PARTE XXXIX
TENTANDO VOLTAR AO NORMAL
Os meses seguintes marcariam uma lenta recuperação, combinada com a gradativa volta à normalidade. Ou quase. O pai já conseguia caminhar. O suficiente para alguns passeios, para ir à missa e, principalmente, para rever os amigos. Matar a saudade de tudo o que mais gostava de fazer, que era estar no meio de muita gente alegre, contando suas piadas sem graça, falando do seu Grêmio, dando pitacos na política, opinando sobre qualquer assunto quando provocado. A bem da verdade, no entanto, a grande maioria das festas que gostava de freqüentar haviam perdido, agora, um pouco da graça. Ter apenas metade de um fígado significava também ter a digestão dificultada em 50%. As churrascadas, regadas a um bom vinho colonial, tiveram que ficar de lado, cedendo espaço para aconchegantes almoços em família, com muito guaraná e coca-cola. Comia pouco, agora. Aquele homem que, mesmo sem ser glutão, fartava-se de carne e vinho aos sábados, nos Miúdos – almoços que as comunidades do interior realizam na véspera das festas de capela – agora se satisfazia com menos de 50 gramas, acompanhadas de pequenas porções de salada. Comia de tudo, é verdade, mas numa quantidade ridiculamente pequena. E assim, manteve-se magro. Uma magreza que denunciava a doença. Tanto mais pela barriga que permanecia inchada, com formação de líquido, que vez por outra obrigava-lhe a tomar doses cavalares de diuréticos para eliminar. Mas tínhamos paciência. Sabíamos que a recuperação seria lenta. Sabíamos que tudo dependeria da regeneração do seu fígado. Da mesma forma que entendíamos todos os riscos dessa recuperação. Embora a esperança de vê-lo totalmente recuperado sempre existisse, não me saía da cabeça aquela sentença estatística proferida pelo Dr. Sílvio ainda na Santa Casa – “as chances de ele ter uma sobrevida de 3 anos após a cirurgia são de 30%...” Três anos! Míseros três anos!
Lá pelo mês de Abril o pai já mostrava um pouco mais de firmeza nas pernas e conseguia percorrer distâncias um pouco maiores. Isso lhe permitiu voltar a freqüentar a Igreja, o que foi extremamente importante. Ele sempre foi um católico praticante. Um exemplo de devoção. Desde criança sempre esteve ligado, de alguma forma, com a religião. Foi “coroinha”, ajudava o meu avô (que chegou a ser sacristão) em trabalhos na casa paroquial e na própria Igreja e com 18 anos passou a integrar a “Ordem Terceira Franciscana”, a ala leiga criada por São Francisco de Assis, seu santo predileto. Daí para diante, nunca mais se desligaria do movimento. Integrava o coral (outra de suas paixões), era Cursilhista e ultimamente “Tio do CLJ”. Agora, mesmo sem força suficiente para cantar, não dispensava o livro de cantos e ficava balbuciando as estrofes durante as missas. Como cansava com muita facilidade, boa parte do tempo ficava sentado nas cerimônias, mas isso jamais o fez deixar de freqüentar a Igreja um único Domingo enquanto teve forças para se dirigir ao Santuário. Sabe-se lá o quanto esse homem rezou e pediu que Deus lhe prolongasse a vida pelo máximo de tempo possível. Vontade e força interior para isso não lhe faltavam. E hoje não tenho a menor dúvida de que sua fé foi fator decisivo para ter contrariado a todos os médicos e ficado conosco por um tempo muito maior do que as frias estatísticas do Dr. Sílvio pudessem prever. Afinal, aquela previsão do Dr. Sílvio não se aplicava a pacientes com cirrose, o que indicava, na visão dos especialistas, uma sobrevida de no máximo 6 meses, talvez um ano...
TENTANDO VOLTAR AO NORMAL
Os meses seguintes marcariam uma lenta recuperação, combinada com a gradativa volta à normalidade. Ou quase. O pai já conseguia caminhar. O suficiente para alguns passeios, para ir à missa e, principalmente, para rever os amigos. Matar a saudade de tudo o que mais gostava de fazer, que era estar no meio de muita gente alegre, contando suas piadas sem graça, falando do seu Grêmio, dando pitacos na política, opinando sobre qualquer assunto quando provocado. A bem da verdade, no entanto, a grande maioria das festas que gostava de freqüentar haviam perdido, agora, um pouco da graça. Ter apenas metade de um fígado significava também ter a digestão dificultada em 50%. As churrascadas, regadas a um bom vinho colonial, tiveram que ficar de lado, cedendo espaço para aconchegantes almoços em família, com muito guaraná e coca-cola. Comia pouco, agora. Aquele homem que, mesmo sem ser glutão, fartava-se de carne e vinho aos sábados, nos Miúdos – almoços que as comunidades do interior realizam na véspera das festas de capela – agora se satisfazia com menos de 50 gramas, acompanhadas de pequenas porções de salada. Comia de tudo, é verdade, mas numa quantidade ridiculamente pequena. E assim, manteve-se magro. Uma magreza que denunciava a doença. Tanto mais pela barriga que permanecia inchada, com formação de líquido, que vez por outra obrigava-lhe a tomar doses cavalares de diuréticos para eliminar. Mas tínhamos paciência. Sabíamos que a recuperação seria lenta. Sabíamos que tudo dependeria da regeneração do seu fígado. Da mesma forma que entendíamos todos os riscos dessa recuperação. Embora a esperança de vê-lo totalmente recuperado sempre existisse, não me saía da cabeça aquela sentença estatística proferida pelo Dr. Sílvio ainda na Santa Casa – “as chances de ele ter uma sobrevida de 3 anos após a cirurgia são de 30%...” Três anos! Míseros três anos!
Lá pelo mês de Abril o pai já mostrava um pouco mais de firmeza nas pernas e conseguia percorrer distâncias um pouco maiores. Isso lhe permitiu voltar a freqüentar a Igreja, o que foi extremamente importante. Ele sempre foi um católico praticante. Um exemplo de devoção. Desde criança sempre esteve ligado, de alguma forma, com a religião. Foi “coroinha”, ajudava o meu avô (que chegou a ser sacristão) em trabalhos na casa paroquial e na própria Igreja e com 18 anos passou a integrar a “Ordem Terceira Franciscana”, a ala leiga criada por São Francisco de Assis, seu santo predileto. Daí para diante, nunca mais se desligaria do movimento. Integrava o coral (outra de suas paixões), era Cursilhista e ultimamente “Tio do CLJ”. Agora, mesmo sem força suficiente para cantar, não dispensava o livro de cantos e ficava balbuciando as estrofes durante as missas. Como cansava com muita facilidade, boa parte do tempo ficava sentado nas cerimônias, mas isso jamais o fez deixar de freqüentar a Igreja um único Domingo enquanto teve forças para se dirigir ao Santuário. Sabe-se lá o quanto esse homem rezou e pediu que Deus lhe prolongasse a vida pelo máximo de tempo possível. Vontade e força interior para isso não lhe faltavam. E hoje não tenho a menor dúvida de que sua fé foi fator decisivo para ter contrariado a todos os médicos e ficado conosco por um tempo muito maior do que as frias estatísticas do Dr. Sílvio pudessem prever. Afinal, aquela previsão do Dr. Sílvio não se aplicava a pacientes com cirrose, o que indicava, na visão dos especialistas, uma sobrevida de no máximo 6 meses, talvez um ano...