domingo, 25 de abril de 2010
sábado, 17 de abril de 2010
NO NATAL, ELE SE FOI...
PARTE XXXIV
Aproximava-se o final de Fevereiro e uma preocupação a mais nos assaltava. As férias da Marília estavam por terminar e ela fatalmente retornaria. Apesar de toda a sua gentileza, apesar de afirmar e reafirmar que poderíamos ficar ali o tempo que fosse necessário, é certo que não ficaríamos totalmente à vontade. Uma coisa era ocuparmos o seu apartamento em sua ausência fazendo as vezes, até, de “guardiões do patrimônio”. Outra bem diferente seria dividir o apartamento com sua família. Preocupava-nos a questão da privacidade, a possibilidade de atrapalharmos a sua rotina, enfim, coisas que talvez só estivessem em nossa cabeça, mas que com certeza povoariam os pensamentos de qualquer pessoa em nossa condição, mesmo que se tratasse de familiares tão próximos. Além do mais, achávamos que quase um mês ocupando aquele apartamento era um tempo mais do que suficiente. Por conta disso já nos obrigávamos a pensar num “plano C”, embora tivéssemos certeza de que a Marília não nos deixaria sair de lá assim tão facilmente.
Mas o pai continuava a apresentar um quadro que teimava em não evoluir. Se, por um lado, parecia que a infecção hospitalar estava debelada, os indícios davam conta de que seu fígado demorava muito a regenerar-se, muito provavelmente em razão da cirrose. Assim, as funções hepáticas iam se recuperando com grande lentidão.
Depois do carnaval, eu tive que retornar ao trabalho. Seria então a vez da Mili ficar com ele. A expectativa era de que em breve ele fosse transferido da UTI para um quarto e pudesse ser liberado. Já tínhamos a certeza de que o pior passara. E a cada dia ficava mais evidente que ele receberia alta e voltaria para sua terra, para junto de nós, novamente, nem que fosse por pouco tempo.
No entanto, dias difíceis ainda estavam por vir.
***
A sua digestão era difícil. O organismo parecia não aceitar outra alimentação que não fosse aquela dada através da sonda nasal. Eram parcas as colheradas de alimentos que ele conseguia engolir sem desembocar numa crise de vômito. E assim ele foi emagrecendo. Eu temia que o longo tempo deitado lhe impusesse as conseqüências que sempre se via nos pacientes que ficam acamados durante muito tempo, como as lesões na pele das costas ou a atrofia gradativa dos membros. Por isso mesmo, a Mili e eu o forçávamos a sair da cama e o levávamos com freqüência pelos corredores do hospital, ora caminhando alguns passos, ora na cadeira de rodas. Eram alguns poucos minutos, porque logo queria retornar ao conforto do leito. Num certo dia um dos médicos que o acompanhavam deixou instruções para que os enfermeiros nos proibissem de tirá-lo da cama até segunda ordem. Havia ficado um orifício no lado direito de seu abdômen, por onde estivera ligada uma sonda que drenava o líquido acumulado. E aquele orifício não fechava, talvez pela pressão exercida pelos órgãos internos e pela ação da gravidade quando seu corpo estivesse de pé. Ao menos era esse o entendimento do médico. Com o que não concordamos. Desobedecemos a ordem e continuamos fazendo-o caminhar pelo hospital, sem que os enfermeiros ficassem sabendo. Se, por um lado, aquela cicatriz demorou mais a fechar, por outro não temos dúvidas, hoje, de que termos mantido o seu corpo em movimento também ajudou a mantê-lo vivo.
***
Também um outro problema começava a aparecer naquele final de Fevereiro de 2006: o dinheiro começava a ficar escasso.
Eu já havia esgotado todos os recursos. Tinham ido as economias, os adiantamentos de férias, o limite do cheque especial. As viagens entre São José do Ouro e Porto Alegre custavam quase R$ 200,00 ida e volta. E eu havia feito dezenas delas. As inúmeras despesas com exames, transferência de hospital e outras que haviam sido necessárias até então, haviam esgotado a minha capacidade financeira naquele momento. Se a situação perdurasse por muito mais tempo, teria que recorrer a algum empréstimo no Banco. Com meus irmãos não era diferente. Cada qual tinha suas dificuldades e havia também chegado ao seu limite. E a mãe contava apenas com a aposentadoria do pai que, deduzidos os R$ 450,00 do plano de saúde e as contas normais de água, luz, telefone acabava em menos de R$ 100,00. Em vista disso, fiquei muito emocionado quando soube que o nosso primo Calo (Pedroni) de Caxias do Sul, numa visita de surpresa, havia deixado R$ 500,00 para a mãe para ajudar nas despesas. Assim, espontaneamente, mesmo que no início a mãe tivesse relutado em aceitar. Mas mesmo ela sabia que naquele momento qualquer ajuda era muito bem vinda. E mais uma vez entendi que gestos como aquele nada mais significavam do uma espécie de gratidão ao meu pai. Ou, no caso do Calo, uma maneira de demonstrar o carinho por ele e pela família. Também seremos eternamente gratos por esse gesto. No entanto, não deixava de ser inusitado o fato de termos chegado a esse ponto, tão de repente. Nunca fomos uma família de posses, é verdade, mas também jamais havíamos enfrentado situações de grande aperto financeiro. Tanto mais uma situação como aquela. Nos assustava, de fato, a iminência da falta de recursos. Mas demos a volta. Graças a Deus e aos amigos.
***
E finalmente retornei, agora para tentar retomar a rotina no Banco. Eram quase 50 dias de internação do pai. Meu período de férias já havia terminado, assim como as férias do Nando e do Digo. De agora em diante seria tudo com a Mili.
APERTOS...
Aproximava-se o final de Fevereiro e uma preocupação a mais nos assaltava. As férias da Marília estavam por terminar e ela fatalmente retornaria. Apesar de toda a sua gentileza, apesar de afirmar e reafirmar que poderíamos ficar ali o tempo que fosse necessário, é certo que não ficaríamos totalmente à vontade. Uma coisa era ocuparmos o seu apartamento em sua ausência fazendo as vezes, até, de “guardiões do patrimônio”. Outra bem diferente seria dividir o apartamento com sua família. Preocupava-nos a questão da privacidade, a possibilidade de atrapalharmos a sua rotina, enfim, coisas que talvez só estivessem em nossa cabeça, mas que com certeza povoariam os pensamentos de qualquer pessoa em nossa condição, mesmo que se tratasse de familiares tão próximos. Além do mais, achávamos que quase um mês ocupando aquele apartamento era um tempo mais do que suficiente. Por conta disso já nos obrigávamos a pensar num “plano C”, embora tivéssemos certeza de que a Marília não nos deixaria sair de lá assim tão facilmente.
Mas o pai continuava a apresentar um quadro que teimava em não evoluir. Se, por um lado, parecia que a infecção hospitalar estava debelada, os indícios davam conta de que seu fígado demorava muito a regenerar-se, muito provavelmente em razão da cirrose. Assim, as funções hepáticas iam se recuperando com grande lentidão.
Depois do carnaval, eu tive que retornar ao trabalho. Seria então a vez da Mili ficar com ele. A expectativa era de que em breve ele fosse transferido da UTI para um quarto e pudesse ser liberado. Já tínhamos a certeza de que o pior passara. E a cada dia ficava mais evidente que ele receberia alta e voltaria para sua terra, para junto de nós, novamente, nem que fosse por pouco tempo.
No entanto, dias difíceis ainda estavam por vir.
***
A sua digestão era difícil. O organismo parecia não aceitar outra alimentação que não fosse aquela dada através da sonda nasal. Eram parcas as colheradas de alimentos que ele conseguia engolir sem desembocar numa crise de vômito. E assim ele foi emagrecendo. Eu temia que o longo tempo deitado lhe impusesse as conseqüências que sempre se via nos pacientes que ficam acamados durante muito tempo, como as lesões na pele das costas ou a atrofia gradativa dos membros. Por isso mesmo, a Mili e eu o forçávamos a sair da cama e o levávamos com freqüência pelos corredores do hospital, ora caminhando alguns passos, ora na cadeira de rodas. Eram alguns poucos minutos, porque logo queria retornar ao conforto do leito. Num certo dia um dos médicos que o acompanhavam deixou instruções para que os enfermeiros nos proibissem de tirá-lo da cama até segunda ordem. Havia ficado um orifício no lado direito de seu abdômen, por onde estivera ligada uma sonda que drenava o líquido acumulado. E aquele orifício não fechava, talvez pela pressão exercida pelos órgãos internos e pela ação da gravidade quando seu corpo estivesse de pé. Ao menos era esse o entendimento do médico. Com o que não concordamos. Desobedecemos a ordem e continuamos fazendo-o caminhar pelo hospital, sem que os enfermeiros ficassem sabendo. Se, por um lado, aquela cicatriz demorou mais a fechar, por outro não temos dúvidas, hoje, de que termos mantido o seu corpo em movimento também ajudou a mantê-lo vivo.
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Também um outro problema começava a aparecer naquele final de Fevereiro de 2006: o dinheiro começava a ficar escasso.
Eu já havia esgotado todos os recursos. Tinham ido as economias, os adiantamentos de férias, o limite do cheque especial. As viagens entre São José do Ouro e Porto Alegre custavam quase R$ 200,00 ida e volta. E eu havia feito dezenas delas. As inúmeras despesas com exames, transferência de hospital e outras que haviam sido necessárias até então, haviam esgotado a minha capacidade financeira naquele momento. Se a situação perdurasse por muito mais tempo, teria que recorrer a algum empréstimo no Banco. Com meus irmãos não era diferente. Cada qual tinha suas dificuldades e havia também chegado ao seu limite. E a mãe contava apenas com a aposentadoria do pai que, deduzidos os R$ 450,00 do plano de saúde e as contas normais de água, luz, telefone acabava em menos de R$ 100,00. Em vista disso, fiquei muito emocionado quando soube que o nosso primo Calo (Pedroni) de Caxias do Sul, numa visita de surpresa, havia deixado R$ 500,00 para a mãe para ajudar nas despesas. Assim, espontaneamente, mesmo que no início a mãe tivesse relutado em aceitar. Mas mesmo ela sabia que naquele momento qualquer ajuda era muito bem vinda. E mais uma vez entendi que gestos como aquele nada mais significavam do uma espécie de gratidão ao meu pai. Ou, no caso do Calo, uma maneira de demonstrar o carinho por ele e pela família. Também seremos eternamente gratos por esse gesto. No entanto, não deixava de ser inusitado o fato de termos chegado a esse ponto, tão de repente. Nunca fomos uma família de posses, é verdade, mas também jamais havíamos enfrentado situações de grande aperto financeiro. Tanto mais uma situação como aquela. Nos assustava, de fato, a iminência da falta de recursos. Mas demos a volta. Graças a Deus e aos amigos.
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E finalmente retornei, agora para tentar retomar a rotina no Banco. Eram quase 50 dias de internação do pai. Meu período de férias já havia terminado, assim como as férias do Nando e do Digo. De agora em diante seria tudo com a Mili.
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