ÚLTIMA VIAGEM A BENTO
Depois do episódio da missa o pai seguiu se recuperando da última alcoolização. No entanto, começou a ficar mais visível um decréscimo de suas energias. Já houvera melhores momentos ao longo de sua doença. A rotina estava mantida, mas os almoços de Domingo mostravam agora um componente que para mim era indicativo de que a curva começava a ser irreversivelmente descendente. Ele mal beliscava a comida. Pequenos pedaços de carne entremeados com os acompanhamentos e um pedido para se retirar em direção à cama quando ainda recém começávamos a comer viraram rotina. Seguíamos na mesa invariavelmente sem ele. Quando lhe perguntávamos como estava, a resposta era sempre um “estou bem”, mas a sua fraqueza saltava aos olhos. O fígado castigado pelas dezenas de perfurações e pela morte constante de células hepáticas já não dava conta de transformar alimento em energia na dose que seu organismo necessitava. Assim, uma insuficiência hepática antes controlada agora começava a dar sinais preocupantes de um caminho sem volta.
A mãe também exibia sinais de muito cansaço. As noites mal dormidas e a necessidade de acompanhar o pai a todo momento também lhe tirava as forças. E ela exibia uma irritabilidade que buscava conter na nossa frente, além de uma tristeza cada vez maior, com pequenos acessos de choro quando nos encontrávamos mais reservadamente. No fim, a família toda estava preocupada. Os nossos encontros já não rendiam as mesmas risadas, estavam sem graça. E até um certo sentimento de culpa nos assediava, por ficarmos à mesa degustando o churrasco enquanto o pai não estava mais à mesa. Sem dúvida, era um prenúncio de como seria difícil tocar a vida sem a sua presença quando o perdêssemos definitivamente.
Em Novembro o levamos novamente até Erechim, para mais uma sessão de alcoolização. Desta vez foram necessários três dias de internação. Além do tratamento normal, o Dr. Paulo identificou, em uma endoscopia, que as varizes do esôfago estavam muito grandes, ameaçando romper-se a qualquer momento, o que causaria uma hemorragia digestiva grave e perigosa. Fez um procedimento paliativo, estrangulando os pontos mais críticos das varizes e evitando um desfecho mais trágico. O pai deveria ser observado e a qualquer sinal de sangramento deveria ser feito um contato com o médico.
De volta a Paim Filho, o pai mostrou o desejo de viajar para Bento Gonçalves quando se recuperasse. Mas estava muito fraco. Seria preciso alguns dias mais até que se recuperasse bem do tratamento. Nos resultados dos exames, a decepção: os nódulos não regrediam mais. O tratamento começava a não dar mais conta de barrar a progressão dos tumores. Estávamos perdendo a luta para o câncer. Mas não lhe passamos as informações. Embora com acesso aos laudos, tentei dissimular da melhor forma possível os resultados, tentando confundir-lhe ao máximo, para que não tivesse ele a mesma impressão que nós. Mas acho que não tinha como ele não se dar conta do que acontecia com seu organismo. Ele sabia, sim, o estágio em que se encontrava.
Talvez por isso tenha insistido tanto para viajar a Bento Gonçalves, mesmo com suas energias tão escassas. Ele sabia que seria sua última viagem.