ANGÚSTIA...
Na semana seguinte liguei umas três vezes. Sua voz ao telefone parecia normal e invariavelmente respondia que estava bem quando indagava-lhe a respeito de seu aspecto diferente. "Ando meio nervoso..." ele dizia. Trocamos algumas idéias sobre aquele problema com o vizinho das terras e a impressão era de que não havia mesmo nada de grave com ele. Até fiquei mais tranquilo.
Até aquela manhã.
Por volta das 10 horas me passaram uma ligação. Era a mãe.
- Marco, o pai está no hospital...
- O que houve??? - perguntei aflito, já nem lembrando do que ocorrera há poucos dias.
- Uma dor muito forte nas costas. Não dormiu a noite toda. Tomou calmantes, mas a dor não passa. Acho que é algum problema na coluna.
- Falou com o Dr. Olando?
- Sim, ele quer fazer uma ecografia. Agora ele está bem, está medicado, mas vai ter que ficar no hospital.
Preocupei-me, claro, mas nem me passou pela cabeça que não fosse outro problema senão algum deslocamento nas vértebras, uma hérnia de disco talvez. Lembrei que havia alguns anos tínhamos levado ele ao Hospital Santa Terezinha, de Erexim, para um raio-x da coluna vertebral, onde constatou-se nada mais do que bico-de-papagaio. Além disso, ele costumava cortar lenha a machado, capinar e fazer outros servicinhos assim, que não era de se entregar, o homem...Vai ver era hora de parar. Tinha 63 anos. Quem sabe fosse a hora de não fazer mais esse tipo de atividade física, trocar por caminhadas...
À noite, liguei prá saber notícias. Ele tinha deixado o hospital, estava melhor, mas o doutor lhe havia receitado "Lisador" e feito algumas recomendações. O resultado da ecografia apontava "uma mancha no fígado". Cauteloso, o Dr. Olando preferiu não emitir opinião, limitando-se a dizer que talvez fosse "um derramamento de bílis". Mas recomendava uma consulta com o Dr. Paulo Cavazzola, em Erexim. O Dr. Paulo é painfilhense, filho de seu velho amigo Neri, companheiro de Rotary. E renomado gastroenterologista.
Assim foi feito.
Foi até lá. Consultou. ( Mal sabia ele que essa seria a primeira de dezenas de outras nos próximos anos.)
Naquela noite, liguei novamente prá saber dos exames.
- Como foi lá pai? É coluna mesmo? - indaguei na esperança de ouvir uma resposta positiva.
- Não sei - respondeu - mas o Dr. Paulo pediu uma tomografia...
- Tomografia??? - indaguei com surpresa - mas prá quê uma tomografia???
- É prá ver aquela mancha no fígado. Ele quer ver o que é realmente...
- Mas ele não disse o que você tem? Ele não conseguiu ver pela ecografia e pelos exames de sangue?
- Acho que não. Mas amanhã sai o resultado da tomo. Ele vai ligar prá Jussane.
Comecei a ficar mais preocupado. Tomografia não é um exame que se peça assim por qualquer coisa. Os médicos solicitam esse exame. normalmente, quando existe alguma suspeita de algo mais sério. É um exame caro. Mas confesso que a ficha não havia caído. É como se o cérebro da gente tivesse uma espécie de bloqueio prá não fazer a gente sofrer por antecipação. O fato é que, mesmo sendo assustado por natureza, naquela noite eu não pensei em nada ruim. Havia alimentado a idéia de que não passava de algum probleminha corriqueiro no fígado, que seria facilmente identificado e tratado. Era isso que eu pensava.
Mas...
Dia seguinte. Por volta das 10 horas da manhã. A Jussane me chama no telefone.
- Marco, tu tem como pedir um dia de licença aí no Banco?
- Tenho sim, se precisar, tenho. Mas por que a pergunta?
- Assim, ó - ela respondeu do seu jeito característico - o Dr Paulo me ligou...
- E?...
- Ele quer fazer uma biópsia no fígado do Bernardo...
- Biópsia? Mas essa agora! Por que ele pediria uma biópsia???
- Não sei, mas ficou marcado prá amanhã. E ele vai ter que baixar, porque é um procedimento invasivo e pode dar algum sangramento e...
- Tá bem, já entendi. Amanhã então.
Combinamos a hora, falei com a gerente adjunta, acertei que o levaria para Erexim para fazer o exame.
Baixei o telefone e por alguns instantes fiquei absorto, olhando pela janela, fitando o vazio... Algo me dizia prá conversar com o Dr. Paulo. Era estranho. Primeiro a gente suspeitava de uma dor nas costas, agora o médico pedia uma biópsia. Biópsia? Prá que biópsia? Esses médicos tem cada uma! Fazer a gente ir até Erexim!
Ergui o telefone e disquei o número do Dr. Paulo.
- Dr. Paulo!
- Sim, eu!
- Aqui é o Marco, filho do Bernardo, lembra de mim, né?
- Claro que sim, Marco...
- Pois é, - e fiz a pergunta fatídica - Dr. Paulo, o que é que o pai tem?
- Marco, o teu pai tem um tumor no fígado. Um tumor surpreendentemente grande, de cerca de 8 cm.
Assim! Na lata!
Fiquei mudo. Comecei a suar frio. Foi como se num momento tudo tivesse congelado. Eu não ouvia mais nenhum som ao meu redor. Apenas conseguia acompanhar as palavras do médico, que ainda dava algumas explicações.
- Mas é maligno? é tumor maligno, Dr. Paulo? - perguntei, sempre na esperança de uma negativa.
- Só vamos saber depois da biópsia e da análise dos tecidos do fígado dele. Vamos torcer para que não seja.
Ainda consegui me recompor e voltei a trabalhar. Mas os colegas notaram que meu estado emocional já não era o mesmo. Comentei sobre isso no almoço com a Neu, que percebeu meu nervosismo e tentou me acalmar. Era preciso esperar o resultado da biópsia, talvez não fosse nada mesmo, o pai sempre foi saudável. Me acalmou.
No dia seguinte fomos ao Hospital de Caridade. Feita a biópsia, tudo correu normalmente, sem intercorrências. Ele ficou em repouso e foi liberado à tarde. Retornamos. Agora era esperar o resultado dos exames. E quem já passou por uma espera dessa espécie sabe o que significa. Era uma Sexta-Feira. Teríamos que esperar até a Quarta da semana seguinte. 5 dias. Angustiantes cinco dias...