PERTO DO FIM
Era Sábado de manhã. Deixei-os em Paim Filho quase ao meio-dia. Com dificuldade, ainda enfraquecido pelos quatro dias de internação, antebraços arroxeados pelas perfurações das agulhas, o pai acomodou-se no sofá da sala, com dois ou três travesseiros trazidos pela mãe. Estava muito fraco. Muito mais do que das outras vezes. Tanto que adormeceu imediatamente ao recostar-se. Fui até a cozinha e conversei um pouco com a mãe. Ela também sentia que ele não estava bem, mas, como sempre, não admitia que fosse qualquer coisa além de um cansaço um pouco maior, causado pelo efeito dos sedativos. Tentei explicar-lhe então o que o Dr. Paulo me havia dito com relação às varizes esofágicas e ao estado atual de seu fígado. Mas ela não queria ouvir. Seu cérebro não admitia sequer a possibilidade de pensar que o pai não iria se recuperar. De alguma maneira ela tentava convencer a si própria de que não iria chegar o momento de separar-se definitivamente do companheiro de 45 anos. Mas a realidade teimava em dizer o contrário. No fundo ela sabia, sim, que o desfecho estava se aproximando. Talvez apenas tentasse diminuir seu próprio sofrimento ante a iminência da perda.
Voltei para a sala e sentei-me ao lado do pai, que permanecia sonolento. Ele abriu os olhos e ficou me olhando por alguns momentos. Perguntei como estava. “Não muito bem...” foi o que ouvi. Era raro escutar dele que não estava bem. Dificilmente se ouvia uma queixa, nem nos momentos em que a dor mais lhe castigava por ocasião dos tratamentos. Sinal de que algo realmente não estava “de acordo”. “O que você sente, pai?” – perguntei. Ele respondeu que sentia um desconforto no abdômen, uma sensação de “peso no estômago”. Para mim já era evidente que os procedimentos feitos pelo Dr. Paulo haviam mexido demais com suas vísceras e o corpo reclamava. Mesmo assim, imaginei que com algum descanso ele ainda se recuperaria e em dois ou três dias estaria bem novamente, considerando seu problema. Não lhe falei em detalhes sobre o que havia sido feito em seu esôfago, mas informei-lhe das varizes e do procedimento que fora necessário. Também lhe disse que o problema estava resolvido, que não se preocupasse. Agora era descansar e aguardar. Dei-lhe um beijo na testa, despedi-me da mãe e voltei para São José do Ouro, onde a Neu e as meninas me esperavam para o almoço.
Naquele final de semana havíamos combinado de almoçar com os pais da Neu, em Bela Vista, já que no Natal costumávamos nos reunir em Paim, com a minha família. E o Natal seria na Quarta-Feira.
Liguei de tarde, liguei à noite. Nos dois momentos ele me disse que ainda sentia o mesmo mal-estar, mas que parecia estar melhorando, o que me deixou um pouco mais tranqüilo.
No Domingo, fomos então para Bela Vista. Fizemos um almoço tradicional. Meu sogro fez fogo na churrasqueira, levamos alguns quilos de carne para assar. Meus cunhados almoçaram conosco. Não consegui disfarçar minha preocupação com o pai. É claro que eu sabia que o fim dele se aproximava. Mas quem admite isso de fato? Sempre, lá no fundo, resta uma esperança final, uma fagulha de sonho a esperar pelo milagre impossível...Mas a verdade é que estava sendo muito duro admitir a perda do meu pai. Em meu íntimo travava-se agora uma luta ferrenha entre o meu jeito alegre de ser e a imensa tristeza que teimava em se instalar. Não tinha mais como disfarçar. Aquela rocha dura, aquele “porto seguro” da família em todo esse tempo estava prestes a ruir...