele tinha...
    Beijo
    Caty

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